23/09/2016 - 20:00
No mesmo período em que o técnico Tite foi chamado para assumir a seleção brasileira de futebol, o executivo Wilson Ferreira Jr. foi convidado para presidir a Eletrobras. Como o ex-treinador do Corinthians, visto como a salvação para uma seleção desacreditada e que vinha de uma sucessão de vexames, Ferreira Jr. era o nome de consenso para comandar a maior e mais encrencada empresa de energia da América Latina. Para sorte do ministro de Minas e Energia, Fernando Bezerra Filho, e do presidente da República, Michel Temer, não foram necessárias muitas reuniões para convencê-lo a assumir uma empresa de R$ 173 bilhões, mas em grave crise econômica e estrutural.
“A Eletrobras é como a seleção brasileira e eu sou do tempo em que ter a oportunidade de vestir a camisa 10 era uma honra”, diz o executivo, com exclusividade à DINHEIRO. “Tenho um desafio grande pela frente, mas é isso que me move.” E bota desafio nisso. Ele encontrou uma companhia com dívida líquida de R$ 18,3 bilhões, 8,2 vezes sua geração de caixa. Mesmo no setor elétrico, que necessita de capital intensivo para investimento, essa conta não fecha. Essa relação precisa cair pela metade. Por isso, Ferreira Jr. deu início, em 26 de julho, a um ambicioso plano de reestruturação, para encolher uma estrutura inchada, conseguir vender parte dos ativos e encerrar as investigações internas que apuram desvios de recursos na estatal.
“O objetivo é criar uma empresa estável e sustentável até 2018”, diz ele. “Hoje, a companhia está numa situação delicada e precisará, além da eficiência, desmobilizar alguns ativos.” A primeira medida tomada pelo presidente foi acabar com as chamadas empresas descontroladas, como eram conhecidas as seis distribuidoras estaduais problemáticas, que passaram por um processo de federalização e foram absorvidas pela Eletrobras. Elas entraram no Programa de Parcerias e Investimentos (PPI) do governo federal e irão a leilão até o final de 2017 – a Celg, de Goiás, já tinha saído do controle da Eletrobras antes da chegada da nova direção.
Dificilmente a estatal terá um ganho com essas vendas, mas ela imediatamente deixa de ter um custo com essas distribuidoras deficitárias que atendem as regiões Norte e Nordeste do País. Até que o processo seja concluído, um fundo mensal de R$ 213 milhões ficará disponível para as finanças delas, enquanto a Eletrobras será apenas a operadora. “A decisão de não renovar as concessões de distribuição significa muito para a Eletrobras e para o mercado”, diz a especialista Joísa Dutra, professora da Fundação Getúlio Vargas. “Essas distribuidoras fazem parte de um sistema isolado e, com a crise, passaram a ter grandes perdas com fraude e roubo de energia.”
Ao contrário das especulações do mercado, Furnas, o principal negócio da Eletrobras, com valor de mercado de R$ 15 bilhões e presente em quatro regiões do País, não será vendida. Mesmo com compradores interessados, como investidores chineses, Ferreira Jr. não vai desfazer de seu principal ativo. O caminho a seguir, indica o presidente, é a negociação das participações minoritárias da estatal. Atualmente, são 178 participações diretas e indiretas em companhias do setor, como em obras das usinas de Belo Monte, Teles Pires e Jirau. Esse processo já teve início e alguns sócios foram consultados sobre o interesse em adquirir a participação total.
Um estudo mostra que a soma desses negócios da Eletrobras está avaliada em R$ 20 bilhões. O mercado calcula que seja possível negociar, com rapidez, entre R$ 5 bilhões e R$ 10 bilhões. Os detalhes serão apresentados até o final deste ano. “Esse tipo de situação já está acontecendo”, diz Ferreira Jr. “Agora tem de levar isso de uma forma estruturada ao conselho de administração para estabelecer a estratégia de desmobilização.” O conselho de administração é parte estratégica na nova Eletrobras, que tem como prioridade a governança corporativa, a privatização e a reestruturação dos seus negócios.
