21/11/2014 - 20:00
No prédio ao lado do imponente edifício-sede da Petrobras, no centro do Rio de Janeiro, a placa de um dos negócios da alameda de serviços ganhou, nos últimos dias, significado especial para os funcionários da estatal que lotam o restaurante vizinho nos dias de expediente. A corretora de câmbio “Renova” nada tem a ver com a petroleira, exceto pela sua localização, mas seu letreiro expressa a expectativa dos empregados da estatal em meio ao maior escândalo de corrupção da história do País. Seja no cafezinho, seja nos elevadores, o assunto é a mudança que deve ocorrer na diretoria nas próximas semanas diante do desgaste sofrido pelos atuais titulares.
Os relatos colhidos por DINHEIRO com funcionários da maior empresa brasileira, sempre sob condição de anonimato, indicam também que a hipótese da saída da comandante Graça Foster ganhou força, em especial, após as suas declarações, na segunda-feira 17, de que sabia desde maio da confirmação de pagamento de propina pela fornecedora holandesa SBM Offshore, em contratos. Esse clima de apreensão vivido pelos empregados se espraia também sobre o ritmo do multibilionário programa de investimentos da companhia e os impactos que as denúncias da Operação Lava Jato podem ter na economia, dada a importância da estatal e de suas principais fornecedoras para o País.
As dificuldades na Petrobras se aprofundaram após a recusa da auditora americana PwC em assinar seu balanço financeiro do terceiro trimestre, o que inviabilizou a divulgação dos resultados, no dia 14, como previsto. (leia reportagem aqui). Além do vexame contábil, a data marcou a sétima fase da operação da Polícia Federal no caso, que passou a ser chamada de Juízo Final e atingiu executivos das principais empreiteiras do País, um fato histórico nos esforços de combate à corrupção (confira matéria aqui).
Os detalhes da operação, os nomes dos envolvidos e o valor movimentado, estimado em R$ 59 bilhões em contratos com essas empresas desde 2003, surpreendem até mesmo executivos acostumados com essas cifras vultosas e são tema frequente nas conversas na hora do almoço. Graça tentou minimizar o clima de apreensão ao anunciar medidas que estão sendo tomadas para evitar a ocorrência de atos de corrupção dentro da estatal, numa tentativa de acalmar o mercado. Além da criação de uma diretoria de governança, para receber e apurar denúncias, a estatal também começou a afastar funcionários sob suspeita de participarem do esquema.
“Vamos buscar os prejuízos para que haja retorno ao caixa da companhia”, afirmou. Na semana passada, foi a vez de o Conselho de Administração tomar a iniciativa de pedir ao Ministério Público a investigação do ex-presidente José Sérgio Gabrielli e de outras dez pessoas suspeitas de irregularidades na compra superfaturada da Refinaria de Pasadena (EUA), em 2006. No posto desde fevereiro de 2012, Graça já foi chamada de “a Dilma de Dilma” por seu apreço a planilhas, conhecer todos os detalhes dos projetos e contar com a total confiança da presidenta da República.
Quando assumiu a petroleira, ela foi incumbida por Dilma Rousseff de promover uma “faxina” na diretoria, demitindo, sem alarde, executivos que haviam sido indicados no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A executiva imprimiu um ritmo mais enérgico à gestão da estatal e fez declarações duras cobrando de fornecedores o cumprimento de prazos e respeito às metas, com críticas indiretas à administração de seu antecessor. Foi em sua gestão, no entanto, que a empresa perdeu valor de mercado, asfixiada pela política do governo de controlar preços às distribuidoras para tentar segurar a inflação.
O tamanho do estrago é visível a olho nu: quando Graça assumiu o comando, a Petrobras valia em bolsa R$ 330 bilhões. Na semana passada, seu valor de mercado era de R$ 163 bilhões, um tombo de 50,6%, no período. O escândalo chegou mais perto da empresa com a decretação da prisão, no dia 14, de executivos de empreiteiras, lobistas e executivos graduados da diretoria, como o antigo diretor Renato Duque e o ex-gerente Pedro Barusco. Este último, responsável por contratos milionários nas áreas de exploração e produção de petróleo, aluguel de plataformas e construção de refinarias, fechou um acordo de delação premiada e prometeu devolver US$ 100 milhões aos cofres públicos.
O lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, que estava foragido, se entregou à polícia na terça-feira 18. Até a semana passada, as investigações da Polícia Federal e do Ministério Público estavam concentradas em Curitiba, sob a coordenação do juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal. No dia seguinte, Moro autorizou o compartilhamento de informações com a Receita Federal, o Tribunal de Contas da União (TCU), a Controladoria-Geral da União (CGU) e com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para que eles contribuam com seus conhecimentos técnicos.
