A pequena Yasmim Padilha dos Santos, 5 anos, que sorri na foto ao lado, é uma das 25 mil crianças e adolescentes com câncer apoiadas pelo Instituto Ronald McDonald no Brasil atualmente. A principal organização não governamental dedicada à assistência de famílias, profissionais e hospitais envolvidos no tratamento da doença — hoje a enfermidade que mais mata jovens de 1 a 19 anos, segundo o Instituto Nacional do Câncer — já contribuiu com a luta de mais de 3 milhões de pessoas em todo o mundo. Por aqui, dentro de hospitais atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Instituto ajudou a elevar o índice de cura de 35%, em 1999, para os atuais 64%. Parte disso graças à doação de equipamentos de última geração, importação de novos medicamentos e apoio à qualificação de médicos para o atendimento de crianças, segundo a diretora-executiva, Bianca Provedel.

DINHEIRO – Qual a relação do Instituto com a rede de restaurantes?
BIANCA PROVEDEL – O McDonald’s é nosso parceiro e fundador, mas não é nosso mantenedor. Somos uma ONG, sem fins lucrativos, hoje 100% mantida pela doação de empresas e pessoas físicas. Boa parte do dinheiro ainda vem de 70% da venda de um dia do McDia Feliz, que neste ano rendeu R$ 19,9 milhões para o Instituto. Mas temos outras 73 empresas doadoras e pessoas físicas.

Por que o Instituto apoia apenas o combate ao câncer infantil?
Não temos planos de ampliar, por enquanto. Ainda existe um vácuo muito grande na oncologia pediátrica. É a doença que mais mata na faixa etária de 1 a 19 anos. Temos muito trabalho ainda. Só no Brasil, segundo a OMS, surgem 8.460 novos casos de câncer em crianças e adolescentes por ano, em média. No mundo, são cerca de 400 mil anualmente.

A pandemia e a crise econômica impactaram de alguma forma?
Sim, de várias formas. Primeiro porque, por causa do isolamento social, muitas famílias acabaram não buscando diagnósticos preventivos. Com isso, os atendimentos caíram e os óbitos subiram. Como a demanda foi reprimida, hoje há uma sobrecarga no sistema. Na parte econômica, com a crise, algumas empresas deixaram de doar. Foram poucas. Umas quatro ou cinco. Mas isso gerou uma queda nos recursos do Instituto. Terceiro, algumas empresas que mantiveram as doações reduziram os valores.

“Boa parte do dinheiro ainda vem de 70% da venda de um dia do McDia Feliz, que neste ano rendeu R$ 19,9 milhões para o Instituto. Mas temos outras 73 empresas doadoras e pessoas físicas” (Crédito:Istock)

O que isso representou para o Instituto?
Em cifras, devemos fechar 2022 com cerca de R$ 27 milhões em doações. Está melhor do que o pico de baixa na pandemia, em 2020, quando tivemos queda de 43% e menos de R$ 19 milhões em recursos, mas ainda muito abaixo do melhor ano, que foi em 2017, quando tivemos mais de R$ 43 milhões em doações.

Isso pode gerar um aumento nos casos?
Em crianças, o câncer é pior do que em adultos. Como a multiplicação celular é mais rápida, é considerada uma doença aguda. Em adultos, doença crônica. Então, qualquer atraso de dois ou três meses no diagnóstico pode definir o sucesso do tratamento. Por isso, é preciso investir em qualificação de médicos e em equipamentos de ponta para aumentar o índice de diagnósticos precoces. Temos ajudado a reduzir a mortalidade. Em 2009, quando começamos, o índice de cura era de 35%. Hoje passa de 64%. Um estudo do Instituto Nacional do Câncer, o Inca, ligado ao Ministério da Saúde, constatou que, em 2019, três em cada dez crianças examinadas foram diagnosticadas com câncer. É um percentual alto.

Com um índice tão alto, não deveria existir mais atenção e investimento do SUS?
Olha, pode até haver falta de recurso em alguma região, eventualmente, mas de forma geral o problema não é falta de recursos. Quando analisamos o câncer pediátrico, vemos que não falta só dinheiro para a saúde. O que falta é organização e planejamento. Faltam profissionais qualificados. Um médico oncologista não pode tratar câncer em criança como trata em adultos. Tem que haver conhecimento específico para lidar. Quanto menos idade, mais rápido deve ser o atendimento e o diagnóstico. Então, é muito mais uma questão de priorização e organização do que necessariamente de investimento.

