O engenheiro pernambucano Norberto Odebrecht foi um produto extraordinário do seu tempo. Sua longevidade produtiva – permaneceu 78 anos em atividade de 93 de vida – permitiu que colocasse em prática e aprimorasse conceitos de gestão que transformaram o grupo que leva seu sobrenome num dos cinco maiores conglomerados empresariais do País. Fundado por ele na Bahia, a partir de uma construtora, em 1944, o grupo chegou a 23 países e se aproxima de R$ 100 bilhões de receita anual, com negócios que vão de infraestrutura à mineração, petróleo e gás até petroquímica, como a Braskem, 14a maior empresa do País, segundo o anuário AS MELHORES DA DINHEIRO.

Mesmo afastado das decisões administrativas desde o início dos anos 1990, “Doutor Norberto” ou “Coronel”, como era chamado, mantinha uma disciplina germânica: acordava antes das cinco horas da manhã e duas horas mais tarde estava em seu escritório na Fundação, uma entidade sem fins lucrativos criada em meados da década de 1960, voltada a projetos de educação e sustentabilidade. Sua motivação para continuar ativo era o cumprimento de metas, filosofia que implementou muito cedo na Odebrecht.

Antes de se formar na Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia, Norberto aprendeu no canteiro de obras da empresa do pai, Emílio, a necessidade de valorizar o trabalho coletivo. Ao criar a própria construtora, depois que a empresa do pai faliu sob sua direção, colocou esse preceito em prática, passando a dividir com os funcionários a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso. Na sua concepção, que antecede às propostas de compartilhamento da gestão do guru austríaco Peter Drucker, difundidas nos EUA, nos anos 1970, cada obra ou contrato da construtora tinha de funcionar como uma unidade independente.

Seus responsáveis, conhecidos no grupo como “empresários parceiros”, eram uma espécie de dono do próprio negócio e ganhavam uma participação nos resultados e bônus. “Norberto sempre inspirou pelo exemplo”, diz César Souza, presidente da consultoria Empreenda, que trabalhou 20 anos na Odebrecht. “Suas características foram a simplicidade, a confiança e a valorização das pessoas, independentemente de cargo ou nível educacional.” Os conceitos testados na prática viraram teoria: a Tecnologia Empresarial Odebrecht. Para explicar o que é a cultura do grupo, Norberto reuniu no livro Sobreviver, crescer e perpetuar as ideias que precisavam ser seguidas.

“Entrei na organização muito tempo depois do lançamento da Tecnologia Odebrecht e fiquei impressionado ao verificar como ela continuava moderna, com uma linguagem simples”, diz José Carlos Grubisich, que trabalhou no grupo de 2001 a 2012 e hoje comanda a Eldorado Brasil. “Foi um trabalho maravilhoso para a perpetuação da organização.” Ao chegar aos 60 anos, Norberto iniciou a preparação para a sucessão do comando da companhia e mostrava que o importante era a perpetuidade do negócio. Quando completou 70 anos, passou a presidência executiva para o filho Emílio e se instalou no conselho de administração, num dos mais bem conduzidos processos de troca de comando de um grupo familiar.

Em 2008, foi a vez de o neto Marcelo, filho de Emílio, assumir a presidência. “O empresário tem de ter caráter. Porque ser empresário é ter caráter e colocar a cultura em ação. Só isso o faz ser merecedor da confiança do cliente”, disse o doutor Norberto numa entrevista à DINHEIRO. “Jamais será empresário de uma organização aquele que não é capaz de descentralizar, delegar e partilhar.” Treze dias antes da celebração dos 70 anos de atividades da Odebrecht, em 1º de agosto, o patriarca faleceu após sofrer complicações cardíacas. O recifense Norberto Odebrecht foi enterrado no cemitério Campo Santo, em Salvador, cidade que adotou como sua.