22/11/2013 - 21:00
Peixe Urbano, site pioneiro no Brasil em compras coletivas, mudou-se para uma luxuosa sede, no começo de 2012. Os cerca de 900 funcionários passaram a ocupar três andares do luxuoso prédio com fachada de vidros espelhados, no número 1.001 da avenida Getúlio Vargas, no centro do Rio de Janeiro. O condomínio de cada unidade custava mais de R$ 20 mil por mês. Um dos andares foi exclusivamente dedicado aos auditórios, ao refeitório e a um ambiente de lazer com pufes, sinuca, videogames e cadeiras de massagem, típico das empresas pontocom. Menos de um ano depois, a realidade colocou o Peixe Urbano numa sinuca de bico.
O Peixe Urbano, de Julio Vasconcellos, reposiciona-se como e-commerce
local para sobreviver ao naufrágio do setor de compras coletivas
Com uma montanha de queixas de usuários descontentes, o negócio perdeu o fôlego. Não demorou muito para que os empregados percebessem que algo estava indo mal na empresa. Dezenas de funcionários foram demitidos – oficialmente, 150, mas DINHEIRO apurou que mais de 400 postos foram cortados. Com isso, as instalações do Peixe Urbano tiveram de ser reduzidas. A transição teve como símbolo um bazar do material de escritório no dia 18 de janeiro deste ano, que aconteceu no 16º andar do prédio. “Algumas fotos de móveis que temos disponíveis. Muitos desses temos várias unidades”, publicou no Facebook o empresário Julio Vasconcellos, fundador do Peixe Urbano, em meio a imagens dos itens do saldão.
Mais de 100 pessoas compareceram ao evento. “No fim do expediente já não tinha mais nada de bom, foi meio frustrante”, disse um ex-funcionário da empresa, que prefere não se identificar. O Peixe Urbano é o retrato da crise pela qual passam as empresas de compras coletivas no Brasil, passado o furor dos primeiros tempos. Depois de crescerem de forma acelerada – e desorganizada –, elas precisaram se reinventar. O certo é que os tempos de luxo ficaram para trás. Hoje, a sede do Peixe Urbano está localizada no bairro da Barra, em um escritório mais modesto. “O modelo evoluiu. Hoje tem muito mais a ver com um shopping online de serviços locais”, diz Vasconcellos.
Viagem para longe: Carolina Torres, do ClickOn, comanda a reformulação
do site, que passa a atuar no segmento de turismo
A empresa agora se posiciona como um e-commerce local. “Não há mais a dinâmica do número mínimo de clientes e estamos trabalhando para mostrar ofertas geolocalizadas aos usuários por smartphone.” Segundo ele, que não revela os números nem como conseguiu esse milagre em tão pouco tempo, a empresa estaria hoje numa fase de crescimento de faturamento e de lucro. Vasconcellos e seu Peixe Urbano não são os únicos a querer livrar-se do estigma que cerca o conceito de compras coletivas. O ClickOn e o Groupon, seus dois maiores competidores, também sofreram com os problemas do setor, que virou uma febre nas principais cidades brasileiras em 2010.
Naquela época, os consumidores aderiram em massa ao sistema que oferecia um produto ou um serviço com descontos, que variavam entre 50% e 95%, caso um número mínimo de compradores fosse atingido. No auge, era possível encontrar mais de uma centena de sites do gênero no Brasil. Mas os problemas começaram a aparecer em 2012. Muitos clientes perdiam o prazo da oferta e eram mal atendidos nos estabelecimentos. “As empresas não tiveram o cuidado de orientar o consumidor brasileiro, que não tem a cultura do cupom”, diz Diego Campos, diretor de operações do Reclame Aqui, site de reclamações online, que registrou mais de 133 mil queixas de sites de compras coletivas no ano passado.
Até outubro deste ano, o número estava em 112 mil. Como se isso não bastasse, os estabelecimentos que faziam ofertas nos sites de compras coletivas não conseguiram conquistar os consumidores dessas promoções. “O ciclo não era concluído” diz Thiago Sarraf, consultor especializado em e-commerce. “Os clientes desse sites pulavam de oferta em oferta sem fidelidade.” Mesmo assim, aos trancos e barrancos, o setor movimentou R$ 1,65 bilhão no ano passado, de acordo com o relatório WebShoppers, da consultoria e-bit. O crescimento, no entanto, foi de 8%, inferior ao aumento total do segmento de e-commerce, de 20%.
No vermelho: referência no setor, o Groupon, comandado no Brasil há alguns meses
por Michel Piestun, está no prejuízo desde 2010
A crise não é um fenômeno só do Brasil. Nos EUA, o Groupon, maior site de compras coletivas do mundo, iniciou o ano se reposicionando como um indexador de e-commerce local, como o Peixe Urbano. A empresa precisa estancar urgentemente a sangria em seu caixa. Desde 2010, o Groupon não consegue retirar o vermelho de seu balanço. Suas ações estão em queda de mais de 60% em relação ao IPO, realizado no fim de 2011. “A empresa tem uma capacidade impressionante de mudar para crescer e é isso que estamos fazendo”, afirma, sem modéstia, Michel Piestun, CEO da empresa no Brasil.
Em algumas situações, não basta apenas mudar a estratégia, é preciso recomeçar. Foi o que fez o ClickOn. Em meados do ano passado, a empresa deu uma guinada para o ramo de turismo. “Vimos que nossa base de clientes queria isso”, afirma Carolina Torres, diretora comercial da empresa. Em meio a esse giro, cerca de 50 funcionários foram despedidos – a companhia diz ter hoje 110 empregados. Sem abrir os números, como seu colega do Peixe Urbano, ela afirma que houve “melhora no faturamento e na lucratividade”.
Outro milagra na praça. Com essa estratégia, o ClickOn compete com empresas como a CVC, maior rede de agências de turismo e que pretende ganhar mais relevância na web, e com o Hotel Urbano, que nasceu em 2011 como site de compras coletivas, mas logo nos primeiros meses abandonou o sistema para se tornar uma agência de viagens digital. Quando surgiram, os sites de compras coletivas quase mudaram o comércio eletrônico, ameaçando a hegemonia das companhias tradicionais. Três anos depois, foram eles que mudaram de rumo para sobreviver.