Era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada. Ninguém podia entrar nela não, porque na casa não tinha chão.” O trecho da famosa letra do poeta Vinicius de Moraes, além de boa música, também serve para denunciar a realidade de 6 milhões de famílias brasileiras que não possuem o próprio teto para morar. Para minimizar esse pesado déficit habitacional, o ministro das Cidades, Jader Filho, disse que nos próximos dias publicará portarias que devem viabilizar, além de parcerias com estados e municípios, a aquisição do imóvel sem entrada financeira no novo programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV). “Nos últimos quatro anos, não foi contratada uma única casa na faixa 1, que atende famílias com renda até R$ 2.640 por mês”, disse o ministro, após participar do Summit Abrainc na terça-feira (11), em São Paulo.

Jader Filho lembrou que a meta do MCMV é gerar 1 milhão de empregos em todo o País e construir 2 milhões de casas até 2026, sendo 500 mil para a faixa 1 (a com renda familiar de até dois salários mínimos). “No nosso entendimento as famílias têm condições de pagar as parcelas, pois elas pagam aluguéis até mais caros que as prestações de financiamento, mas há dificuldades com a entrada”, afirmou. O ministro explicou à DINHEIRO que o governo está conversando com estados e municípios para estabelecer parcerias, subsídios ou contribuições para atender a faixa de menor renda. “Se a gente conseguir, a partir de parcerias, dar a entrada, facilita para que as pessoas entrem no Minha Casa, Minha Vida. Estamos fazendo ajustes para aumentar o número de parcelas, excluir a entrada e aumentar o subsídio para atender mais famílias na faixa 1 com recursos do Fundo de Garantia”, disse.

NEGOCIAÇÕES Ministro das Cidades, Jader Filho, disse que o governo está fazendo ajustes para excluir a entrada na casa própria e aumentar número de parcelas.

Nessas parcerias, o governo federal busca desde a doação de terrenos por prefeituras, principalmente em cidades de até 50 mil habitantes, e outros subsídios em ações conjugadas com programas habitacionais estaduais. Em 2023, o objetivo é de 100 mil unidades na faixa 1, segundo o ministro. Entre subsídios e recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), o volume aprovado no orçamento alcança R$ 19,5 bilhões para 2023, nas contas do presidente da Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz França. “Já temos motivo para comemorar, é 130% mais que o valor orçado em 2022”, afirmou.

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, confirmou que está negociando com o governo federal. “O déficit habitacional é de 400 mil unidades na cidade, 12 mil habitações em áreas de risco”, disse. Questionado se o programa contemplaria as famílias que estão morando na rua, Nunes respondeu que essa população será atendida por outras iniciativas, como aluguel social e abrigos públicos.

CRÉDITO Presente ao mesmo evento, a vice-presidente de Habitação da Caixa, Inês Magalhães, disse que o banco estatal terá “papel relevante” no MCMV, e que atenderá, além da faixa 1, as demais faixas de renda, onde concorre com instituições privadas. Nas linhas com recursos da caderneta de poupança, a Caixa aumentou os juros em 0,50 ponto porcentual para contratos a partir de 3 de abril, para a faixa entre 8,99% ao ano mais TR (taxa referencial) e 9,99% ao ano mais TR. “É a menor taxa do mercado, ainda temos uma taxa de um dígito só, mas fizemos um ajuste para ter maior oferta do produto”, disse.

Fabiane Lazzareschi

“A questão é que o País não tem dinheiro para resolver todos os problemas da população ao mesmo tempo” Gustavo Loyola Economista.

A vice-presidente aponta um volume entre R$ 140 bilhões e R$ 150 bilhões para financiamento imobiliário em 2023, somando recursos do FGTS e da poupança, cerca de 66% do market share desse mercado. Sobre a capacidade da Caixa de conceder mais financiamentos, Inês disse que o recurso do FGTS atende bem às menores faixas de renda, e o SBPE (com recursos da poupança) às demais faixas. Mas ela citou dificuldades para obter recursos para o financiamento de imóveis para faixas de renda maior. “Tivemos resgates da poupança. Vamos fazer uma campanha para incentivar a poupança”, afirmou. Os dados do Banco Central registraram saques líquidos de R$ 11,5 bilhões em fevereiro e de R$ 6 bilhões em março.

19,50 BI de reais é o volume de recursos do FGTS e de Subsídios do governo em 2023 para obras do programa MCMV para atender famílias de menor renda (Faixa 1) 

150 BI de reais é o volume que a Caixa possui para Crédito Imobiliário em 2023 somando recursos do Fundo de Garantia e Da Poupança para todas as faixas de renda

PRIORIDADE Na avaliação do economista da Tendências Consultoria e ex-presidente do Banco Central, Gustavo Loyola, o MCMV atual tem carência de recursos. “O País não tem dinheiro para resolver todos os problemas ao mesmo tempo”, afirmou. Por isso, a sugestão de Loyola é que o governo priorize construções substitutas de habitações em áreas de risco. “Deveria dar atenção para áreas atingidas por enchentes. Precisa de um mapeamento disso e até utilizar uma dose maior de subsídios para resolver o problema”, disse. Nesse sentido, num futuro próximo, as famílias necessitadas poderiam ter suas casas próprias e seguras dos efeitos das mudanças climáticas.