Nesses primeiros 50 dias de nova direção, o conselho se reuniu a cada duas semanas para acelerar os processos de decisão – a quinta reunião entre eles aconteceu na última sexta-feira. Uma das primeiras medidas foi aprovar a criação de uma nova diretoria para cuidar de governança, riscos e conformidade. A decisão é semelhante à tomada pelo ex-presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, que criou essa função na estatal de petróleo e nomeou João Elek para o cargo. Pela primeira vez na história da Eletrobras, que sempre indicava seus diretores pelo peso do padrinho político, um headhunter participou do processo de escolha de um executivo – Lucia Casasanta, que foi sócia de consultorias, como Deloitte e Arthur Andersen.
A preocupação em ter bons profissionais também fez parte do processo de seleção do conselho de administração. Todos os nomes foram escolhidos a dedo, como a secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, a economista Elena Landau e o consultor Vicente Falconi (leia reportagem aqui). Além deles, José Luiz Alquéres, que já foi conselheiro da Eletrobras, mas deixou a função em 2012 por discordar das decisões da ex-presidente Dilma Rousseff. Cada um desempenhará uma função estratégica e comandará mini-conselhos, conforme o conhecimento e a especialidade.
Quando o tema for eficiência, Falconi, que é o maior especialista, vai liderar, assim como Elena nas privatizações. “Um plano de negócios será aprovado em outubro pelo conselho”, diz Ferreira Jr. “Aí vamos fazer o que é inspirado no Falconi, que é estabelecer as metas e os responsáveis.” A influência de Falconi já teve início nessa busca de eficiência da Eletrobras. Antes de qualquer ação, a companhia precisava entender, de fato, qual era o seu papel. A estatal vivia uma crise de identidade, sem saber o que era, nem para onde queria ir.
Era preciso racionalizar o negócio. O foco passou a ser a geração e a transmissão de energia. E só. As distribuidoras foram colocadas à venda e a administração dos fundos setoriais, que movimentam aproximadamente R$ 30 bilhões, passou a ser feita, definitivamente, pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Com isso, a estatal deixa de ter aquela função de banco setorial. “O tamanho e a escala vão permitir sermos eficientes naturalmente”, diz o presidente. “Creio que teremos menos ‘distração’ com coisas que não temos capacidade, não são importantes e tomam muito tempo.”
Com uma estrutura pesada, a Eletrobras precisa reduzir o inchaço do seu quadro de funcionários. Sem as distribuidoras, essa diminuição deve se aproximar de 25% e as 23,5 mil pessoas devem cair para cerca de 17,6 mil. Mas ainda não é suficiente. Neste momento, a Eletrobras trabalha num plano de incentivo à aposentadoria para reduzir ainda mais o seu tamanho. A ideia é que até o início de novembro essa estratégia seja anunciada. O mercado calcula que entre 11 mil e 16 mil seja um tamanho adequado para a nova companhia. Porém, por ser uma estatal, a Eletrobras terá dificuldade se apostar exclusivamente num ajuste só pelo quadro de funcionários.
Uma das poucas que ainda tem ativos imobiliários, a empresa tentará reduzir suas ineficiências geradas pelas operações descentralizadas. No Rio de Janeiro, por exemplo, a estatal está espalhada em seis prédios, quando poderia se concentrar em dois. Tão urgente quanto o agrupamento da empresa é resolver a pendência com a Bolsa de Nova York, com prazo que expira em 11 de outubro. Por conta de perdas bilionárias causadas pela corrupção, a Eletrobras não consegue arquivar o Formulário 20F, equivalente ao balanço financeiro de 2014 e 2015, e corre o risco de ter suas ações deslistadas nos Estados Unidos.
A legislação americana, ao contrário da brasileira, não aceita registro de documentos assinados com ressalvas pelas auditorias, principalmente quando há suspeitas de corrupção e investigação em curso. Desde junho de 2015, o escritório americano de direito internacional Hogan Lovells investiga os desvios na companhia e garimpa os problemas nas centenas de empresas que fazem parte do grupo. Só no ano passado, quando a investigação teve início, as denúncias internas de atos ilícitos aumentaram 10 vezes.
Um conselho independente de gestão da investigação, coordenado pela ex-ministra do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie, e pelo ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários, Durval Soledade Santos, cuida para que os resultados sejam alcançados e a KPMG, auditoria responsável pelo balanço, tenha segurança em assinar os documentos, sem ressalvas. No balanço do segundo trimestre deste ano, a Eletrobras destacou que o prejuízo na Usina Nuclear de Angra 3 chega a R$ 8,5 bilhões. Essa perda é referente tanto ao atraso nas obras quanto às penalidades ligadas aos processos de discussão das operações da Polícia Federal derivadas da Lava Jato. “Não posso adiantar, até porque não tenho todo o resultado das investigações”, diz Ferreira Jr. “Mas estou otimista que vamos conseguir.”
