29/08/2014 - 20:00
O fato de o brasileiro gostar de celular não é notícia. Em junho, segundo dados da Anatel, agência federal que regulamenta o setor de telecomunicações, havia 275,7 milhões de acessos móveis ativos, incluindo nessa conta os 15,8 milhões de terminais de dados. Mais de uma conexão, em média, para cada brasileiro, homens, mulheres e crianças incluídas. A novidade, porém, é que esses milhões de terminais estão se tornando um pilar fundamental no sistema financeiro.
Os chamados pagamentos móveis, que foram regulamentados pelo Banco Central em novembro do ano passado e começaram timidamente, como um luxo de iniciados, agora avançam firmemente para se transformar em um recurso popular. A comparação de dois números mostra bem isso. No primeiro semestre, o total de acessos móveis ativos, sem contar os terminais de dados, cresceu modestos 3,5% em relação ao mesmo período de 2013. Ao se perguntar a Luca Cavalcanti, diretor de canais digitais do Bradesco, qual foi o avanço do volume de transações – consultas, pagamento de boletos e transferências – realizadas pelos clientes do banco pelo celular, o número é de impressionantes 130%.
Sim, um crescimento de três dígitos. “As transações via celular já superaram largamente aquelas realizadas por meio das centrais telefônicas do banco e, em agosto, deverão ser mais representativas do que as efetuadas pela internet pelos clientes pessoa física”, diz Cavalcanti. A pujança se estende a áreas menos estruturadas que os bancos, mas mais promissoras em termos de crescimento. No primeiro semestre, a facilitadora de pagamentos Mercado Pago, controlada pela companhia argentina de tecnologia para comércio eletrônico Mercado Livre, intermediou 19,5 milhões de transações, que movimentaram US$ 1,4 bilhão na América Latina (a empresa não divulga dados específicos sobre o Brasil).
Os crescimentos, em si expressivos, foram superiores a 30% em relação aos seis primeiros meses de 2013. No entanto, a participação dos pagamentos realizados através de dispositivos móveis impressiona por dois motivos. O primeiro é o crescimento, de 65% nesse período. O segundo é a proporção, de apenas 7,4% das transações totais. “As transações móveis são uma fatia crescente em um mercado crescente”, diz Marcelo Coelho, principal executivo da Mercado Pago. Os prognósticos têm atraído profissionais vinculados ao mercado financeiro mais tradicional.
O economista Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor de política monetária do Banco Central (BC) e sócio da gestora de recursos Mauá Sekular, está investindo em uma startup voltada para a prestação de serviços para esse mercado. Denominada OneBuy, a empresa desenvolveu um sistema em que o comprador pode efetuar uma transação sem ter de informar dados sensíveis – como o número de seu cartão de crédito, por exemplo – para fechar negócio. “O cadastro fica com a processadora das transações, protegido de usos maliciosos”, diz o administrador de empresas paulista Edgard Baptista Pereira, um dos sócios da OneBuy.
“Vamos aposentar a necessidade de o cliente ter de informar seu nome de usuário e senha cada vez que fizer um negócio.” Segundo Figueiredo, as perspectivas vão além do comércio on-line. “No limite, essa ferramenta trabalha com validação de informações e isso pode ser ampliado para diversas outras áreas, desde a identificação de compradores até a confirmação de receituários médicos em farmácias”, diz. Seu otimismo é justificado. Segundo Coelho, da Mercado Pago, o celular é um aparelho onipresente, mas a chamada interface móvel vai além dele.
“A internet móvel, também chamada de internet das coisas, está em relógios, tablets, rádios, e vai estar em muitos outros dispositivos que ainda estão para ser inventados”, diz ele. “Na nossa empresa, o mantra é ‘mobile first’, darmos prioridade à interface móvel.” A justificativa é clara para qualquer pessoa que tenha se servido de um metrô, ou tenha tomado um ônibus em uma cidade brasileira típica. Nove em cada dez usuários estarão plugados em seus celulares, jogando, ouvindo música ou compartilhando conteúdo nas redes sociais.
O tempo cada vez mais escasso vai estimular que uma parcela crescente dessa utilização seja dedicada à resolução de problemas práticos – entre eles pagar contas, efetuar movimentações financeiras e, em casos mais avançados, fazer compras. “O celular tornou-se uma extensão do braço humano, é o controle remoto da vida”, diz Cavalcanti, do Bradesco. “Nada mais lógico do que usá-lo para gerenciar as finanças.” A velocidade do crescimento da utilização jogou por terra algumas convicções desse mercado. Uma delas era a de que o uso desses recursos dependia da existência de uma ampla base instalada de smartphones, dotados de recursos sofisticados de transmissão de dados.
Na prática, os aparelhos convencionais pré-pagos, que servem para falar e enviar mensagens de texto, dão conta do recado muito bem, obrigado. “O DDA, sistema desenvolvido pelos bancos que permite pagar boletos bancários sem a necessidade de enviar papel pelo correio, funciona muito bem com base no envio de mensagens de texto”, diz Cavalcanti. Entre mensagens de texto e transações via web, 4,3 milhões de clientes do Bradesco fecharam 160 milhões de transações por celular em julho, e isso só tende a crescer. “Monitoramos constantemente o uso de nossa rede e descobrimos que dois milhões de clientes não entraram em nenhuma agência nos últimos seis meses”, diz o diretor.
“Os jovens, com menos de 20 anos, já não se preocupam em ter um computador de mesa ou mesmo um laptop, muitos se resolvem apenas com um smartphone.” Outra convicção que foi sepultada pela realidade era a de que toda essa mobilidade seria um privilégio da geração com menos de 25 anos de idade. Clientes mais maduros seriam avessos a usar esses recursos. Ledo engano. A percepção começou a mudar em junho de 2013, quando o Bradesco desenvolveu um aplicativo que reduzia a necessidade de o cliente ir fisicamente à agência para depositar seus cheques, conforme antecipado por DINHEIRO na ocasião.
Em vez de enfrentar trânsito, chuva e fila, bastava fotografar o verso e o anverso do cheque e enviar as imagens por celular para o banco, e comparecer fisicamente até uma semana depois. Isso reduziu drasticamente a necessidade de pequenos comerciantes e profissionais liberais, que ainda são pagos em cheque, usarem a rede do banco. Nos primeiros meses a taxa de crescimento anual foi de 5.000% e o que mais surpreendeu os executivos do banco foi o fato de que isso ocorreu sem nenhuma divulgação. Os clientes descobriram o aplicativo, baixaram-no e começaram a usá-lo. O mesmo ocorre com os demais serviços que podem ser realizados via celular.
“Há uma diferença de comportamento”, diz Cavalcanti. “Os usuários mais jovens instalam o programa e começam a usá-lo sozinhos, ao passo que os mais velhos têm de ser estimulados, em geral por uma propaganda ou por um amigo ou conhecido.” No entanto, uma vez que o aplicativo está instalado, o padrão de uso é semelhante, independentemente da idade do cliente. “A utilização dos dispositivos móveis está permeando mais e mais aspectos da forma como consumimos e nos relacionamos”, diz Figueiredo, da Mauá Sekular. “O crescimento tem sido exponencial, mas as perspectivas continuam virtualmente ilimitadas.”