19/02/2016 - 20:00
Mesmo nos tempos áureos de crescimento econômico, na década passada, o Brasil nunca deixou de ser criticado pelos investidores – principalmente os estrangeiros – pelo seu elevado grau de incerteza. Regras são mudadas repentinamente pelo governo, os juros e o câmbio oscilam demais, a fragilidade fiscal é um fantasma permanente e por aí vai. Neste segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, no entanto, as condições econômicas pioraram tanto que acabaram reduzindo as incertezas.
“Ninguém mais tem dúvidas de que o PIB vai encolher, de que a inflação ficará acima da meta, de que o desemprego vai piorar, de que a meta fiscal não será cumprida, de que as agências vão continuar rebaixando a nota. É um País sem risco”, ironiza um consultor que tem clientes nacionais e estrangeiros em sua carteira. “Ficou fácil para o investidor tomar decisões. É só engavetar os projetos.” Há um clima de prostração reinante em praticamente todos os segmentos do setor produtivo, que não vislumbra uma virada de jogo.
A sensação é de que a letargia política dos parlamentares e a incapacidade do Palácio do Planalto de construir um bloco pró-Brasil tornam inexorável o processo de deterioração econômica. Nas avaliações internacionais, o Brasil vem apanhando sem trégua. O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê que a queda de 3,5% do PIB, neste ano, só não perderá para o tombo de 6% da Venezuela. É, na prática, um repeteco de 2015, quando a economia brasileira encolheu 4,1%, segundo estimativa divulgada pelo Banco Central, na quinta-feira 18.
No dia anterior, a agência de classificação de risco Standard & Poor’s (S&P) reduziu novamente a nota de risco do País, de BB+ para BB, ratificando a perda do grau de investimento que já havia ocorrido cinco meses antes. Ao justificar a decisão, a agência disse que os desafios políticos e econômicos ainda são “consideráveis” (leia mais ao final da reportagem). A avaliação geral dentro e fora do Brasil é de que o País vive uma grave crise fiscal, cuja solução está sendo inviabilizada pelo caos político.
Um exemplo da incapacidade do governo federal de aglutinar forças é a Reforma da Previdência. Considerada uma medida fundamental pela presidente Dilma Rousseff para sinalizar um quadro de sustentabilidade fiscal no longo prazo, a reforma sofre resistência da própria base aliada, incluindo o PT. As centrais sindicais também não aceitam mudar as regras mesmo diante de um cenário obviamente insustentável para as futuras gerações de aposentados. Basta uma simples comparação internacional para dimensionar o tamanho da encrenca.
O Brasil gasta com Previdência proporcionalmente o mesmo percentual do PIB que países europeus (cerca de 10%), como Alemanha, mas a participação dos idosos brasileiros no total da população é a metade da registrada no Velho Continente. Portanto, quando a população envelhecer, o quadro será insustentável. Apenas em 2016, o rombo estimado é de R$ 200 bilhões, incluindo a previdência pública. Na quarta-feira 17, em encontro realizado no Palácio do Planalto, o governo apresentou os temas centrais de sua proposta, que inclui a unificação dos sistemas de previdência rural e urbana, a adoção de idade mínima e a equiparação de regras entre homens e mulheres.
“Da parte do governo não há prato feito”, disse Ricardo Berzoini, ministro da Secretaria de governo, que prometeu debater o assunto com a sociedade antes de encaminhar uma proposta ao Congresso, num prazo de dois meses. “O que há é um conjunto de visões sobre o que tratar com maturidade para alcançarmos um resultado positivo.” O ministro do Trabalho e da Previdência, Miguel Rossetto, aproveitou o encontro para defender a recriação da famigerada CPMF para salvar as contas públicas.
“As lideranças estão trabalhando, estamos seguros na aprovação da CPMF, é um imposto que atinge atividades econômicas não formais, fundamental para o equilíbrio da Previdência e da Saúde nos Estados e municípios”, disse Rossetto. A Central Única dos Trabalhadores (CUT), que apoia o governo Dilma, esperneou. “O tema central para a CUT é a retomada do emprego e da renda”, afirmou Vagner Freitas, presidente da entidade, que não quer a adoção de idade mínima nem a equiparação da idade entre homens e mulheres.
