No protocolo das monarquias, a visita de um integrante da família real a outro país é um gesto acompanhado de muito significado e ocorre apenas entre Estados que buscam estreitar laços. A pompa e a cerimônia são a norma, mas o Grão Ducado de Luxemburgo quebrou esse protocolo em meados de novembro. O sétimo menor país da Europa, com 506 mil habitantes e membro da União Europeia, enviou, na terça-feira 18, o segundo na linha de sucessão do reino, o príncipe Guilherme, acompanhado de uma comitiva de 70 políticos e empresários, para visitar o Brasil.

Recebido pelo vice-presidente em exercício Michel Temer no pavilhão de autoridades do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, o príncipe sinalizou a importância do Brasil e o interesse de seu reino pelo País. “Sobrevivemos à crise econômica europeia e hoje temos plena estabilidade. O nosso interesse é que os fundos brasileiros ampliem a sua participação em nosso país.” Nos três dias que passou no Brasil, o príncipe, acompanhado do economista Pierre Gramegna, ministro da Fazenda, se esforçou para mudar a imagem de Luxemburgo.

Sua Alteza terá de fazer muitos rapapés. Ele desembarcou 20 dias depois de a ONG Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, ou ICIJ, de Washington, revelar uma lista de 343 empresas que, entre 2002 e 2010, operaram em Luxemburgo. Entre elas, os dois maiores bancos brasileiros. Segundo documentos levantados pela ONG, Itaú Unibanco e Bradesco economizaram R$ 200 milhões em impostos por meio de operações naquele país. Os dois bancos negaram ter celebrado acordos para pagarem menos impostos no Brasil. Em entrevista à DINHEIRO, Gramegna afirmou que não existe nada de ilegal no processo.

Segundo ele, o que permitiu às empresas não pagarem impostos foi a combinação de vários tratados internacionais de tributação, e não a lei de Luxemburgo. “Essas operações ocorrem na maioria dos países-membros da União Europeia e em outras regiões, inclusive no Brasil”, diz ele. “Para resolver, temos que agir juntos, e é por isso que estamos aqui.” A viagem principesca é uma resposta ao endurecimento das normas da União Europeia para impedir operações ilícitas nos paraísos fiscais. Pelas alíquotas baixas e pelo sigilo, Luxemburgo está na lista de 54 paraísos fiscais da Receita Federal, e ainda está associado à lavagem de dinheiro.

Mudar essa imagem e atrair investimentos é uma questão de sobrevivência para Luxemburgo, pois o sigilo fiscal entrou na mira da União Europeia, do FBI e da Interpol. Paraísos tradicionais começaram a cometer, com frequência crescente, o pecado da indiscrição. “Essa pressão começa pela Suíça, que passou a revelar o nome de seus depositantes, e, como isso afeta Luxemburgo, eles estão se esforçando para seguir normas de governança”, diz Carlos Stempniewski, professor de comércio exterior das Faculdades Integradas Rio Branco. De acordo com Stempniewski, esses países vão se esforçar cada vez mais para vender uma imagem de centros financeiros e locais de investimento seguros.

“Luxemburgo já foi um paraíso, mas hoje é um centro financeiro sofisticado e muito conectado com a Europa”, diz ele. “Não dá para comparar Luxemburgo com as Ilhas Cayman, por exemplo, mas ele continua tendo o status legal de paraíso, e isso é um problema.” A Suíça sempre foi considerada um paraíso fiscal, mas vem se esforçando para mudar a imagem por meio de leis mais rígidas e ajuda nas investigações internacionais. Um exemplo foi a colaboração com a Polícia Federal e com o Ministério Público, que resultou na devolução à União de mais de US$ 20 milhões desviados pelo ex-prefeito Paulo Maluf e pelo ex-juiz Nicolau dos Santos Neto, entre 2002 e 2010.

Isso fez com a que a Receita Federal retirasse a Suíça da lista dos paraísos fiscais em junho passado. A colaboração não foi um caso isolado. Em maio, o país entregou ao Brasil informações mostrando que um colaborador do doleiro Alberto Yousseff mantinha uma conta de US$ 5 milhões naquele país, agora bloqueada. Em setembro, Michel Lauber, procurador-geral da Suíça, afirmou que a Justiça helvética está investigando contas bancárias de pessoas ligadas à Petrobras. “A investigação está em andamento”, disse. E, na segunda-feira 24, um grupo de investigadores brasileiros desembarcou na Suíça para rastrear ativos remetidos ilegalmente por suspeitos da Operação Lava Jato.

O incentivo para que a colaboração continue é grande. Segundo o Banco Central, até julho, o Brasil enviou US$ 8,9 bilhões, ou 53% dos investimentos brasileiros no exterior, para paraísos fiscais como Ilhas Cayman, Ilhas Virgens Britânicas, Bermudas, Bahamas e, claro, Luxemburgo. O país é um parceiro importante do Brasil. As remessas enviadas a Luxemburgo somam US$ 1,5 bilhão por ano, a maioria de instituições financeiras. Já o montante vindo daquele país soma US$ 5 bilhões. Por isso, além do protocolo real, Gramegna se reuniu com executivos dos bancos Bradesco, Safra e BTG Pactual.

“Esperamos que os gestores de fundos do Brasil também possam olhar para Luxemburgo.” De acordo com o advogado José Luís Leite Doles, sócio do escritório paulista Barcellos Tucunduva, Luxemburgo persegue os mesmos objetivos da Suíça, de cada vez mais vender a imagem de um país lícito. “E eles estão conseguindo porque possuem estrutura para isso, estão em uma região estratégica e têm capacidade de atrair investimentos brasileiros.” Para tirar seu time da lista suja, Luxemburgo não vai poupar esforços, se necessário enviando até reis e rainhas ao Brasil, mesmo que sejam recebidos no aeroporto.