Rigoroso no combate à corrupção, dois dias antes o juiz Moro novamente ocupara o noticiário ao desfazer um equívoco lamentável da Polícia Federal, que incriminara publicamente o atual diretor de abastecimento e refino da Petrobras, José Carlos Cosenza, cujo nome teria sido citado em depoimentos da Lava Jato. Obrigada a reconhecer o erro, a Polícia Federal divulgou um comunicado isentando Cosenza.
RISCO ECONÔMICO Executivos da estatal ouvidos pela DINHEIRO, no Rio de Janeiro, acreditam que a onda de limpeza pode estimular questionamentos que eram relevados pelo corpo técnico, muitas vezes por medo de represálias. Esses funcionários, outrora orgulhosos de serem petroleiros, também sentem na pele a deterioração da imagem da companhia, cujos empregos, sempre preenchidos mediante concurso, costumavam ser os mais disputados do mercado (neste ano, para 663 vagas se inscreveram 310.893 candidatos, a despeito do tsunami que varre a empresa).
“Já me xingaram de tudo só por eu trabalhar lá”, afirmou um engenheiro. Daí o apoio aos trabalhos das comissões internas que apuram os responsáveis. Muito mais abrangente e concreta do que as queixas dos trabalhadores, as consequências das investigações já começam a ter efeito prático na cadeia de fornecimento. Embora a diretoria da Petrobras tenha afirmado que não vai interromper os contratos com as empresas investigadas, a estatal cancelou, na última semana, uma encomenda de quase R$ 1 bilhão feita à Iesa, para a fabricação de componentes usados em plataformas de petróleo.
O diretor da empresa Otto Garrido é um dos presos pela Operação Lava Jato. O encerramento do contrato pode causar a demissão de até quatro mil pessoas, segundo a prefeitura de Charqueadas (RS), sede da operação afetada. Além da Iesa, há temor sobre a continuidade de estaleiros que têm as investigadas como sócias, caso do Estaleiro Brasa, em Niterói, no Rio de Janeiro, e da Estaleiros do Brasil (EBR), no Rio Grande do Sul. O primeiro é uma sociedade entre a SBM e o grupo Sinergy e o segundo é controlado pela Toyo-Setal, cujos diretores firmaram um acordo de delação premiada.
No Nordeste, o impasse sobre o pagamento de aditivos se agravou em meio aos trabalhos da Polícia Federal e acabou afetando os trabalhadores. Cerca de 6.000 funcionários de uma empreiteira da obra da refinaria Abreu e Lima estão com salários atrasados, segundo o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Construção de Pernambuco (Sintepav). “Fizemos reuniões com empresários do setor e nos falaram que a Petrobras está sem repassar o dinheiro”, afirmou o diretor do sindicato, Leodelson Bastos, que alerta para a possível repetição dos atrasos em outras empresas da obra, onde trabalham 38 mil funcionários.
Com investimentos na ordem de R$ 100 bilhões ao ano, a Petrobras tem sido o grande motor de vários setores da economia, com suas encomendas de navios, plataformas, sondas e até da construção civil, com a construção das refinarias. As empresas envolvidas na Operação Lava Jato são as mesmas que tocam hoje grandes obras de infraestrutura, como a transposição do rio São Francisco, a usina hidrelétrica de Belo Monte e a ferrovia Norte-Sul. A importância da Petrobras é tão grande que, em Brasília, as discussões sobre as punições aos fornecedores acontecem paralelamente ao debate sobre como fazer isso sem comprometer o desempenho de toda a economia, que pode começar 2015 paralisada em decorrência do escândalo.
Quando uma empresa é declarada inidônea pelos órgãos de controle do Estado, como a CGU, fica impedida de fazer contratos com outros órgãos públicos. Mas tanto a CGU quanto o TCU estão cautelosos quanto à possibilidade de a punição ter um preço mais alto para a economia do que para as empresas. “Eu proponho a repactuação dos contratos, mas é preciso ter a responsabilidade social também”, diz o presidente do TCU, Augusto Nardes, defendendo a devolução dos recursos superfaturados. A preocupação com a paralisação das obras foi mencionada na conversa entre a presidenta Dilma Rousseff e o governador da Paraíba, Ricardo Vieira Coutinho (PSB), que na quarta-feira 19, foi recebido no Palácio do Planalto para apresentar uma proposta de complementação para a obra de transposição do rio São Francisco.
