14/10/2022 - 1:10
A pequena Yasmim Padilha dos Santos, 5 anos, que sorri na foto ao lado, é uma das 25 mil crianças e adolescentes com câncer apoiadas pelo Instituto Ronald McDonald no Brasil atualmente. A principal organização não governamental dedicada à assistência de famílias, profissionais e hospitais envolvidos no tratamento da doença — hoje a enfermidade que mais mata jovens de 1 a 19 anos, segundo o Instituto Nacional do Câncer — já contribuiu com a luta de mais de 3 milhões de pessoas em todo o mundo. Por aqui, dentro de hospitais atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Instituto ajudou a elevar o índice de cura de 35%, em 1999, para os atuais 64%. Parte disso graças à doação de equipamentos de última geração, importação de novos medicamentos e apoio à qualificação de médicos para o atendimento de crianças, segundo a diretora-executiva, Bianca Provedel.
DINHEIRO – Qual a relação do Instituto com a rede de restaurantes?
BIANCA PROVEDEL – O McDonald’s é nosso parceiro e fundador, mas não é nosso mantenedor. Somos uma ONG, sem fins lucrativos, hoje 100% mantida pela doação de empresas e pessoas físicas. Boa parte do dinheiro ainda vem de 70% da venda de um dia do McDia Feliz, que neste ano rendeu R$ 19,9 milhões para o Instituto. Mas temos outras 73 empresas doadoras e pessoas físicas.
Por que o Instituto apoia apenas o combate ao câncer infantil?
Não temos planos de ampliar, por enquanto. Ainda existe um vácuo muito grande na oncologia pediátrica. É a doença que mais mata na faixa etária de 1 a 19 anos. Temos muito trabalho ainda. Só no Brasil, segundo a OMS, surgem 8.460 novos casos de câncer em crianças e adolescentes por ano, em média. No mundo, são cerca de 400 mil anualmente.
A pandemia e a crise econômica impactaram de alguma forma?
Sim, de várias formas. Primeiro porque, por causa do isolamento social, muitas famílias acabaram não buscando diagnósticos preventivos. Com isso, os atendimentos caíram e os óbitos subiram. Como a demanda foi reprimida, hoje há uma sobrecarga no sistema. Na parte econômica, com a crise, algumas empresas deixaram de doar. Foram poucas. Umas quatro ou cinco. Mas isso gerou uma queda nos recursos do Instituto. Terceiro, algumas empresas que mantiveram as doações reduziram os valores.

O que isso representou para o Instituto?
Em cifras, devemos fechar 2022 com cerca de R$ 27 milhões em doações. Está melhor do que o pico de baixa na pandemia, em 2020, quando tivemos queda de 43% e menos de R$ 19 milhões em recursos, mas ainda muito abaixo do melhor ano, que foi em 2017, quando tivemos mais de R$ 43 milhões em doações.
Isso pode gerar um aumento nos casos?
Em crianças, o câncer é pior do que em adultos. Como a multiplicação celular é mais rápida, é considerada uma doença aguda. Em adultos, doença crônica. Então, qualquer atraso de dois ou três meses no diagnóstico pode definir o sucesso do tratamento. Por isso, é preciso investir em qualificação de médicos e em equipamentos de ponta para aumentar o índice de diagnósticos precoces. Temos ajudado a reduzir a mortalidade. Em 2009, quando começamos, o índice de cura era de 35%. Hoje passa de 64%. Um estudo do Instituto Nacional do Câncer, o Inca, ligado ao Ministério da Saúde, constatou que, em 2019, três em cada dez crianças examinadas foram diagnosticadas com câncer. É um percentual alto.
Com um índice tão alto, não deveria existir mais atenção e investimento do SUS?
Olha, pode até haver falta de recurso em alguma região, eventualmente, mas de forma geral o problema não é falta de recursos. Quando analisamos o câncer pediátrico, vemos que não falta só dinheiro para a saúde. O que falta é organização e planejamento. Faltam profissionais qualificados. Um médico oncologista não pode tratar câncer em criança como trata em adultos. Tem que haver conhecimento específico para lidar. Quanto menos idade, mais rápido deve ser o atendimento e o diagnóstico. Então, é muito mais uma questão de priorização e organização do que necessariamente de investimento.
Essa falta de organização atrapalha o País de avançar nos índices de cura?
