24/02/2023 - 5:20
De tempos em tempos uma nova moda, geralmente incitada por algum político da Europa e/ou dos Estados Unidos, passa a dominar as discussões sobre os caminhos do mundo. O neoliberalismo, por exemplo, ganha força mundial quando Margareth Thatcher no Reino Unido e Ronald Reagan nos Estados Unidos passam a levar seus respectivos mandatos nessa direção. Antes disso o keynesianismo virou a palavra da vez na Europa atravessada por duas guerras e foi endossado pelo plano Marshall do governo Henry Truman, nos Estados Unidos. Outros momentos, outros contextos, mas o mesmo discurso e agora o termo em voga é o neoestatismo. Um modelo econômico em que governos priorizam ter sob sua tutela bens e serviços de necessidade básica e interesse nacional, como energia e água, além de ter a licença poética de intervir na economia mais vezes e deixar menos livre a mão invisível do mercado. A decisão parece sábia para uma Europa que experimenta inflação alta e possibilidade real de recessão generalizada após a pandemia e uma guerra que interromperam o abastecimento de serviços básicos e travaram a economia. Mas será que faz sentido para o Brasil?
Segundo o sociólogo, escritor e professor da King’s College London, o italiano Paolo Gerbaudo, a resposta é não. “Essa história de repetir modelos que dão certo em países tão diferentes e esperar o mesmo resultado é um erro”, disse à DINHEIRO. E a lógica é exatamente essa. Não dá para querer um Natal com neve como aparecem nos filmes em um calor de 39º em Copacabana. Essa lógica parece atravessar a saga brasileira. Quando a Europa resolveu ser desenvolvimentista após a segunda Guerra Mundial, o governo militar brasileiro tratou de acompanhar a moda. Quando a bola da vez foi o neoliberalismo, o Brasil elegeu Fernando Collor de Mello como o homem que abriria o Brasil para o mundo. Fez isso, de certa forma, em especial na indústria automobilística. Mas tomou a atitude mais autocrática e estatizante que existe, a de congelar dinheiro em banco.
Para Gerbaudo, o mundo pós-pandemia mudou demais, e isso trouxe à tona novas formas de olhar as relações da direita, da esquerda e do Estado nessas situações. “As pessoas na Europa precisavam se sentir mais acolhidas. Pela direita, a proteção é contra os imigrantes e ganha espaço o rico que quer conservar seus privilégios”, disse o professor. “Já na esquerda, a proteção significa que o Estado assuma algumas responsabilidades, em especial as que garantam serviços básicos com preços acessíveis.” Há ainda uma narrativa de centro, que defende a proteção dos cidadãos contra o a chegada da economia digital, prometendo manutenção dos empregos e direitos aos trabalhadores. Todas esses pressupostos jogam no Estado um papel de protagonismo maior que no neoliberalismo.
Autor do livro The Great Recoil: Politics after Populism and Pandemic, Gerbauso diz que os países emergentes, em geral, já possuem governos com um grau de interferência na economia maior que os países desenvolvidos. Por isso a forma de entender o neoestatismo no Brasil, na China ou Índia, precisa ser diferente. “Enquanto a Alemanha estuda fundar uma estatal de energia ou comprar de volta no mercado, o Brasil discutia vender sua estatal. São momentos distintos.”
Mas há algo no pós-pandemia que parece unir superpotências, como os Estados Unidos, e emergentes, como o Brasil. Tanto o sucessor de Donald Trump quanto o de Jair Bolsonaro assumiram seus respectivos cargos usando o slogan da reconstrução. “Reconstruir só tem um sentido. Evoca sensação de responsabilidade no cidadão e uma paternidade do Estado. Não é à toa”, disse Gerbaudo.
DESCONTRUÇÃO De acordo com ele, o neoliberalismo ajudou a “desconstruir” o papel do Estado, e tanto um país ultraliberal como os Estados Unidos quanto um emergente desenvolvimentista vão usar essa narrativa. “A recente invasão dos Três Poderes no Brasil e o que aconteceu no Capitólio um ano antes é a maior expressão da capacidade de desconstrução de um neoliberalismo descontrolado.” Os EUA vão tentar frear esse movimento, ainda que em sua história não tenha havido presidente relevante que não fosse liberal. No Brasil, Lula tentará travar um projeto de poder que se fantasiava de liberal, mas, na essência, remontava aqueles mesmos militares que, nos anos 1970, endividaram o País, esconderam as notas promissórias e, na redemocratização, ainda descolaram uma anistia.