Em setembro de 2009, quando se encerrava o prazo de filiação partidária para quem fosse concorrer nas eleições deste ano, Henrique Meirelles recebeu um convite da cúpula do PTB. Se quisesse, o chefe do BC seria candidato à Presidência da República.Meirelles consultou o presidente Lula, que lhe pediu para continuar no BC e sugeriu a filiação ao PMDB, acenando com a vaga de vice na chapa de Dilma Rousseff. Nas últimas reuniões do Comitê de Política Monetária, Meirelles foi criticado por alguns economistas, por, supostamente, não iniciar um novo ciclo de aperto monetário, durante a campanha presidencial, para não prejudicar Dilma. 

 

45.jpg

 

No íntimo, ele talvez se imaginasse credor do governo Lula, por ter dado uma contribuição decisiva para a estabilidade, e também da presidente eleita. Na semana passada, no entanto, ele se deu conta de que não apenas sairia do BC como também de que estava sendo alvo de uma humilhante fritura. 

 

A longa agonia só acabou oficialmente na manhã da quarta-feira 24. “Boas práticas de governança de bancos centrais aconselham que um presidente não deve permanecer no cargo por mais de dois mandatos. Saio feliz e realizado”, afirmou Meirelles no Senado, pouco antes de participar de uma audiência na Comissão de Constituição e Justiça para discutir a fraude no banco PanAmericano. Uma declaração mais protocolar do que sincera. Meirelles deixou o governo se sentindo traído. O nervosismo na curta entrevista coletiva evidenciou isso.

 

Na noite anterior, ele havia sido chamado à Granja do Torto, onde se encontrou com a presidente eleita, Dilma Rousseff, e Antônio Palocci, futuro ministro da Casa Civil. Dilma estaria irritada pelas declarações atribuídas a Meirelles de que ele havia imposto condições para continuar no posto. O que surpreendeu Meirelles não foi perder o cargo, mas a forma. Depois de oito anos de serviços prestados ao governo do presidente Lula, ele esperava ser tratado com cortesia.

 

Competente tecnicamente, Meirelles acabou se revelando um desastre como animal político. Apostou na moeda da lealdade, quando a política, na prática, é a arte da traição. Embora seja um homem reconhecido no Brasil e no Exterior, com espaço garantido no setor privado, ele sai do BC sem uma âncora de atuação pública, que poderia ser uma cadeira no Senado – em março deste ano, ele também foi convencido por Lula a ficar no Banco Central.

 

44.jpg

 

No anúncio da despedida, Meirelles lembrou que cogitou sair em março, mas avaliou que naquele momento a economia brasileira ainda não estava tranquila o suficiente para que ele considerasse sua missão concluída. 

 

“Não era um céu de brigadeiro”, afirmou. Agora também não é, embora o presidente do BC deixe ao sucessor uma situação muito melhor do que a que encontrou quando assumiu o posto, em janeiro de 2003. 

 

Nos últimos oito anos, a taxa de juros caiu de 25% para 10,75%, a inflação baixou de 12,5% para pouco mais de 5%, o déficit público nominal caiu pela metade, para 1,9%, e as reservas aumentaram de 7,5% para 13,2% do PIB. No plano internacional, o Brasil ganhou um papel de destaque nas discussões sobre a reforma na regulação do sistema financeiro e Meirelles passou a ser ouvido nos fóruns internacionais.

 

De todo modo, Dilma não descarta um convite a Meirelles no novo governo. Segundo seus interlocutores, ela gostou do tom da entrevista de despedida de Meirelles. Considerou que ele foi elegante ao não acusar o golpe. 

 

Especula-se que ele possa vir a ser convidado para algum cargo na área de infraestrutura – fala-se até de um novo ministério para cuidar da modernização dos aeroportos – ou para uma embaixada no Exterior. Estender a mão ao chefe do BC também faria bem à presidente eleita, pois a forma como se fez a demissão não foi totalmente benéfica para sua imagem.

 

 

ENTREVISTA 

“Foi o último fogo amigo que sofri”


DINHEIRO – O sr. está feliz com a mudança?

HENRIQUE MEIRELLES – Muito. O reconhecimento por esses oito anos de trabalho é muito grande e o Tombini é a pessoa que eu considero mais qualificada para a sucessão. Tanto que eu mesmo o escolhi e o indiquei.

 

43.jpg

 

DINHEIRO – Mas sua saída não poderia ter sido melhor?

MEIRELLES – Pode-se dizer que foi o último disparo de fogo amigo. Mas é o preço que se paga pelo trabalho e pela decisão que tomei de não anunciar a saída antes de ter o sucessor escolhido.

 

DINHEIRO – O Tombini terá autonomia equivalente à sua?

MEIRELLES – É a minha expectativa e também a minha convicção.

 

DINHEIRO – O que o sr. considera deixar como legado?

MEIRELLES – A estabilidade num sentido mais amplo, não apenas inflacionária. Ao reduzirmos a volatilidade cambial e os prêmios de risco, passamos a ter um ambiente seguro. E isso aumentou a previsibilidade para empresas,  investidores e para as famílias.

 

DINHEIRO – O sr. se sente traído?

MEIRELLES – Não houve traição. No governo, já se sabia que minha intenção não era continuar depois de 2010.

 

DINHEIRO – Qual será seu futuro?

MEIRELLES – Vou continuar servindo o Brasil, seja no setor público, seja no setor privado. Tenho até o dia 31 de dezembro para decidir com calma. E vou também começar a escrever sobre o que foi a experiência desses oito anos no Banco Central, assim como dos meus 30 anos na iniciativa privada.

(Leonardo Attuch)