06/03/2013 - 21:00
O empresário paulista José Carlos Hauer Jr., piloto de avião nas horas vagas, sonhava em curtir a vida viajando pelo mundo. Sua paixão pelo turismo é tão grande que, no início dos anos 1980, ele largou o segundo ano da faculdade de economia na Faap, em São Paulo, para se aventurar à frente de uma empresa especializada em levar estudantes para o Exterior, a Student Travel Bureau (STB). A aposta deu certo. Em 1986, a STB possuía cinco funcionários e apenas uma loja em São Paulo. Hoje, emprega mais de mil pessoas em suas quase 70 agências, espalhadas pelo Brasil e pela Austrália. No ano passado, a STB embarcou 60 mil estudantes rumo a uma temporada fora de casa.
Portas em automático: a entrada do escritório de Hauer Jr., da STB,
é uma porta de avião. Em 2012, sua empresa embarcou 60 mil estudantes
em viagens de intercâmbio internacional
Assim como Hauer Jr., outras empresas estão surfando na onda do turismo no Exterior. Nunca os brasileiros gastaram tanto dinheiro lá fora como em 2012: a fatura ficou em nada menos do que US$ 22,2 bilhões. Em janeiro deste ano, a gastança prosseguiu. Os brasileiros deixaram US$ 2,29 bilhões em suas viagens para fora, maior valor para o mês desde 1947. “Esse mercado vem crescendo desde a década de 1990, quando diminuíram as barreiras para sair do País”, afirma Hauer Jr. “Mas, nos últimos anos, a expansão tomou um ritmo muito maior.” O segmento de viagens internacionais, atualmente, é o que mais cresce no setor de turismo.
Decolagem autorizada: Camanzano, da Decolar.com – aumento da demanda
reduz o preço dos pacotes internacionais
Esse fenômeno faz com que as empresas da cadeia setorial, como agências de viagens, companhias aéreas, operadoras de cartão de crédito e de seguros, aumentem seus lucros e enxerguem a possibilidade de oferecer novos serviços. A demanda tem sido tão grande que até surpreende os profissionais da área. “Não sabíamos que os pacotes para o Exterior fariam tanto sucesso”, afirma Roberta Oliveira, sócia da agência online carioca Hotel Urbano. No início do ano passado, a companhia decidiu ampliar suas ofertas para destinos internacionais. “Deu tão certo que hoje temos pacotes até para Istambul, na Turquia”, diz Roberta. Atualmente, os destinos internacionais respondem por 20% dos negócios do Hotel Urbano, que faturou no ano passado R$ 380 milhões.
Até a CVC, maior empresa de turismo do País, que se consolidou com o foco no turismo interno, também está surfando essa onda de viagens internacionais. Os destinos internacionais já respondem por 30% das vendas da operadora, cuja receita estimada foi de R$ 3,7 bilhões em 2012. “Viajar para o Exterior hoje é um sonho possível para a classe média”, afirma Guilherme Paulus, presidente da CVC. No ano passado, as vendas de pacotes para os Estados Unidos dispararam. Para Nova York, a demanda cresceu 44% em comparação a 2011. As viagens para Orlando e Miami, na Flórida, tiveram alta de 34% no número de passageiros. Segundo Paulus, isso foi possível graças ao aumento no número de voos internacionais.
Ganhos no estrangeiro: os pacotes internacionais respondem
por 20% dos negócios do Hotel Urbano, de Roberta Oliveira
Em 2012, foram 175 mil voos, que transportaram 18,9 milhões de pessoas. A tendência é que esse número aumente. Pelo menos no que depender da American Airlines, que no mês passado se tornou a maior empresa aérea do mundo ao se unir à também americana US Airways. O Brasil já é a maior operação da American fora de seu país. A companhia mantém atualmente 102 voos semanais para seis capitais brasileiras e para o Distrito Federal: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Salvador, Brasília e Manaus. Neste ano, Curitiba e Porto Alegre entrarão no rol de cidades atendidas. “O Brasil é o país mais importante para a American hoje”, afirma José Roberto Trinca, diretor de vendas da companhia no Brasil.
Malas prontas: Castello Branco, do Grupo Águia, investe em pacotes
no segmento de eventos esportivos
Na quinta-feira 28, a American solicitou ao Departamento de Transportes americano a autorização para aumentar a frequência de voos entre Brasil e EUA, incluindo conexões diretas entre a capital paulista, Los Angeles e Chicago. Esse maior interesse dos brasileiros pelo estrangeiro acaba gerando um efeito cascata, que beneficia toda a cadeia de negócios do turismo e também o consumidor. “Quanto mais pessoas querem viajar, mais voos são disponibilizados, a concorrência aumenta e os preços caem”, afirma Alípio Camanzano, CEO da Decolar.com, maior agência de viagens online do País. “Por conta dessa demanda, temos mais poder de barganha com as companhias aéreas.”
