A cada ano são colhidas 145 milhões sacas de café no mundo. Contudo, apenas 1% disso possui a qualidade necessária para entrar em uma cápsula da Nespresso”. A frase, proferida pelo executivo Stefan Nilsson, que comanda a subsidiária da empresa suíça na América Latina, pode parecer pretensiosa, mas ajuda a entender o rigor e dimensionar os desafios de uma operação, que fatura estimados US$ 5 bilhões por ano globalmente apenas com a venda de máquinas e cápsulas dos chamados cafés gourmets. Assim como a fórmula de seus blends, a Nespresso, que pertence à gigante suíça Nestlé, não revela seus números.

A marca, que já se tornou sinônimo de categoria, não esconde, no entanto, que suas estratégias de longo prazo estão nos cafezais brasileiros. Depois de anunciar, no final de 2014, a construção de uma fábrica de cápsulas na mineira Montes Claros, com investimentos de R$ 180 milhões, a empresa segue os passos da italiana Illy e intensifica os esforços para cortejar os fazendeiros brasileiros. É neste contexto que entra a pacata Carmo de Minas, na Zona da Mata de Minas Gerais, tradicional produtora do café de montanha. O município de 14 mil habitantes, a metade dos quais vive no campo, ficou famoso há dez anos depois que alguns dos grãos colhidos na região compuseram o lote que venceu o concurso Cup of Excellence, o Oscar do café, obtendo a nota 95,85 de um total de 100.

“Foi a maior pontuação já obtida até hoje”, afirma Luiz Paulo Pereira Filho, herdeiro da Fazenda Sertão, onde foi cultivado o produto, e dono da trading Carmo Coffes. A gourmetização do consumo do tradicional cafezinho é um movimento que está turbinando toda a indústria. Graças à progressiva popularização da versão em cápsulas que, embora gere uma receita anual de apenas R$ 90,8 milhões, cresce à taxa de 50% ao ano e dinamizou o nicho de cafés especiais ou gourmets vendidos também nas embalagens tradicionais. Pelos cálculos do diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic), Nathan Herszkowicz, no biênio 2014-2015 os investimentos em beneficiamento neste tipo da bebida devem atingir meio bilhão de reais. “Trata-se de um movimento que não víamos há muito tempo”, diz Herszkowicz.

“O segmento de cafés em cápsula ajudou a consolidar o Brasil como um produtor das variedades finas da bebida.” Hoje, existem cerca de 200 produtores certificados nessa categoria premium. Em 2000, nenhum deles se enquadrava. Um bom exemplo desse movimento é a família Pereira, da Carmo Coffees, e seu café campeão mundial. No entanto não é somente o clã Pereira que está se beneficiando deste fenômeno. O Brasil vem se tornando uma peça-chave na estratégia global da Nespresso, na busca por novas variedades de café. Atualmente, cerca de duas mil fazendas fazem parte da lista de fornecedores da empresa. A relação inclui desde os produtores de cafés convencionais, que são utilizados para compor blends, até os que apostam nos grãos especiais, voltados ao mercado de mais alto valor.

Não por acaso, o amadurecimento e a maior sofisticação da indústria cafeeira fizeram com que a Nespresso trouxesse ao País o projeto Orígens, que é a base para a produção de séries em homenagem a regiões com longa tradição no setor e detentoras de selos como o DOC (Denominação de Origem Controlada), amplamente utilizados para os vinhos. Graças ao trabalho da Nespresso nos cafezais, a produtividade média na região de Carmo de Minas, especialmente com o cultivo da variedade Bourbon Amarelo, deu um salto de 42 sacas por hectare, na média dos últimos cinco anos, para as 80 sacas por hectare previstas para a safra 2015.

O município chegou a ser incluído no programa Triple A, de produção sustentável, que ajuda na qualificação dos fazendeiros. Isso foi possível graças ao apoio de uma equipe de técnicos da Nespresso que auxiliam na implementação de práticas orgânicas de manejo. Como recompensa, eles recebem um adicional de até 40% por saca de 60 quilos, em relação aos grãos convencionais. “Nosso objetivo é premiá-los pelo esforço para produzir um café de qualidade superior”, afirma Nilsson, da Nespresso. “O sucesso da marca junto aos consumidores finais depende do que acontece no campo, na origem de cada grão.”