Nos seus primeiros dias à frente da estatal, Ferreira Jr. colocou à prova sua característica de hábil negociador. Ele precisou enfrentar um problema que parecia incontornável a curto prazo. Desde o início do ano, a estatal está em conflito com seus sócios na usina de Belo Monte. A Vale, os fundos de pensão Petros e Funcef e as empresas de energia Cemig e Neoenergia deram início a um processo de arbitragem contra a Eletrobras. O imbróglio envolve a compra do excedente de energia da hidrelétrica, que foi fixada em contrato num valor muito acima do que tem sido negociado em mercado.
Pelo documento, a estatal tem prioridade nessa aquisição, mas os sócios entendem que ela tem obrigação. O conflito gerou o rompimento da relação entre eles e a questão foi parar numa corte de árbitros. O impasse travou a liberação de uma parcela de R$ 2 bilhões de um empréstimo do BNDES, o que exigiu uma capitalização no empreendimento. Para piorar, a Chesf, uma das subsidiárias da Eletrobras sócia em Belo Monte, ficou inadimplente e azedou ainda mais essa relação. “A arbitragem é um instrumento que acaba diagnosticando uma relação não adequada entre os sócios de um projeto muito grande e que deveria ser tratada em negociação, com razoabilidade”, diz Ferreira Jr.
“Não quero culpar o passado, mas não tenho dúvida que a solução disso é negociada entre os sócios.” Nesse período, o novo presidente levantou a bandeira branca e deu início ao processo de reestabelecer as relações. Com Solange Ribeiro, presidente da Neoenergia, foram aproximadamente três encontros. Já com Mauro Borges, presidente da Cemig, foi um longo almoço. Os demais sócios também foram contatados para mostrar a mudança de postura na estatal. E, desde a terça-feira 21, a dívida de cerca de R$ 200 milhões do grupo Eletrobras com seus sócios em Belo Monte foi quitada.
Com o fim da pendência e a reabertura das negociações para resolver a compra da energia excedente, nas próximas semanas a expectativa é que o BNDES libere a parcela do empréstimo que está em aberto e que a arbitragem seja encerrada. “A capacidade de negociação é um ponto forte do Wilson, que sempre demonstrou racionalidade nos encontros com a agência e o mercado”, diz um ex-presidente da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que pediu para não ser identificado. “Ele sempre trabalha em busca do consenso.”
A satisfação com o novo ocupante da principal cadeira do 13º andar de um antigo edifício na avenida presidente Vargas, próximo à igreja da Candelária, no Rio de Janeiro, pode ser medida pelo comportamento das ações da empresa na Bovespa, que acumula valorização desde 26 de julho. O valor de mercado praticamente dobrou, de R$ 18,6 bilhões para R$ 32,5 bilhões, no mesmo período. DINHEIRO conversou com três analistas que acompanham a estatal e ouviu que a principal mudança é a transparência da nova direção, que revisou os dados da empresa e não esconde temas delicados.
A receita bruta da companhia, por exemplo, foi de R$ 43,1 bilhões no primeiro semestre deste ano, já com os ajustes promovidos por Ferreira Jr. no balanço, o que dá uma expansão de 150% nos R$ 13,3 bilhões do mesmo período do ano passado. Em quase dois meses, foram quatro encontros entre os analistas de mercado e os principais executivos da companhia, um a mais do que o realizado em 2015. O otimismo do novo presidente com as resoluções dos problemas da Eletrobras se estende para a economia.
Ele torce para que o PIB volte a crescer no próximo ano para provar que não há risco de desabastecimento de energia. No que depender da Eletrobras, todos os esforços serão para acelerar as obras que vão facilitar escoar a energia das geradoras para os grandes centros. “Mesmo se o Brasil crescer muito em 2017 e 2018, o risco de apagão é nenhum”, diz Ferreira Jr., que em menos de dois meses deu uma nova perspectiva para a estatal e tem conseguido fazer o que os seus antecessores não conseguiram: mostrar que há luz no fim do túnel.
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