Essa falta de organização atrapalha o País de avançar nos índices de cura?
Quando a gente compara o Brasil com países de condições sociais ruins, como a Índia, nosso índice de 64% é bom. Mas se compararmos com os mais ricos, temos de melhorar nossa estrutura de atendimento. Já avançamos muito, mas o objetivo é alcançar índices de 80% a 85%, semelhante ao de nações desenvolvidas.

O Instituto tem levado esse conhecimento de gestão para o sistema público?
Sim. E por isso todos os projetos que apoiamos são ligados ao SUS. Os hospitais que atuamos ou são 100% públicos ou atendem SUS e planos de saúde. O instituto acredita que para haver um atendimento de qualidade deve existir união de esforços e mais capacitação dos profissionais da saúde, principalmente da atenção básica no sistema público, para que eles possam saber como agir.

O know-how é de fora?
Fizemos uma tropicalização da estrutura do Instituto no Brasil, ajustada às características do País. Mas o Instituto Ronald McDonald faz parte do sistema beneficente global Ronald McDonald House Charities, presente em mais de 60 países, o que nos permite constante troca de experiência e aprendizado, como uma comunidade colaborativa. No mundo, 90% dos principais hospitais infantis têm pelo menos um programa nosso. São 379 Casas Ronald McDonald, 266 Espaços da Família Ronald McDonald e mais de 1,4 milhão de hospedagens.

O que o Instituto pretende com a frente parlamentar de combate ao câncer?
O Instituto é uma das organizações que fazem parte da Frente Parlamentar da Prevenção e Combate ao Câncer Infantil, que é uma entidade civil, de interesse público, sem fins lucrativos e de âmbito nacional, cujo objetivo é aumentar os índices de cura do câncer infanto-juvenil no Brasil. É uma iniciativa criada pelo deputado federal Bibo Nunes em articulação com diversas instituições com representatividade na causa, entre elas a Confederação Nacional das Instituições de Apoio e Assistência à Criança e ao Adolescente com Câncer, o Instituto Ronald McDonald, o Instituto do Câncer Infantil e a Sociedade Brasileira de Pediatria. A frente foi lançada oficialmente no Congresso Nacional em maio de 2019 e marcou o início de uma campanha de mobilização que culminou na aprovação da lei 14.308 em 2022.

“Quanto menos idade, mais rápido deve ser o atendimento e o diagnóstico. Então, é muito mais uma questão de priorização e organização do que necessariamente de investimento” (Crédito:Divulgação)

Precisa de lei para combater o câncer?
Foi uma iniciativa que começou conosco e que prevê, por exemplo, ajustes e melhorias no serviço de atendimento. A lei obriga o sistema privado e público a cobrir exames que antes não eram pagos pelo SUS. É uma lei que incentiva estratégias de diagnóstico, capacitação e referenciamento. Então, isso deixou de ser uma iniciativa só do Instituto para ser uma política pública, algo que está previsto em lei. Muitos exames e medicamentos que não eram oferecidos pelo SUS agora são. Quem ganha é o paciente.

A judicialização da saúde não é prejudicial para a própria saúde do sistema?
A judicialização não é o melhor cenário, mas às vezes é necessária. Há questões econômicas, mas a saúde não pode esperar. Como comentei, dois meses de atraso no tratamento de câncer pode ser muito prejudicial. A judicialização da saúde é sinal da falta de eficiência do sistema.

Para melhorar o atendimento, seriam necessários mais hospitais?
Temos que ter hospitais oncológicos em polos convergentes. Não dá para ter hospital oncológico pediátrico em todos os lugares do Brasil. Não se justifica. É muito caro. Então, é mais fácil trazer a criança para os principais centros urbanos.

As empresas têm ajudado nessa jornada?
Muito. Temos ajudado também muitas empresas a aprimorar suas práticas de ESG e, ao mesmo tempo, temos percebido um grande engajamento nos esforços de combate à doença. Além do McDonald’s, temos apoio de muitas grandes empresas, como Coca-Cola, Icatu, Marfrig e BRF. E temos doação de pessoas físicas também.

Por que há carência de mão de obra qualificada em oncologia pediátrica?
Porque existe um estereótipo de que todo câncer mata, de que é uma doença triste, de que é uma doença difícil. Há um tabu. A gente precisa desmistificar isso e incentivar mais médicos e profissionais de saúde a se especializar nessa área. Temos que desmistificar que criança com câncer está fadada a morrer. Não é bem assim. Hoje, a maioria vence. Temos muito orgulho dos nossos guerreiros carequinhas.