Como em toda preparação de um casamento, a fusão demoradamente costurada entre a Oi e a Portugal Telecom (PT) teve juras de amor eterno e também momentos de crise. Nenhum deles foi tão forte, porém, quanto o que surgiu no início de julho. A noiva brasileira descobriu, a poucos passos do altar, que seu pretendente português tinha emprestado muito dinheiro a uns sócios endividados lá na terrinha, sem antes discutir o assunto em casa. Para resumir, a PT comprou € 896 milhões em títulos, sem garantia, emitidos pela Rio Forte, empresa não financeira do grupo Espírito Santo.

Essa holding não só controla o maior banco privado português como também possui pouco mais de 10% da PT. Vencidos na terça-feira 15, os papéis não foram pagos. As informações oficiais são de que há sete dias úteis de “cura”, um prazo para que o pagamento seja efetuado antes de a inadimplência ser formalmente declarada. As chances de quitação, porém, parecem ser tão remotas quanto a volta d’el rei dom Sebastião. Nesse meio-tempo, o Banco de Portugal, o BC português, se movimentou bastante, trocando a alta gerência do Espírito Santo e procurando novos sócios para entrar no grupo.

O resultado do imbróglio foi que a PT, quase R$ 3 bilhões mais pobre, teve de rediscutir os termos do acordo com a Oi. No mesmo dia do calote, ela informou uma redução em sua participação na CorpCo., holding que resultará da fusão entre as duas teles. Em vez dos previstos 37,4%, a fatia lusa será de 25,6%. O mercado gostou: na quarta-feira 16, dia seguinte ao anúncio, as ações preferenciais da Oi fecharam com alta de 12,8%, o maior avanço do pregão, recuando 6,4% na sessão seguinte. Desde janeiro de 2011, data de entrada da Portugal Telecom no capital da Oi, a queda acumulada dos papéis foi de 77%, de longe o pior desempenho entre as teles na bolsa.

A divulgação do resultado levantou uma discussão sobre a governança corporativa da Portugal Telecom. O que o mercado discute é se Zeinal Bava, CEO da Oi e também da empresa operacional subordinada à holding da PT, sabia do empréstimo. Henrique Florentino, analista da corretora Um Investimentos, notou um desencontro de informações. “Segundo os sócios brasileiros, o acordo da PT com o Espírito Santo foi fechado depois da fusão, mas a direção da PT informou que ele já estava no balanço desde 2013”, diz Florentino.

A divergência pode ser apenas um desencontro pontual, mas o caso deixou o mercado com um grão de incerteza sobre outras surpresas que pode haver nos livros contábeis lusitanos. Por via das dúvidas, a agência de classificação de risco de crédito Fitch rebaixou as notas da Oi e da PT na quarta-feira 16. As duas companhias perderam o grau de investimento e tiveram suas avaliações reduzidas de “BBB-” para “BB+”, com perspectiva estável. Ao justificar, a Fitch avaliou a possibilidade de a Oi não receber nada da Rioforte e a decisão da PT de fazer grandes investimentos.

A confusão mudou a percepção do mercado. Até a segunda-feira 14, as ações da Oi estavam na carteira recomendada semanal da corretora paulista Concórdia. “A ideia era que a sinergia com a Portugal Telecom seria uma forma de melhorar a governança corporativa da Oi, mas a derrapada com uma parte relacionada fez com que essa expectativa caísse por terra”, diz Karina Freitas, analista-chefe da corretora. A Concórdia avalia as ações da Oi como uma alternativa apenas para o longo prazo, mas, segundo Karina, para isso é imprescindível haver estratégias operacional e comercial mais fortes.

“Até porque o setor de telecomunicações passa por desafios, como a queda de clientes na telefonia fixa”, diz Karina. A Oi é a líder desse segmento de mercado. Discussões societárias à parte, a Oi é uma companhia importante. É a líder em telefonia fixa, ocupa a quarta posição em telefonia celular e o segundo lugar na banda larga, com quase 74 milhões de clientes no País. Tem apresentado prejuízos trimestrais esporádicos, mas sua geração de caixa trimestral medida pelo EBIT, que não considera os gastos com depreciação e amortização, foi de R$ 950 milhões, em média, ao longo dos últimos 16 trimestres, até março de 2014.

“É uma empresa forte, com a maior cobertura geográfica do País e uma boa participação nos negócios com maior potencial de crescimento, como a prestação de serviços de banda larga fixa”, diz o engenheiro de telecomunicações paulista Eduardo Tude, presidente da consultoria Teleco. É uma empresa grande cujas ações são pechinchas (R$ 1,65) na bolsa. Com a diminuição da presença portuguesa em uma fusão que vinha sendo pesadamente questionada pelos acionistas minoritários, a Oi passa a se tornar uma empresa mais interessante para investir? Na opinião dos analistas ouvidos pela DINHEIRO, a resposta é não.

A ação está barata, mas o risco é alto. A Oi foi uma boa pagadora de dividendos, mas é uma empresa endividada e vai enfrentar desafios crescentes. É, portanto, um papel mais adequado para investidores agressivos do que conservadores. Segundo Daniel Liberato e Felipe Silveira, analistas da Coinvalores, o mercado deverá tornar-se mais inóspito. Entre 2000 e 2010, a telefonia móvel, banda larga e televisão por assinatura cresceram aceleradamente, mas, desde então, o crescimento desacelerou para 3% ao ano.

Além disso, há enorme intervenção dos órgãos reguladores, como a Anatel. Um exemplo é a queda da tarifa que as telefônicas recebem quando um de seus clientes recebe um chamado de um celular da concorrência. Denominada tarifa de interconexão, ela era fixada pela Anatel em R$ 0,34 por minuto até 2013, caiu para R$ 0,25 neste ano e deverá recuar para R$ 0,02 até 2019. “É por isso que as operadoras fazem tantas promoções entre usuários”, diz Silveira.

Há outros riscos. “Eu não recomendaria a compra de ações da Oi, ela está muito endividada, toma decisões contrárias aos minoritários e vem tratando mal os acionistas desde a fusão com a Brasil Telecom, em 2008”, diz Frederico Sampaio, diretor de investimentos da Franklin Templeton no Brasil. Segundo Sampaio, o episódio da Rio Forte torna evidente que a governança corporativa da empresa precisa melhorar bastante. Procurada, a direção da Oi e da PT não concederam entrevista.