O Prince Building, na esquina da Broadway Street com a Prince, em Nova York, fica a apenas alguns quarteirões do Zucotti Park, área que concentrou muitos dos protestos contra o sistema financeiro realizados pelo movimento Ocupe Wall Street, que começou no ano passado. No nono andar desse prédio, construído em 1897, no entanto, não há sinal de crise. “Seja bem-vindo à festa”, diz o recepcionista, abrindo a porta de vidro para mim. Ele pergunta o meu nome e pede que eu espere. Enquanto aguardo, observo um escritório espaçoso e bastante claro. A equipe de mais de 300 pessoas que trabalha lá é, em geral, bem jovem. Há algumas nuvens desenhadas no teto azul-bebê e também cartoons – um deles sobre o médico Dr. House, do seriado homônimo de tevê – espalhados pelas paredes. 

 

 

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Times Square conectada: mais de mil empresas de internet surgiram na cidade desde 2007, como Makerbot, Fab, Gilt e ZocDoc

 

A referência não é fortuita. Estamos na sede da ZocDoc, empresa de internet que pretende resolver um dos problemas do sistema de saúde americano – e, diga-se de passagem, também brasileiro: a dificuldade de encontrar um médico disponível quando você mais precisa. O site permite a busca de especialistas e o agendamento de consultas de forma gratuita. Fundada em 2008, a empresa tem mais de 1,3 milhão de usuários mensais. Tão ou mais impressionante que esses números são os US$ 95 milhões obtidos até agora com investidores pesos-pesados, como Jeff Bezos, fundador da Amazon, e o Founders Found, de Sean Parker, ex-presidente do Facebook. O valor estimado da ZocDoc é de US$ 1 bilhão.

 

Longe de ser uma exceção, a empresa é um dos exemplos mais notáveis entre as quase mil start-ups surgidas em Nova York nos últimos cinco anos. Trata-se de um movimento que está transformando a cidade em um polo de inovação. A efervescência digital é tanta que a região começa a rivalizar com o Vale do Silício, na Califórnia, que concentra companhias como Google, Apple e HP, entre outras. Desde 2007, o Beco do Silício, como é conhecida a região de Nova York que reúne a maior parte das empresas novatas de tecnologia, viu os acordos com os investidores de risco crescer 32%. Enquanto isso, os aportes para outros lugares nos EUA, incluindo o Vale, caíram, em média, 11%. 

 

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Apoio econômico: a indústria da tecnologia tem sido essencial para enfrentar

a crise financeira, diz o prefeito Michael Bloomberg

 

No centro desse fenômeno estão, além da ZocDoc, companhias como as redes sociais Tumblr e Foursquare, o site de comércio eletrônico de moda Gilt Group e a empresa de financiamento coletivo online Kickstarter. O valor de mercado dessas empresas oscila entre US$ 600 milhões e US$ 1 bilhão. “A atenção dos investidores está se voltando para Nova York”, disse recentemente David Karp, fundador do Tumblr, um dos 50 sites mais acessados dos EUA. Coincidência ou não, alguns dos fundos mais ativos no Brasil, como o Insight Ventures, com aportes no Hotel Urbano e Privalia, e o Tiger Global, que tem em seu portfólio nomes como Baby, Netshoes e Peixe Urbano, estão sediadas em Nova York. 

 

“O crescimento da indústria de tecnologia tem sido essencial para enfrentarmos a crise econômica de uma forma bem melhor que o restante dos EUA”, afirmou o prefeito da Big Apple, Michael Bloomberg. Os dados sobre empregos corroboram esse discurso. Nos últimos cinco anos, o número de vagas disponíveis no setor subiu 29%. O índice é bem superior ao do mercado de trabalho em geral na cidade, que foi de apenas 3%. Emprego, aliás, não falta. Atualmente, 50% das empresas digitais mapeadas estão com vagas abertas. “Fizemos esforços para apoiar os empreendedores”, disse Bloomberg. 

 

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Conexões: a MakerBot, de Bre Pettis (à dir.), ganha dinheiro com impressoras 3D e o Tumblr,

de David Karp, faz grande sucesso no Brasil

 

Start-ups internacionais, como o serviço sueco de música Spotify e a rede brasileira de moda Fashion.me, também escolheram Nova York como porta de entrada nos EUA. “Mais do que o bom momento da indústria local, a proximidade com as empresas de moda, mídia e varejo influenciaram nossa decisão”, diz o brasileiro Flavio Pripas, fundador da Fashion.me. Além de estar no coração dos negócios, Pripas teve um estímulo a mais para alugar um espaço perto da badalada Times Square: ele diz que é mais barato locar um imóvel lá do que no bairro de Vila Olímpia, em São Paulo. “Nova York não deixa nada a desejar ao Vale do Silício”, diz Bre Pettis, fundador da MakerBot, fabricante americana de impressoras 3D de baixo custo. 

 

REFLEXO DA CRISE Além do apoio da prefeitura, outro incentivo aos negócios é a boa infraestrutura herdada da euforia da bolha pontocom, no início da década de 2000. Já a crise econômica que assola os EUA desde 2008 também funciona, paradoxalmente, como um apoio à expansão digital. A explicação é simples. Com a crise, milhares de engenheiros e profissionais de finanças perderam o emprego. Boa parte deles encontrou oportunidades nas start-ups que brotaram na região. É o caso, por exemplo, de Charles Birnbaum, diretor de negócios móveis do Foursquare, que tem mais de 25 milhões de usuários em 200 países e cujo valor se aproxima do US$ 1 bilhão. “Desde 2009, quando comecei a trabalhar aqui, aposentei o terno e a gravata”, afirma Birnbaum, com satisfação. Com uma história construída em bancos de Wall Street, hoje ele dá expediente de bermuda e chinelo. 

 

A informalidade no escritório do Foursquare é tanta que é possível ver funcionários descalços. Esse ambiente cool e conectado de Nova York influencia os brasileiros. Pelo menos quatro start-ups nacionais se inspiraram na ZocDoc. São elas YepDoc, Dr. Busca, go2Doc e AvalDoc. É um nicho em franca expansão, especialmente para a ZocDoc, que estuda iniciar operação em outros países. Entre os mais cotados está o Brasil. “Esperamos levar o que aprendemos ao longo dos últimos anos em breve para o País”, afirma Alisson Braley, diretora de comunicação. É por essas e por outras que a cena nova-iorquina demonstra que, em meio à crise internacional, um movimento significativo para os negócios digitais toma conta da cidade. “Há uma revolução em Nova York”, escreveu, recentemente, o bilionário americano Steve Case, fundador da AOL. “E, se você ainda não prestou atenção a isso, deveria começar a fazê-lo o quanto antes.”

 

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Enviado especial a Nova York