Poucas pessoas perceberam, mas, no dia 20 de dezembro do ano passado, teve início uma revolução silenciosa na maneira de emprestar dinheiro no Brasil. Após dois anos de tramitações, o Conselho Monetário Nacional (CMN) regulamentou a aplicação do cadastro positivo, um serviço que promete valorizar os bons pagadores e, por tabela, reduzir os juros cobrados em empréstimos. Imediatamente após a decisão do CMN, a empresa paulista de avaliação de risco de crédito Boa Vista Serviços fechou acordos com as redes de varejo Riachuelo e Casas Bahia. Vai, assim, colocar em prática os sistemas de identificação dos consumidores que pagam suas faturas em dia. 

 

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Dourado, da Boa Vista Serviços: empréstimos mais baratos

para os novos clientes do varejo

 

“Essas redes vão facilitar a adesão de clientes”, diz Dorival Dourado, presidente da Boa Vista. Pelos acordos firmados, os clientes serão incentivados a aderir ao novo cadastro, que é voluntário, o que permitirá à Boa Vista consultar seus dados financeiros e avaliar seu risco de crédito. A decisão fez o Brasil deixar de ser o único país da América Latina sem o cadastro positivo. Até o fim do ano passado, a única ferramenta do varejo era o cadastro negativo, que identificava quando um cliente não pagava ou atrasava as parcelas de seu financiamento. Os executivos do varejo avaliam que o impacto dessa mudança será profundo. 

 

A Midway Financeira, ligada à rede de lojas Riachuelo, é uma das maiores emissoras de cartões de crédito com marca própria. Segundo José Antonio Rodrigues, diretor de crédito, a Midway empresta regularmente R$ 1 bilhão a seus 23 milhões de clientes. A taxa de inadimplência, calculada após 180 dias de atraso, é de 7,5% desse total, uma perda elevada e de difícil recuperação. “Nossa prestação média é baixa, cerca de R$ 30”, diz Rodrigues. “Cobrar um cliente em atraso não compensa, pois só o envio de uma carta de cobrança pelo correio custa R$ 1.” Para contrabalançar essas perdas, a financeira cobra taxas de juros salgadas, de 6,9% ao mês. 

 

A adoção do cadastro positivo poderá reduzir esse percentual em até 30%, baixando a taxa para 4,8% ao mês. Está longe de ser um percentual baixo, mas, em termos anuais, representa baixar os juros de 122,7% ao ano para 75,5% ao ano. Apesar de a Midway ser uma empresa verticalizada, que usa sistemas, atendentes, processadora de cartões e capital próprios, o executivo garante que a redução nos juros será bem-vinda. “O que me interessa como varejista é lucrar vendendo mercadoria, e não ganhar cobrando juros”, diz ele. Ao reduzir as taxas, avalia, o cliente de baixa renda terá mais dinheiro no bolso para comprar. 

 

Rodrigues não comenta sobre as margens de lucro nas vendas, mas quem conhece o varejo, especialmente lojas concentradas no vestuário, como a Riachuelo, calcula que elas chegam facilmente a 150% sobre o custo dos produtos vendidos. Na ponta do lápis, vender produtos é mais rentável do que cobrar dívidas atrasadas. Esses sistemas ainda vão levar de dois a três anos para estar operando a plena carga. Para evitar o uso indevido dos dados, a adesão será voluntária: indivíduos e empresas terão de autorizar formalmente as empresas de análise de dados a vasculharem seus nomes. 

 

Também há algumas proteções. O cadastro vai considerar atrasos em prestações de lojas, em financiamentos bancários e nas contas de luz, água, gás e telefonia fixa, mas não na telefonia celular, fonte de diversas reclamações. “O cadastro positivo não vai derrubar significativamente algumas taxas, como a do cheque especial e a do empréstimo rotativo no cartão de crédito”, diz Dourado. “No entanto, ele vai permitir que os bancos e o varejo concedam empréstimos mais baratos e de maior valor para os novos clientes que surgiram recentemente, com a ascensão da classe média.”

 

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