Isso acaba se refletindo no preço dos pacotes. No site da Decolar, é possível encontrar passagens para Buenos Aires, ida e volta, por menos de R$ 300. A diária de hotel na capital argentina sai por cerca de R$ 60. “A classe C está descobrindo os destinos internacionais porque estão mais baratos que os nacionais”, diz Camanzano. Não é difícil encontrar viagens internacionais mais baratas do que as nacionais. No Carnaval, por exemplo, um pacote para Fortaleza, vendido no Hotel Urbano, saía por R$ 3,5 mil. No mesmo feriado, o turista conseguia conhecer a Disney, em Orlando, pagando R$ 1,5 mil. A crise econômica que afeta os Estados Unidos e a Europa desde 2008 também ajuda nesse quesito.
“Viajar para o Exterior hoje é um sonho possível para a classe média”
Guilherme Paulus, presidente da CVC
Nem mesmo a alta do dólar, cotado na casa de R$ 2, impede a invasão brasileira em outlets de Miami e nas lojas da 5a Avenida, em Nova York – é bom lembrar que há dois anos a moeda americana era cotada a R$ 1,60. “Nós é que somos os turistas ricos hoje em dia”, diz Paulo Castello Branco, presidente do Grupo Águia, controlador da Stella Barros Turismo, tradicional agência especializada em viagens para a Disney. “Mesmo se o dólar subir para R$ 2,30, as viagens internacionais permanecerão atrativas.” A estratégia do grupo para surfar nessa onda das viagens internacionais é diversificar seu portfólio de serviços. Uma nova empresa, a 4BTS, por exemplo, foi criada para atuar no segmento de eventos esportivos.
Passa no débito: para atender melhor os novos viajantes, Magnani, da Mastercard,
oferece cartões pré-pagos
No ano passado, firmou um acordo com a UFC, que promove lutas de MMA (artes marciais mistas), e passou a oferecer pacotes aos interessados em ver o brasileiro Anderson Silva, campeão mundial na categoria peso-médio, nocautear seus adversários em Las Vegas. Por serem as principais responsáveis por levar os brasileiros para fora, as agências de viagens e companhias aéreas acabam sendo as maiores beneficiadas pelo aumento da demanda por viagens. Mas não são as únicas. As administradoras de cartão de crédito Visa e Mastercard também viram seus negócios crescer por conta do aumento do turismo internacional. Tanto que um novo mercado surgiu para atender à necessidade dos viajantes de pagar suas compras no Exterior.
“O Brasil é o país mais importante para a American Airlines atualmente”
José Roberto Trinca, diretor da American Airlines
Trata-se dos cartões internacionais pré-pagos. “Nós já operávamos com esse produto, mas era um mercado de nicho”, afirma Percival Jatobá, diretor-executivo da Visa no Brasil. “Hoje é um segmento que atende todos os clientes da empresa.” A grande vantagem do pré-pago é que a cobrança de Imposto sobre Operação Financeira é de 0,38%, ante 6,38% nos cartões de crédito tradicionais. “A classe C, principalmente, tem utilizado muito esse cartão”, afirma Alexandre Magnani, vice-presidente de novos negócios da Mastercard. “Geralmente, o orçamento é limitado, então eles só carregam o que podem gastar.” A Mastercard, inclusive, comprou em 2010 a divisão de cartões da britânica Travelex, especializada nesse serviço. Outro requisito de quem viaja para o Exterior são os seguros de saúde e de viagens. Uma das empresas que estão tirando proveito disso é a Porto Seguro.
A companhia oferece desde 2010 seguros para viagens ao Exterior. Até outubro do ano passado, mais de 30 mil contratos haviam sido firmados. “O desempenho superou nossas expectativas”, afirma Silas Kasahaya, superintendente de vida e previdência da seguradora. Para crescer no segmento, a Porto Seguro oferece mimos aos clientes, como auxílio para a reserva de hotéis, restaurantes e veículos. A sofisticação dos serviços, aliás, é algo que acontece também na STB. Os velhos cursos de inglês sozinhos já não atendem mais à necessidade dos intercambistas. Segundo o presidente da empresa, Hauer Jr., hoje a demanda é por cursos de artes, fotografia e computação. As opções de hospedagem variam desde alojamentos em universidades até hotéis de luxo. “Estudar fora traz mais cultura”, afirma. Já para as empresas, a aventura dos brasileiros no Exterior está trazendo muito dinheiro.