A indústria automotiva tem apresentado nos últimos anos uma característica que a diferencia dos demais setores da economia: uma forte blindagem contra os pessimistas de plantão. “Felizmente o mau humor do mercado financeiro não é uma doença contagiosa”, diz o executivo de uma grande montadora. Alheias a algumas previsões catastróficas, as montadoras aceleram os investimentos no Brasil – são R$ 75,8 bilhões em andamento no período de 2013 a 2017 – e projetam um crescimento de 0,7% na produção e de 1,1% nas vendas de veículos em 2014. Se concretizadas as previsões, o setor encerrará o ano com patamares recordes nesses dois indicadores. 

 

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O cenário positivo, no entanto, não significa que o ano já esteja ganho. Ao contrário, há muitas incertezas no horizonte que podem causar uma derrapagem e decepcionar o mercado. O primeiro semestre, em particular, não será uma moleza. Os carros populares com motor 1.0, que ainda representam 40% de todas as vendas, vão ficar mais caros nas próximas semanas por conta da alta do IPI, de 2% para 3%, e da obrigatoriedade da instalação de airbags e freios ABS nos veículos. “Com o reajuste das tabelas, a demanda naturalmente cai”, diz Milad Kalume Neto, executivo da consultoria automotiva JATO Dynamics. 

 

“A base de comparação das vendas com o primeiro semestre de 2012 é muito alta.” A expectativa dos empresários é de que a elevação dos preço seja diluída em um número maior de prestações. Para isso, no entanto, os bancos precisam soltar o freio de mão e voltar a liberar os financiamentos. “O crédito deve aumentar de 4% a 5% neste ano”, diz Luiz Moan, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). A Copa do Mundo também está no radar do setor – para o bem e para o mal. Por um lado, estimula a renovação de frota dos taxistas e de ônibus rodoviários. Por outro, provoca o fechamento de fábricas e concessionárias em dias de jogos da Seleção Brasileira. 

 

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Luiz Carlos Andrade Jr., vice-presidente da Toyota: “Quem quiser vender mais neste

ano terá de alongar as prestações”

 

Na primeira fase, o Brasil joga em três dias úteis e poderá ter outras quatro partidas se chegar à final do torneio. Embora não admitam publicamente, os empresários do setor também temem uma nova onda de protestos populares, a exemplo do que aconteceu na Copa das Confederações. “O receio é enorme, pois o clima eleitoral tende a acirrar os ânimos”, diz um executivo de uma grande montadora que pede para não ser identificado. Se reunirem milhares de pessoas, as manifestações podem atrapalhar as vendas de veículos em grandes cidades que ficam com o trânsito caótico, como aconteceu durante as mobilizações de junho de 2013.

 

Embora esteja atenta a esses obstáculos (leia quadro ao final da reportagem), a Toyota não quer perder tempo. Após um ano muito promissor, no qual as vendas cresceram 55% e sua fatia de mercado passou de 3,1% para 4,6%, a ordem é manter a velocidade em 2014. Para isso, embora as três fábricas em Indaiatuba, São Bernardo do Campo e Sorocaba já operem perto da capacidade máxima, há a possibilidade de aumentar a produção com o emprego de horas extras. “Não é um ano de horizonte limpo, mas continuamos apostando na economia”, afirma Luiz Carlos de Andrade Jr., vice-presidente-executivo da subsidiária brasileira da Toyota. 

 

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Philipp Schiemer, presidente da Mercedes-Benz no Brasil: ”A definição

do PSI com antecedência é fundamental para os negócios”

 

Para contornar a falta de crédito no mercado, a montadora aposta no Banco Toyota para financiar os estoques das concessionárias e as compras dos consumidores. “Quem quiser vender mais neste ano terá de alongar as prestações”, diz Andrade Jr. Outra aposta do setor para alavancar os negócios em 2014 é a volta do leasing de veículos, que chegou a representar 38% do volume de financiamentos, em 2008. Nos últimos anos, no entanto, os bancos praticamente suspenderam essa modalidade por questões jurídicas. A legislação não era clara acerca da responsabilidade pelas multas de trânsito – problema que foi resolvido através de um projeto de lei aprovado no Congresso Nacional. “O leasing torna o carro mais barato para o consumidor, pois os juros são menores”, diz Moan, da Anfavea.

 

CAMINHÕES Já a estrada para os caminhões está asfaltada e bem sinalizada. Após crescer 11,1% no ano passado, o setor prevê aumento de 5% no volume de vendas em 2014. Os modelos pesados, em especial, serão beneficiados por mais uma safra agrícola recorde, de 189,5 milhões de toneladas de grãos, segundo o IBGE, que divulgou a estimativa na quinta-feira 9. Além disso, as obras de infraestrutura, que serão impulsionadas pelos recentes leilões de rodovias e aeroportos, demandarão mais veículos de transporte. “A Copa do Mundo pode ajudar os segmentos de caminhões mais leves por causa da distribuição de bebidas nas cidades”, diz Luiz Carlos Moraes, vice-presidente da Anfavea. 

 

Nas fábricas da Mercedes-Benz, em São Bernardo do Campo, na região do ABC paulista, e em Juiz de Fora (MG), a produção segue em ritmo acelerado. Embora o governo tenha elevado de 4% para 6% ao ano os juros do BNDES (PSI-Finame) para o financiamento de caminhões, o cenário segue positivo. “A definição da taxa com antecedência para todo o ano nos permite previsibilidade, item fundamental para os negócios desse segmento”, diz Philipp Schiemer, presidente da Mercedes-Benz no Brasil. Ao mesmo tempo, Schiemer aposta na criação, pelo governo, de um programa nacional de renovação da frota de caminhões. A ideia, segundo a Anfavea, é conceder incentivos tributários para a substituição dos veículos e capacitar os motoristas a dirigirem caminhões mais modernos. Será um impulso fundamental para um setor que é tido como um importante termômetro da economia.

 

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