A transmissão de vídeo pela internet já quebrou vários tabus, além de praticamente todas as locadoras do planeta. Através do YouTube, do Google, ou do Netflix, a experiência de se ver um filme mudou e trouxe, à reboque, bilhões de dólares para o bolso de algumas empresas. No ano passado, esse mercado movimentou US$ 20 bilhões, segundo a consultoria americana especializada em tecnologia Gartner. Em quatro anos, essa cifra deve chegar a US$ 48 bilhões. Apesar desse avanço, há um espaço sobre o qual a tecnologia tenta quebrar resistências: levar até a casa do espectador o lançamento de um filme ao mesmo tempo em que ele estreia nas salas de cinema.

Esse é o ousado plano do lendário empreendedor americano Sean Parker, o programador que ficou conhecido ao criar o Napster, sistema de compartilhamento de música que deixou as gravadoras desesperadas, e foi o primeiro presidente do Facebook, quando a rede social dava os seus primeiros passos. Com apoio de estrelas de Hollywood, como os diretores e produtores Steven Spielberg e Martin Scorsese, Parker costura apoio de cinemas e dos estúdios para criar o Screening Room, uma startup que ameaça um mercado de US$ 11,3 bilhões, o valor que faturou em bilheteria a indúsria de Hollywoo nos EUA e Canadá no ano passado.

A empresa de Parker quer instalar um aparelho que custa US$ 150 nas residências e cobraria US$ 50 por lançamento. O modelo é diferente do da Netflix, que ganha dinheiro com uma assinatura mensal e acesso ilimitado ao acervo de filmes, séries e documentários. O diferencial da Screening Room é permitir o acesso à película ao mesmo tempo em que ela estreia no cinema. Para conter a ira dos exibidores, a estratégia de Parker é de repassar US$ 20 dos US$ 50 cobrados dos clientes para os exibidores, além de presentear os espectadores com dois ingressos para que possam conferir o lançamento no escurinho do cinema.

Por enquanto, ele só teve sinalização positiva do AMC Theatres, cujas 300 salas de exibição se espalham pelos Estados Unidos, China e Canadá. Os estúdios Disney e Paramount estariam negociando, mas não querem comentar. Não será missão fácil para Parker. A Netflix, no ano passado, tentou emplacar o seu filme Beast of no nation como um dos candidatos ao Oscar. Mas sofreu boicote de AMC, Regal, Cinemark e Carmike, principais redes de cinema americanas, que reclamaram do lançamento simultâneo do longa na plataforma sob demanda e nos cinemas.

Em 2011, a emissora de tevê a cabo americana DirecTV tentou algo semelhante ao que Parker pretende fazer, mas o projeto virou um Titanic, com críticas dos donos de cinema e de mais de 20 diretores. Agora, o script é outro. Além de Spielberg e Scorsese, Parker arregimentou o apoio de outros diretores estrelados, como J. J. Abrams, Ron Howard, Brian Grazer, Taylor Hackford e Frank Marshall, que saíram em defesa do modelo de negócios.

“É um caminho sem volta e salutar para o público e para quem produz, porque abrange um público maior”, afirma o diretor de teatro, cinema e televisão Luiz Antonio Pilar, responsável por novelas como “Sinhá Moça”, “Xica da Silva”, a minissérie“A Casa das Sete Mulheres” e shows do Milton Nascimento. Mas a gritaria já começou. Pelo menos três associações de proprietários de cinema se opuseram à empreitada. A Art House Convergence, que reúne 600 exibidores, divulgou carta, questionando o modelo de compartilhamento de faturamento e afirmando que o projeto elevará a pirataria.

A Associação Nacional dos Proprietários de Cinema até aceita discutir novos modelos para ampliar o público nas estreias, mas avalia que este é um debate entre exibidores e distribuidores, que não deve ser feito por uma “terceira parte”. Essa associação representa 58 mil exibidores em 84 países, incluindo o Brasil, com o Cinemark e o ShowCase Cinemas. A Associação de Cinemas do Reino Unido se posicionou contra e até o diretor Christopher Nolan, de “Batman – O Cavaleiro das Trevas”, e James Cameron, de “Avatar”, encenaram oposições.

Os analistas estão céticos em relação à nova startup. De acordo com Fernando Elizalde, do Gartner, o modelo proposto por Parker terá um espaço menor se comparado ao da Netflix, que pode representar 60% do mercado em 2020. Além disso, especificamente sobre o Screening Room, Elizalde afirma que o custo ainda é muito alto, mesmo para os padrões americanos, e que experiências como essa já naufragaram. “Pessoalmente, penso que não há mercado para esses serviços”, diz. “O mercado é muito limitado.” Ao que tudo indica, Parker não deve desistir da ideia. E, pelo seu histórico de chacoalhar mercados estabelecidos, é preciso aguardar as cenas do próximo capítulo.