“A presidenta quer concluir as obras”, disse Coutinho depois da audiência. No dia seguinte, em um discurso na Conferência Nacional de Educação, em Brasília, Dilma afirmou que “o Brasil não pode parar” e reiterou seu compromisso com o rigor nas investigações. Os órgãos de controle externo também querem aproveitar a Operação Lava Jato para mudar, de uma vez por todas, o modo de contratação praticado pela Petrobras. Como empresa de economia mista, com ações negociadas na bolsa, a petroleira argumenta que a Lei 8.666 cria amarras que reduzem sua competitividade em relação aos demais concorrentes no mercado, e prefere usar as regras mais flexíveis definidas num decreto de 1998, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Na quarta-feira 19, Nardes pediu ao presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski, o julgamento do mérito das 19 ações sobre o tema. Um levantamento feito pelo TCU mostra que, nos últimos quatro anos, 70% das aquisições feitas pela Petrobras não passaram pela lei de licitações, num volume estimado em R$ 70 bilhões. “O uso da carta-convite, como a empresa faz hoje, permite a combinação de preço e a cartelização”, diz Nardes. Em quatro obras da Petrobras – compra da refinaria em Pasadena, construção da refinaria de Abreu e Lima, Comperj e construção da refinaria Premium I, no Maranhão – o TCU encontrou indícios de superfaturamento no valor de R$ 3,7 bilhões.
A existência de uma nova lei anticorrupção para empresas, em vigor desde 29 de janeiro, com penas mais rigorosas, também deve mudar o tratamento dado ao setor privado. Antes mesmo da prisão de executivos das empreiteiras, no dia 14, o ministro-chefe da CGU, Jorge Hage, foi procurado por companhias investigadas na Lava Jato em busca de informações sobre acordos de leniência. “Não posso revelar nomes, mas já houve contatos iniciais, preliminares”, afirmou (leia entrevista ao final da reportagem). Na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) criada para investigar o relacionamento da Petrobras com seus fornecedores, a declaração de Graça de que tinha conhecimento da propina paga pela SBM Offshore foi muito mal recebida.
“A presidente Graça Foster mentiu nesta CPMI”, disse o líder do PSDB na Câmara, Antonio Imbassahy (BA), que entrou com representação no Ministério Público Federal e no TCU pedindo o afastamento imediato da presidente da estatal. Em uma votação apertada, a apenas um mês do fim dos trabalhos da CPMI, a oposição conseguiu aprovar a quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico do tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, além de promover uma acareação entre os ex-diretores da Petrobras Paulo Roberto Costa e Nestor Cerveró e convocar para depoimento os ex-diretores Renato Duque e Ildo Sauer. Na tentativa de criticar a decisão, o senador Valdir Raupp (RO), vice-presidente do PMDB, acabou confirmando as suspeitas dos que querem ver as contas da legenda.
“Qual é o papel do tesoureiro de um partido? Arrecadar fundos para o seu partido”, afirmou. É o caminho percorrido por esse dinheiro que a quebra de sigilo pode mostrar. Enquanto isso, no Rio de Janeiro, a presidente da Petrobras, uma reconhecida workaholic, tenta superar o seu inferno astral com uma rotina alucinante de mais de 12 horas de trabalho por dia. Sem conseguir cumprir as metas de produção de petróleo e acuada pelas denúncias de corrupção no seio da estatal, Graça está perdendo força política, a despeito do prestígio que tem junto à presidenta. Até o fechamento desta edição, Dilma não havia dito nenhuma palavra sobre a sua saída. Mas também não garantiu a sua permanência no posto no próximo governo.
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“Devolução de dinheiro é indispensável para acordo”
O ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage, diz à DINHEIRO que a nova lei anticorrupção, que entrou em vigor no dia 29 de janeiro e pune empresas que pagam propina, será aplicada aos fornecedores da Petrobras.
O sr. disse que foi procurado por empresas envolvidas na Operação Lava Jato para acordos. Quais empresas?
Não revelei nem posso revelar nomes de ninguém. Já houve contatos iniciais, preliminares, nas últimas semanas. A única coisa concreta em termos de acordo de leniência é com a SBM Offshore, da Holanda. Fomos procurados por eles há bastante tempo, e as conversas estão em pleno andamento.
Qual pode ser a punição?
Pode ser multa, suspensão ou a declaração de inidoneidade, que a impede de fazer novos contratos com o governo.
Há especialistas que dizem que, como não está regulamentada, a lei não vale…
Bobagem pura. A vigência da lei não está condicionada ao decreto regulamentador. Ela está em pleno vigor desde 29 de janeiro. Pode ser aplicada para acordos de leniência, mesmo de fatos ocorridos antes do vigor da lei. E a parte das multas de até 20% do faturamento pode ser aplicada para fatos ocorridos depois.
Pode haver a paralisação de obras?
Espero que isso não tenha de ocorrer. Isso não é bom para ninguém.
Isso será levado em conta pela CGU?
Não. O nosso dever é aplicar a lei. A declaração de inidoneidade não implica a paralisação de eventuais contratos atuais. Só impede novos contratos. O gestor deve avaliar os riscos e as vantagens de suspender o contrato.
Haverá devolução de dinheiro?
Se formos procurados para a celebração de acordo, sem dúvida. Esse é um dos itens que consideramos indispensável.
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