19/07/2013 - 21:00
Na manhã de 4 de julho deste ano, o empresário Massimo Giavina-Bianchi, fundador e CEO da paulista TTrans, que fatura R$ 100 milhões por ano com a fabricação de sistemas de bilhetagem e com a reforma de vagões ferroviários, estava na Europa quando foi surpreendido por uma ligação de sua secretária. No telefonema, ela informava-o que um grupo composto por oficiais de Justiça, técnicos do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), agentes e delegados da Polícia Federal tinha um mandado de busca e apreensão contra sua empresa. A mesma ação se repetia, naquele momento, em endereços diferentes, nas cidades de Hortolândia, no interior de São Paulo, de Diadema, no ABC paulista, e no Distrito Federal.
Obras do metrô, em São Paulo. Esquema que pode envolver 13 empresas
teria fraudado licitações e movimentado bilhões de reais
Naquele dia, a exemplo do que ocorreu na TTrans, os agentes públicos bateram à porta de 13 empresas na ação batizada de Operação Linha Cruzada, cujo objetivo era recolher provas da participação dessas companhias em um bilionário esquema destinado a fraudar licitações da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e dos metrôs de São Paulo e de Brasília. A ação foi desencadeada a partir da decisão da direção da Siemens de delatar a existência de um cartel, do qual ela fazia parte, que combinava os vencedores das licitações, influindo assim no preço cobrado dos órgãos públicos.
Além da empresa alemã, participariam do esquema fraudulento gigantes internacionais da área de transportes e infraestrutura, como a francesa Alstom, a canadense Bombardier, as espanholas CAF e Temoinsa, a sueco-suíça ABB e a japonesa Mitsui. A investigação inclui, ainda, além da TTrans, de Giavina-Bianchi, empresas de menor porte como a Tejofran, a MGE, a TCBR Tecnologia, a Iesa e a Serveng-Civilsan. Procuradas pela DINHEIRO, a Alstom, a Serveng-Civilsan e a Bombardier disseram, por meio de nota, estarem colaborando com as investigações. A direção da ABB não quis comentar. Por sua vez, dirigentes da CAF, da Mitsui, da Tejofran, da MGE, da TCBR, da Temoinsa e da Iesa não foram localizados.
O dono da TTrans negou o envolvimento. “Jamais cometemos quaisquer irregularidades”, diz Giavina-Bianchi. O presidente da subsidiária brasileira da Siemens, Paulo Ricardo Stark, não quis conceder entrevista. Por meio de nota, a companhia reiterou a disposição de colocar em prática os princípios de compliance adotados a partir de 2007, como resposta a escândalos que mancharam sua imagem em escala mundial. O medo de uma penalização multimilionária e de ver sua reputação ainda mais abalada teria motivado o comando da Siemens a colaborar com as autoridades. Ao entregar o esquema em detalhes, incluindo cópias de e-mails trocados entre os executivos envolvidos, a multinacional alemã e seus dirigentes optaram por uma estratégia de redução de danos.
Stark, da Siemens: empresa denunciou cartel do metrô para evitar
multa milionária e dano maior à imagem
Desde o início de 2012, a Siemens vem rondando o Ministério da Justiça. Nesse período, seus advogados negociaram exaustivamente como seria a delação. O objetivo era assegurar salvaguardas, no espírito da nova regulamentação do Cade que prevê a figura do “marker”. Trata-se de um jargão técnico que prevê um tratamento privilegiado à empresa por ter sido a primeira a denunciar o caso. “Quem colabora, teoricamente, pode garantir penas menores ou até mesmo a absolvição, dependendo da natureza do processo”, diz Ademir Pereira Jr., sócio do escritório de advocacia José Del Chiaro, de São Paulo, e especializado em direito da concorrência e contencioso empresarial.