Quando a gente compara o Brasil com países de condições sociais ruins, como a Índia, nosso índice de 64% é bom. Mas se compararmos com os mais ricos, temos de melhorar nossa estrutura de atendimento. Já avançamos muito, mas o objetivo é alcançar índices de 80% a 85%, semelhante ao de nações desenvolvidas.
O Instituto tem levado esse conhecimento de gestão para o sistema público?
Sim. E por isso todos os projetos que apoiamos são ligados ao SUS. Os hospitais que atuamos ou são 100% públicos ou atendem SUS e planos de saúde. O instituto acredita que para haver um atendimento de qualidade deve existir união de esforços e mais capacitação dos profissionais da saúde, principalmente da atenção básica no sistema público, para que eles possam saber como agir.
O know-how é de fora?
Fizemos uma tropicalização da estrutura do Instituto no Brasil, ajustada às características do País. Mas o Instituto Ronald McDonald faz parte do sistema beneficente global Ronald McDonald House Charities, presente em mais de 60 países, o que nos permite constante troca de experiência e aprendizado, como uma comunidade colaborativa. No mundo, 90% dos principais hospitais infantis têm pelo menos um programa nosso. São 379 Casas Ronald McDonald, 266 Espaços da Família Ronald McDonald e mais de 1,4 milhão de hospedagens.
O que o Instituto pretende com a frente parlamentar de combate ao câncer?
O Instituto é uma das organizações que fazem parte da Frente Parlamentar da Prevenção e Combate ao Câncer Infantil, que é uma entidade civil, de interesse público, sem fins lucrativos e de âmbito nacional, cujo objetivo é aumentar os índices de cura do câncer infanto-juvenil no Brasil. É uma iniciativa criada pelo deputado federal Bibo Nunes em articulação com diversas instituições com representatividade na causa, entre elas a Confederação Nacional das Instituições de Apoio e Assistência à Criança e ao Adolescente com Câncer, o Instituto Ronald McDonald, o Instituto do Câncer Infantil e a Sociedade Brasileira de Pediatria. A frente foi lançada oficialmente no Congresso Nacional em maio de 2019 e marcou o início de uma campanha de mobilização que culminou na aprovação da lei 14.308 em 2022.

Precisa de lei para combater o câncer?
Foi uma iniciativa que começou conosco e que prevê, por exemplo, ajustes e melhorias no serviço de atendimento. A lei obriga o sistema privado e público a cobrir exames que antes não eram pagos pelo SUS. É uma lei que incentiva estratégias de diagnóstico, capacitação e referenciamento. Então, isso deixou de ser uma iniciativa só do Instituto para ser uma política pública, algo que está previsto em lei. Muitos exames e medicamentos que não eram oferecidos pelo SUS agora são. Quem ganha é o paciente.
A judicialização da saúde não é prejudicial para a própria saúde do sistema?
A judicialização não é o melhor cenário, mas às vezes é necessária. Há questões econômicas, mas a saúde não pode esperar. Como comentei, dois meses de atraso no tratamento de câncer pode ser muito prejudicial. A judicialização da saúde é sinal da falta de eficiência do sistema.
Para melhorar o atendimento, seriam necessários mais hospitais?
Temos que ter hospitais oncológicos em polos convergentes. Não dá para ter hospital oncológico pediátrico em todos os lugares do Brasil. Não se justifica. É muito caro. Então, é mais fácil trazer a criança para os principais centros urbanos.
As empresas têm ajudado nessa jornada?
Muito. Temos ajudado também muitas empresas a aprimorar suas práticas de ESG e, ao mesmo tempo, temos percebido um grande engajamento nos esforços de combate à doença. Além do McDonald’s, temos apoio de muitas grandes empresas, como Coca-Cola, Icatu, Marfrig e BRF. E temos doação de pessoas físicas também.
Por que há carência de mão de obra qualificada em oncologia pediátrica?
Porque existe um estereótipo de que todo câncer mata, de que é uma doença triste, de que é uma doença difícil. Há um tabu. A gente precisa desmistificar isso e incentivar mais médicos e profissionais de saúde a se especializar nessa área. Temos que desmistificar que criança com câncer está fadada a morrer. Não é bem assim. Hoje, a maioria vence. Temos muito orgulho dos nossos guerreiros carequinhas.