Com a Guerra Fria já em temperatura morna no começo dos anos 1980, empresas de tecnologia surfaram no início do processo de globalização para fornecer computadores de ponta a companhias que desejavam modernizar seus negócios. É bem verdade que as enormes máquinas dessa época são mais fracas que os celulares de hoje, mas americanas, como IBM, Apple e Atari, e japonesas, como Nec e Sharp, travavam uma saudável disputa. Essa tendência, porém, foi barrada no Brasil. Tal qual uma tribo indígena temerosa da “magia” do mundo desenvolvido, os militares que comandavam o País fecharam o mercado com o objetivo de fomentar a criação de tecnologia nacional. 

 

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Só gente grande: Henri Penchas, CEO da Itautec, diz que o mercado de pcs vale

a pena somente para empresas com escala global

 

A Lei 7.234 de 1984 proibiu empresas do Exterior de fabricar e vender produtos de informática no mercado interno. Dezenas de empreendimentos nacionais foram constituídos para se beneficiar dessa jabuticaba – muitos com critérios de informática bastante amplos e questionáveis, diga-se. No entanto, três décadas depois, nenhuma se manteve na fabricação de computadores. Na semana passada, a Itautec, espécie de último moicano dessa aldeia, protegida pela reserva de informática, anunciou que vai paulatinamente deixar esse mercado para enfatizar o setor de automação bancária e serviços, numa joint venture com a japonesa Oki. A reserva caiu em 1992 e, gradativamente, as grandes empresas com escala global chegaram. 

 

E essa é a principal razão apontada por Henri Penchas, CEO da Itautec, para uma radical mudança nos negócios da empresa. “Você precisa ter escala global para disputar o mercado de micros”, diz Penchas, que assumiu o cargo na Itautec há menos de um mês. Ele substituiu Mário Anseloni, ex-HP, que há um ano anunciara a intenção de reforçar a atuação da Itautec no varejo. Até mesmo o lançamento de uma linha de tablets foi anunciado, mas ela nunca chegou às prateleiras. O abandono da fabricação de PCs pegou o mercado e os próprios funcionários da empresa de surpresa, já que o setor responde por cerca de 45% do seu faturamento. O movimento de desembarque dos microcomputadores não é exclusividade da Itautec. 

 

Até mesmo gigantes como a IBM, mãe do computador pessoal, já se desfez de sua divisão de computadores, vendida para a chinesa Lenovo. “Esse segmento está amadurecido, já não há mais campo virgem para crescer”, diz Bruno Freitas, supervisor de pesquisas da consultoria IDC. Para o analista, os consumidores estão mais interessados em comprar smartphones e tablets. A divulgação do fim da linha de computação foi feita em conjunto com o anúncio da criação de uma nova companhia com a japonesa Oki. Até então, a centenária Oki atuava no País apenas na área de impressão, com equipamentos importados da Ásia. A nova empresa formada por Oki e Itautec vai focar em prestação de serviço e automação bancária e comercial, setor responsável por um quarto do faturamento da Itautec no ano passado. 

 

“Parece uma volta à origem da empresa”, diz Fernando Meireles, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP), especializado em tecnologia da informação. A Itautec, controlada pela Itaúsa, holding que também controla o Itaú, surgiu no final dos anos 1970 com o objetivo de atender o banco. Agora, no entanto, a Oki vai ficar com 70% de participação da nova empresa, que por sua vez vai alugar a fábrica da Itautec em Jundiaí. Ainda não está decidido qual marca será usada nos produtos. Outro aspecto que ainda não está definido é quanto a Itautec receberá na transação. Foi anunciado um valor de R$ 100 milhões, mas Penchas afirma que esse está sujeito a ajustes até dezembro, época em que deverá estar concluído o negócio. 

 

Segundo Penchas, a Itautec terá um ganho importante com o acesso às inovações da sócia. “A Oki tem tecnologia para produzir caixas eletrônicos que fazem transações com câmbio, por exemplo.” O CEO diz acreditar que o próximo passo seria o fechamento do capital da Itautec. Independentemente das acomodações feitas nesse reposicionamento, o fato é que o ranking dos dez maiores vendedores do mercado de computadores fica praticamente dominado por empresas de capital estrangeiro. A Itautec estava em oitavo lugar, com 5% de participação, de acordo com a consultoria IT Data. Uma honrosa exceção ocupa o primeiro lugar: a Positivo Informática. Seria a empresa paranaense, fundada em 1989, já nos estertores da reserva de mercado, o verdadeiro último dos moicanos? 

 

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