O Presidente Itamar Franco gostava de dizer que o embaixador Rubens Ricupero foi o sacerdote do Plano Real. Sua breve passagem pelo ministério da Fazenda, em 1994, não o impediu de cumprir a missão que lhe foi incumbida: convencer a população e até setores do governo que resistiam a colocar em prática a ideia de que o Plano Real era eficaz. A habilidade de comunicação, adquirida nos tempos em que foi diplomata do Itamaraty, ajudou-o a fazer a opinião pública acreditar que daquela vez, ao contrário do que ocorrera com o Cruzado e com o Plano Collor, daria certo. O êxito do Real, segundo Ricupero, deve-se à decisão da equipe econômica do governo de não agir na calada da noite e não pegar a população no susto, como as fracassadas experiências anteriores. “A adesão psicológica da população foi algo muito importante”, diz o ex-ministro, em entrevista à DINHEIRO. 

 

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Qual foi o seu papel na elaboração do Plano Real?

No meu período, no Ministério da Fazenda, as principais realizações foram a preparação e o lançamento da moeda. Algo importante foi a fixação da data do lançamento do Plano. Quando assumi o Ministério, havia muita divisão na equipe sobre a data ideal. Alguns queriam esperar mais um tempo, porque achavam que o País não estava preparado do ponto de vista orçamentário. Fixei junto com o Itamar a data de 1º de julho de 1994.

 

Por que havia divisão no governo?

As pessoas tinham medo. Havia um grupo que tinha vindo do Plano Cruzado, que achava que faltavam muitas condições básicas, sobretudo de equilíbrio financeiro. Mas, naquele instante, nós tínhamos de levar em conta que o prazo estava apertado, pois haveria eleições em seguida. As condições políticas existiam só naquele momento. 

 

Qual era o seu papel no governo naquele momento? 

Meu papel era de intermediário entre o presidente Itamar e a equipe econômica. O Itamar precisava da equipe e a equipe, do Itamar. Mas eles não tinham muita afi nidade. O Itamar tinha tendências mais nacionalistas, comunistas. E a equipe achava que o plano poderia se perder, que isso era uma tendência populista. O meu papel foi o de impedir que eles se chocassem.

 

Como foi feita a comunicação com a população?

A adesão psicológica da população foi algo muito importante. Essa foi a tarefa a que me dediquei mais: melhorar a comunicação do plano junto à opinião pública. Os aspectos técnicos ficaram com a própria equipe que concebeu o Real. 

 

O presidente Fernando Henrique Cardoso também considera que a comunicação foi importante. Como os srs. fizeram isso?

Boa parte do êxito da nova moeda se deveu à participação popular conquistada com o esforço de comunicação. Como nós não podíamos contratar uma agência de propaganda, por falta de recursos, tive de fazer a divulgação de maneira quase amadora. Mostramos como eram as moedas, qual seria o valor da conversão e em quanto tempo isso poderia ser feito. Em outro programa, pedi que a população não comprasse em prestações muito longas. Sempre simplifiquei a linguagem porque meu grande esforço na época era fazer com que as pessoas entendessem o Plano.

 

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E qual foi a reação da população?

Na época, tive uma resposta gigantesca. Eram milhares de cartas e telefonemas da população. A adesão foi muito grande. Algo que esse episódio nos ensinou é que o fator fundamental num plano não é que seja só bem elaborado tecnicamente. Ele tem de ter uma adesão consciente, madura e majoritária da população.

 

Houve quem não acreditasse no Plano?

Sim, houve os que tentaram sabotar, como o PT. A Central Única dos Trabalhadores (CUT), três dias antes do lançamento, foi me procurar dizendo que iam fazer campanha de rua contra a moeda. Tinha até o slogan “Parece real, mas é um pesadelo”. Eu disse a eles que iam ficar falando sozinhos, porque a população queria estabilidade e eles estavam ignorando que os trabalhadores são os que mais perdem. Depois de alguns dias, tiveram de abandonar a ideia. Hoje eles apoiam e a população também. Não há mais governo no Brasil que ouse permitir a volta da inflação. 

 

Como o Plano Real se diferenciou dos planos anteriores, que não haviam dado certo?

Todos os planos foram à base de tentativas e erros. Até que se chegou à fórmula correta. A primeira grande diferenciação do Real é que não houve choque. Antes, havia um pacote, que do dia para a noite era colocado em prática. O Real foi o contrário: tudo foi anunciado com antecedência e bem explicado. Outro fator muito importante foi a ausência de controle de preço. Não dá certo controlar preços, fazer tabelamento. 

 

O presidente Itamar afirmou que o sr. era o sacerdote do Plano Real. O que ele quis dizer com isso?

Ele quis dizer que eu fazia aquela pregação pública do que era o Plano Real. Acho que é correto nesse sentido. Não quer dizer que eu tenha sido, nem de longe, a pessoa mais importante. Mas tive essa missão da comunicação com o público. 

 

O Plano Real teve algum defeito?

Do ponto de vista técnico, nós sabíamos que o ideal seria que o Brasil tivesse uma situação muito mais sólida, com um orçamento mais equilibrado e superávit fiscal. O Fundo Monetário Internacional e o Departamento do Tesouro dos EUA também acharam que o Plano Real ia fracassar. Nós sabíamos disso, mas na vida política, em certas ocasiões, você não pode esperar pelo momento ideal, tem de agir de acordo com as circunstâncias. Em termos ideais, o Plano deveria ter preenchido previamente uma série de condições. Mas, se fosse esperar por isso, provavelmente nunca aconteceria. 

 

E para os próximos 20 anos, o que o sr. acha que precisa ser aperfeiçoado?

Acho que a situação fiscal e orçamentária no Brasil está complicada. Na minha opinião, tem havido um retrocesso na Lei de Responsa-bilidade Fiscal. Os gastos do governo têm crescido muito. A inflação tem ficado num patamar muito elevado. E piorou a qualidade do tripé econômico desde o segundo mandato do Lula até agora. A meu ver, se isso não for corrigido, a médio e longo prazo o Brasil vai estar condenado a uma situação de crescimento baixo, com inflação alta.