A atitude pró-ativa da Siemens é uma decorrência de um escândalo que abalou suas estruturas na segunda metade da década passada. Em 2007, os principais integrantes de seu conselho de administração foram demitidos, bem como o CEO Klaus Kleinfeld, envolvidos em denúncias de pagamento de propinas em diversos países, estimado em € 400 milhões. O processo também custou à Siemens multas de US$ 1,6 bilhão na Europa e nos Estados Unidos. A punição fez com que o novo CEO, Peter Löscher, intensificasse os mecanismos de controle. O pente-fino, ao qual foram submetidos todos os contratos e cada um dos dirigentes, resultou na descoberta de um desvio de € 7 milhões que teria sido praticado pelo antecessor de Stark, Adilson Primo, demitido por justa causa no fim de 2011.
Para ganhar benefícios com a deleção, a Siemens precisava ajudar a produzir provas e “assessorar” o órgão regulador durante todas as etapas. Por conta disso, a multinacional alemã “colocou pressão” para que fosse deflagrada a busca e apreensão de documentos. Além da Siemens, a francesa Alstom entrou no radar do Cade por ter sido uma das mais ativas empresas do setor de transporte de passageiros no Brasil, desde a década de 1990. Nos últimos dez anos, ela esteve sob o escrutínio do Poder Judiciário. Tanto do Ministério Público de São Paulo quanto da Europa, especialmente na Suíça, onde foi acusada formalmente de pagar propinas para vencer contratos no Brasil, na Venezuela, em Cingapura e na Indonésia.
As investigações do Cade têm como fio condutor a construção da primeira etapa da linha 5 (Lilás) do metrô de São Paulo, ligando os bairros de Capão Redondo a Santo Amaro. Os contratos foram assinados em meados da década de 1990 e marcaram a retomada das obras do metrô pelo governo de São Paulo, comandado à época por Mario Covas, do PSDB. Desde então, a Siemens e a Alstom estiveram no centro de algumas das grandes obras de infraestrutura de transportes do País. A lista inclui contratos de manutenção do metrô do Distrito Federal, a reforma e a modernização dos trens da CPTM e a extensão da linha 2 do metrô de São Paulo. As investigações do Cade também são acompanhadas com atenção pelas concorrentes.
Primeira parada: projeto da linha 5 (lilás) do metrô de São Paulo teria iniciado
o esquema capitaneado pela alemã Siemens
Quem for condenado poderá ficar pelo menos cinco anos proibido de atuar em licitações públicas no País. Trata-se de uma chance para a entrada de novatas ou para o fortalecimento de outras, como a canadense Bombardier, que também está sob investigação. “A Bombardier nunca foi condenada no mundo por atividades anticoncorrenciais”, afirma Luis Ramos, diretor de relações institucionais da companhia canadense. Além de ajudar a lançar luzes sobre as entranhas do sistema de concorrência de obras de infraestrutura, a investigação reafirma a postura mais dura do Cade em relação a práticas danosas à livre concorrência.
“Com a diminuição do número de atos de concentração, o conselho consegue aos poucos se dedicar a condutas anticompetitivas, sua função repressiva”, afirma Vinicius Marques de Carvalho, presidente do Cade. “Isso é bom para o País e para a defesa da concorrência.” O caso atual está sob a responsabilidade de Carlos Ragazzo. Chefe da Superintendência-Geral do Cade, ele é respeitado por seus pares e tido como um servidor linha-dura. A fama surgiu no período em que Ragazzo comandou a Secretaria Especial de Acompanhamento Econômico (Seae), ligada ao Ministério da Fazenda. “Trata-se de um profissional rigoroso e bastante qualificado”, diz o advogado paulistano Pereira Jr.
A ação do órgão regulador não tem data para ser concluída. Mas, no que depender de Carvalho, não deve se arrastar demasiadamente. Essa tem sido sua orientação para o colegiado, baseado no fato de que a lentidão gera uma sensação de impunidade que é ruim para a imagem do órgão regulador, em particular, e para o País, no geral. “Temos tentado ganhar eficiência e reduzir os prazos de julgamento”, diz Carvalho. A prática mostra que o objetivo vem sendo alcançado. No ano passado, o conselho assinou dez acordos de leniência. Um sinal de que as empresas, com medo de serem pegas em flagrante, preferem dar o primeiro passo e garantir uma situação mais favorável, como está fazendo espertamente a Siemens.