14/10/2022 - 1:00
Que tipo de miopia faz com que lideranças públicas brasileiras festejem uma eleição como a deste ano? O voto obrigatório tem tanto de democracia quanto sua proibição. Nenhuma nação democrática e consistente na adoção do Estado de Direito usa o modelo. Não à toa, mais uma vez o número de brasileiros que nem sequer apareceu para votar é uma massa para o qual não deveríamos fechar os olhos. Foram 32.770.982. Vamos à velha comparação: se fosse um país, seria equivalente ao Peru e maior do que outras oito nações sul-americanas. Se fosse um estado brasileiro, perderia apenas para São Paulo. Maior que Minas Gerais e todos os demais. Na mais polarizada das eleições, essa montanha de votantes não quis se manifestar. Quer dimensionar de um jeito melhor? Junte cinco eleitores em seu trabalho. Um deles não apareceu. Se somarmos os que votaram em branco ou anularam (mais 5.452.653) dá mais de 38 milhões. Há algo de errado com o sistema? É óbvio que sim.
A obrigatoriedade do voto não quebrará essa curva. O modelo político se agrava porque o financiamento das campanhas também é pobre, para não dizer podre. Este ano, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, bufunfa destinada aos partidos para as eleições, somou o valor recorde de R$ 4.961.519.770. São R$ 5 bilhões para 32 partidos. O União Brasil pegou cerca de R$ 780 milhões. O PT, R$ 500 milhões. O PL, que de liberal só tem a letra L, ficou na casa dos R$ 290 milhões. Apenas o Partido Novo teve a decência de abrir mão do dinheiro. Por favor, não confunda com o Fundo Partidário. Essa é outra linha de receita. O Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos já distribuiu entre janeiro e setembro deste ano, segundo dados do TSE, R$ 715.225.965,26. Não sei você, mas eu acho demais.
Para o que e para quem vai parte considerável desse dinheiro até o mais estúpido do eleitor é capaz de especular. E no que ele muda alguma coisa na qualificação do sistema político-partidário nacional? E tudo piora com a chamada propaganda eleitoral. Que nem gratuita é, já que se baseia em uma compensação isenção fiscal para os veículos de comunicação que são obrigados a veiculá-la.
Em outubro, de Bolsonaro e Lula ao mais insignificante dos candidatos, cerca de 29 mil cidadãos brasileiros se candidataram a uma boquinha de deputado estadual/distrital, federal, governador, senador e presidente. Um mundaréu de gente que tenta aparecer na propaganda eleitoral com um tempo suficiente só para dizer o nome, o número e uma frase idiota. OK, uma frase de campanha. Cheguei a pegar uma que defendia castração química. Num país em que há mais de 900 mil detentos e um a cada três aguarda julgamento estando detido tem zero chance para dar certo.
Deixar de ignorar que nosso sistema de escolha político-partidária está falido será um passo crucial para sairmos desse pântano que nos coloca como um país assassino (o que mais matou no mundo no ano passado), famélico (33 milhões) e desigual (à frente de apenas outros sete pelo Índice Gini). Com crescimento econômico abaixo da média mundial – scusa, signore Guedes, mas sei que tratar com os números reais deixou de ser seu esporte favorito. Para essa mudança será preciso que a sociedade produtiva, os consumidores e as elites pensantes assumam a bandeira de defender a Reforma Política como a primeira e mais urgente de todas. Essa é nossa maior e mais relevante dívida com a história e com o futuro.
Edson Rossi é redator-chefe da DINHEIRO.