A preocupação da CUT é legítima, mas os economistas salientam que apenas a retomada do crescimento será capaz de gerar emprego e renda. O problema é que o resgate econômico depende de uma melhora fiscal. Na avaliação do departamento econômico do banco Itaú Unibanco, além da questão previdenciária, a fixação de um teto para os gastos públicos ajudaria a melhorar a confiança dos agentes econômicos. Isso porque, embora o efeito prático não seja imediato, a sinalização já seria suficiente para animar o mercado.
Por enquanto, no entanto, o cenário segue catastrófico, com uma retração de 4% do PIB em 2016, semelhante à do ano passado. “Somando-se os dois anos, temos a pior recessão que a série do IBGE já captou”, afirma Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco, terceira maior empresa do País na edição 2015 do anuário AS MELHORES DA DINHEIRO. Em 2016, esse cenário e a falta de perspectivas devem contaminar o resultado das 1.000 maiores companhias listadas pelo anuário da DINHEIRO. Na semana passada, o IBGE divulgou três indicadores que mensuram o impacto da crise no dia a dia da economia.
A indústria, o comércio e o setor de serviços encerraram 2015 no vermelho. “Apenas no último trimestre do ano passado, o comércio e os serviços começaram a sentir de forma mais clara a crise”, diz Eduardo Velho, economista-chefe da empresa de investimentos INVX Global. “A recessão deste ano pode ser muito mais profunda do que os 4% que o mercado está projetando.” Alheios à gravidade da situação, deputados federais e senadores retornaram lentamente ao trabalho, na terça-feira 16, após 12 dias de carnaval.
No Conselho de Ética da Câmara, houve mais uma sessão inútil que terminou com o adiamento da votação do relatório sobre a cassação do presidente Eduardo Cunha (PMDB-RJ). “Ou o Supremo afasta da presidência da Casa o deputado Cunha ou nada andará contra ele aqui”, afirma, resignado, o deputado Alessandro Molon (Rede-RJ). Apesar de ter ganho tempo no Conselho de Ética, Cunha perdeu uma queda de braço com o governo, que emplacou o deputado carioca Leonardo Picciani na liderança do PMDB. A disputa política dividiu o partido, que tem a maior bancada da Câmara.
“O PMDB racha por conta de loteamento de cargos e o PT racha por conta de divergências nas suas propostas de governo”, diz o deputado Samuel Moreira (PSDB-SP). “A ausência de liderança, tanto do Cunha como da Dilma, traduzem esse caos político que estamos vivendo.” Enquanto isso, assuntos fundamentais para melhorar a competitividade da economia brasileira, como a reforma do ICMS, não saem do papel, para desespero da classe empresarial.
Com o plenário ocioso, houve tempo para alguns parlamentares desocupados, como Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) e Jair Bolsonaro (PP-RJ), agirem como tietes e tirarem selfies com o agente da Polícia Federal, Newton Ishii, apelidado de “japonês da federal”. Ishii ficou famoso por efetuar prisões de empresários e políticos na Operação Lava Jato. Diante de tanta letargia, o “japonês da federal” bem que poderia ter feito, em Brasília, uma palestra para ensinar técnicas de trabalho eficiente, ganhos de produtividade e cumprimento do dever público.
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À espera de um milagre
Sem ajuste fiscal, o Brasil é novamente rebaixado
Cinco meses após surpreender o governo com a retirada do grau de investimento, espécie de selo de bom pagador, a agência de classificação de risco Standard & Poor’s (S&P) promoveu, na quarta-feira 17, um novo rebaixamento da nota de risco do País, que passou de BB+ para BB, com perspectiva negativa. Sem meias palavras, a agência culpou a crise política, que inviabiliza o ajuste fiscal necessário para reverter a trajetória de alta da dívida pública brasileira. “O rebaixamento foi resultado das ações e inações da política doméstica”, afirmou Lisa Schineller, diretora da S&P, em uma teleconferência. “Nós mantivemos a perspectiva negativa dada à dinâmica política fluída.”
Como o impeachment da presidente Dilma Rousseff não é o cenário mais provável, fica difícil imaginar uma reviravolta. “O diagnóstico da S&P em relação ao processo político é correto, pois o ambiente para a implementação de reformas é limitado”, diz Rafael Cortez, cientista político da Tendências Consultoria. “O pior dos mundos para a economia é um cenário de continuidade do governo Dilma, sem governabilidade, até 2018.” Em nota, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, afirmou que o novo rebaixamento é “temporário e será revertido tão logo os resultados das medidas em andamento comecem a produzir efeitos na economia, levando ao reequilíbrio fiscal e à recuperação do crescimento”. O ministro contou o milagre, mas não deu o nome do santo.