20/04/2023 - 4:00
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, encaminhou ao Congresso Nacional o texto do Arcabouço Fiscal, medida para controle de gastos do governo federal que substituirá o Teto de Gastos. O projeto será o teste de fogo do novo governo, que tem na proposta a tábua de salvação para gestão do Orçamento do próximo ano. Além de delinear novos gatilhos e metas para elevar os gastos da União, o texto marca a cruzada que o ministro travará contra os subsídios, renúncias, isenções e sonegação fiscal. Pelas contas da Fazenda, o governo deixaria de arrecadar R$ 600 bilhões em 2024 e o plano é que R$ 200 bilhões (ou 33% do montante) volte em forma de arrecadação. “Essa é uma agenda que há anos precisa ser encarada. Cada renúncia fiscal indevida é uma pessoa a mais passando fome”, disse Haddad.
Apesar do discurso com apelo emotivo (já que é impossível mapear que R$1 a mais arrecado será revertido de forma exata ao bolso de quem passa fome) a raiz do problema é realmente antiga e atravessa todas as gestões desde a redemocratização do País. E se o plano era ser feroz contra os benefícios que, nas palavras de Haddad, distorcem a economia brasileira, o primeiro passo foi n’água. O ministro afirmou que acabaria com a isenção tributária para compras internacionais de até US$ 50. Quatro dias depois (e com a visita à China no meio) o discurso já era outro. O governo reviu a decisão e manteve o limite. E esse foi só o recuo feito em público. Nos bastidores dos poderes Executivo e Legislativo houve um nível considerável de negociações, inclusive com revisão da capacidade de alteração dos parâmetros do Arcabouço. A primeira ideia do governo era deixar que a métrica valesse por pelo menos quatro anos, mas após a conversa com deputados e senadores, ficou determinado que qualquer presidente, por meio de maioria simples no Parlamento, poderia alterar as medidas.
À DINHEIRO, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, afirmou estar otimista com o desenho do Arcabouço e entende que o governo foi capaz de delimitar um projeto sustentável, funcional e exequível. “Isso não significa que ele não possa ser melhorado, incrementado, porque a economia se move”, disse. Segundo o secretário, o Arcabouço atendeu às premissas de controle de gastos usadas em boa parte dos países da OCDE e consegue manter algum ritmo de investimento para diminuir a injustiça social e elevar a produtividade do Brasil. “Um Estado eficiente, bom e produtivo não tem que ter ideologia. Não é de esquerda ou de direita. É funcional. Quando somos eficientes, sobra mais recursos para atender mais pessoas”, disse.
DIREITOS OU PRIVILÉGIOS A discussão sobre o que é direito e o que é privilégio é comum na sociedade, mas cabe um recorte empresarial. Há uma forte movimentação em Brasília de empresários e políticos que defendem a continuidade dos benefícios fiscais na Zona Franca de Manaus (e o governo federal já sinalizou que os manterá integralmente). E esse talvez seja o melhor exemplo de complacência do governo com alguns temas. Pela retórica de Haddad, cada renúncia indevida é uma pessoa a mais passando fome. Se os R$ 35 bilhões destinados apenas à Zona Frnca fossem diretamente divididos com toda a população manauara (2 milhões de pessoas, segundo o IBGE) cada habitante de Manaus receberia do governo por meio de transferência direta de renda R$ 1,45 mil por mês. Na contrapartida, o argumento dos defensores é que, entre janeiro e novembro do ano passado, o polo faturou R$ 161 bilhões, crescimento de 8%. Esse incremento, no entanto, não acompanha os indicadores socioeconômicos da cidade. Segundo o Ipea, a extrema pobreza saltou de 6,5% para 8,7% entre 2020 e 2021 e o número de pessoas pobres foi de 30,5% para 38,6% no mesmo período.
E essa é só uma das contradições que Haddad e sua equipe precisarão lidar a partir de agora. Representantes do Partido Novo e do PSOL já disseram que vão questionar algumas metas do Arcabouço. O centrão de Arthur Lira, presidente da Câmara, tem feito mistério sobre o quanto irá alterar o texto. No Senado, Renan Calheiros (MDB-AL) garantiu que não compactua com o fim de subsídios de modo abrupto.
BANCOS PÚBLICOS Outro temor do mercado foi esclarecido por Haddad na terça-feira (18) quando ele entregou o texto do Arcabouço para o Congresso Nacional. Havia incertezas sobre o uso de dinheiro público para a capitalização de bancos públicos, como BNDES e a Caixa. A resposta de Haddad é que não. O dinheiro que será colocado nessas estatais irá competir com outras prioridades dentro do limite traçado pela banda que vincula aumento de arrecadação e PIB do Arcabouço. O tema desceu meio engasgado em dois petistas em especial: Aloizio Mercadante (presidente do BNDES) e Gleisi Hoffmann, presidente do PT. Ambos esperavam maior capacidade de investimento nos bancos para fomentar tanto empresas quanto pessoas físicas.
Um assessor próximo a Haddad disse que o tema foi um dos últimos a ter o martelo batido. “Esse é um dos assuntos que pode ser revisto no Legislativo”, disse. A primeira versão do projeto colocava as empresas não dependentes do Tesouro Nacional fora da regra (assim como era no Teto de Gastos). Agora, todo mundo entra no mesmo bonde do cinturão de gastos. Todas as despesas de estatais dependentes, como a Infraero, farão parte da regra fiscal. “Não queremos a ideia de que serão feitas megacapitalizações”, disse Haddad.
Quem ficou efetivamente de fora do Arcabouço foi o Fundo Amazônia, que poderá ter projetos custeados com recursos decorrentes de acordos judiciais ou extrajudiciais firmados em função de desastres ambientais. Instituições de ensino custeadas com receita própria também ficam de fora do Arcabouço e podem investir mais, tal qual equipamentos de saúde que recebam doações.
33% é o projetado de redução nas isenções fiscais para 2024, alta de R$ 200 bilhões na arrecadação
15% é a taxação prevista para jogos on-line e apostas virtuais do Governo Lula
CADÊ O DINHEIRO? E se a arrecadação precisa crescer, o governo tem que falar como. O primeiro alvo, que era o fim das isenções para importações até US$ 50 para pessoas físicas, caiu por terra, depois de causar um reboliço nas redes sociais. O recuo foi comemorado pelos consumidores, mas visto com preocupação por parte da cadeia produtiva. “Não somos contrários à modernidade e tecnologia, mas a competição precisa ser isonômica”, disse Fernando Valente Pimentel, diretor da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit).
Já as operações de esportes, apostas e games on-line estão no radar desde o governo de transição. Para debater o tema, a Câmara já está alinhavando a forma de regulamentar a prática, que será feita por meio de Medida Provisória. A outorga deve ficar em torno de R$ 30 milhões e a taxação de 15% sobre o GGR (gross gaming revenue, na sigla em inglês), cifra próxima da praticada no Reino Unido, que foi um dos primeiros a tratar deste tema. Para Darwin Filho, CEO de Esportes da Sorte, a conta não é bem assim. “Os operadores britânicos pagam apenas 15% do GGR e mais nenhum imposto adicional (nem os apostadores)”, disse, questionando quais outros impostos se somariam a este. Se mantido os impostos que eles já pagam, a tributação saltaria para quase 27%.