Nos últimos 48 anos, período no qual atuou em empresas do porte de Volkswagen, Autolatina, Santander Banespa, além de ter chefiado o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Miguel Jorge, 66 anos, se tornou um interlocutor privilegiado de personalidades de proa no cenário político-econômico brasileiro. Foi figura-chave nas negociações envolvendo o setor automotivo e os metalúrgicos da região do ABC, em São Paulo. Também se destacou no debate que deu origem à Câmara Setorial, em 1992, que reunia trabalhadores, montadoras e o governo. 

Foi o primeiro acerto do gênero no País e se tornou parâmetro para a nova política industrial brasileira, que pressupõe a redução de impostos em troca da garantia de um determinado nível de produção e empregos. No melhor estilo ganha-ganha. O desempenho de Jorge no segmento chamou a atenção dos controladores do Banco Santander, que logo após a compra do Banespa convidaram-no para atuar como superexecutivo no Santander Banespa. Sob seu comando ficaram as vice-presidências de recursos humanos, assuntos corporativos e jurídicos. A desenvoltura com que Jorge trafegava pela esfera industrial e financeira funcionou como uma espécie de passaporte para o ministério. No cargo, ocupado entre março de 2007 e dezembro de 2010, ele batalhou pela indústria nacional e pela abertura de novos mercados para os produtos brasileiros no Exterior. 

 

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“Na Europa não se veem carros chineses” – Miguel Jorge, ex-ministro do Desenvolvimento e conselheiro da MAN

 

Agora, Miguel Jorge retorna a um dos palcos que o projetaram no meio político. O interlocutor privilegiado de sindicalistas, governos e indústria volta ao setor automotivo como vice-presidente do conselho consultivo da MAN Latin America, que fabrica os caminhões e ônibus da marca Volkswagen. E ele já tem uma bandeira: a luta contra as importações predatórias oriundas da China. ?Precisamos ficar atentos ao avanço dos chineses?, diz. ?Eles só são competitivos porque praticam o chamado dumping social. Seus custos são irreais e, além disso, as exportações ainda são subsidiadas pelo governo?, afirma. 

 

Como exemplo cita que o salário mensal médio de um metalúrgico paulista, em torno de R$ 1,8 mil, equivale ao rendimento anual de um operário chinês. Segundo ele, os dirigentes sindicais estão mais atentos a esses perigos que os empresários do setor. Prova disso, diz, foi a manifestação contra as importações de veículos chineses, realizada há duas semanas na região do ABC, em São Paulo. O protesto paralisou o trânsito na rodovia Anchieta. Para Jorge, no entanto, isso é pouco. ?Os trabalhadores já perceberam que seus empregos podem ficar em risco se houver uma invasão de produtos chineses?, afirma. ?Na Europa não se veem carros chineses.?

 

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O convite para atuar como consultor da fabricante de caminhões e ônibus foi feito por Roberto Cortes, presidente da MAN Latin America, em meados de 2009. ?Usei o fato de sermos amigos de longa data para fazer uma sondagem?, afirma Cortes, que trabalhou na Volkswagen com Jorge. A oficialização da proposta e a posse aconteceram somente em maio deste ano. A função do ex-ministro será ajudar a corporação a encarar desafios estratégicos e seguir na trilha do crescimento. Sob o comando de Cortes, a empresa se tornou a maior vendedora de caminhões do País, em 2002, posto que mantém até hoje.

 

Foram 45.318 unidades em 2010, o que lhe garantiu uma fatia de 29,1% desse nicho. Além disso, acaba de fechar um megacontrato para fornecer 2.940 ônibus para o programa Caminhos da Escola, do governo federal.  A atuação do ex-ministro na ?planície? inclui, ainda, a participação no conselho de administração de corporações, como a Tivit, da área de tecnologia da informação. Ele vai ajudar também a tocar os projetos da consultoria Barral MJorge, na qual ele divide o comando com Welber Barral, secretário de Comércio Exterior na época em que Jorge comandava o Ministério do Desenvolvimento. 

 

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Bom momento: sob o comando de Cortes, a marca Volkswagen se tornou líder no mercado de caminhões

 

Desde que deixou o governo, em 1º de janeiro, Jorge resolveu reduzir o ritmo de trabalho. ?Recebi dois convites para atuar em empresas privadas, mas não aceitei?, diz. ?Não tenho mais estrutura para cumprir expediente diário de 10 ou 12 horas.? Isso, no entanto, não significa dizer que o ex-ministro do Desenvolvimento pretenda cultivar o dolce far niente. Muito pelo contrário. O período em que esteve em quarentena, entre janeiro e abril, foram os mais estressantes de sua vida. Saiu de Brasília direto para uma temporada de um mês em Maraú, uma vila de pescadores perto de Ilhéus, litoral sul da Bahia.

 

De volta a São Paulo, Jorge sentiu o peso da rotina. ?Acordava às 6h da manhã, fazia a barba, tomava café, lia os jornais e três horas depois já não tinha mais o que fazer?, conta. ?Sentia-me um verdadeiro vagabundo. Vinha de um período de quatro anos, em um regime de trabalho de cerca de até 14 horas por dia. É difícil parar totalmente.? A proximidade com o poder fez com que ele colecionasse também inúmeras histórias. Os causos, Jorge pretende reunir em um livro que será lançado em breve. Mas antes disso, ele terá muitas outras histórias para colecionar no setor automobilístico. Afinal, Jorge está de volta à ativa com uma nova bandeira.

 

 

ENTREVISTA:

 

?Nunca me liguei em poder?

 

O ex-ministro do Desenvolvimento e agora conselheiro da MAN Latin America recebeu a DINHEIRO para a seguinte entrevista exclusiva:

 

O sr. sente saudade da época em que era ministro do Desenvolvimento e do prestígio que o cargo lhe conferia?

De jeito nenhum. Como sou jornalista de formação, sempre vi o cargo como uma chance de fazer um trabalho em prol do País e não pelo lado pessoal. Nunca furei fila em aeroporto e quando descobri que havia um elevador privativo no ministério mandei tirar a placa e liberar o acesso a todas as pessoas. 

 

Qual foi, na sua opinião, seu maior legado à frente do ministério?

Graças à colaboração da equipe de técnicos, pudemos estabelecer as bases para o processo de desoneração tributária do setor produtivo. Isso foi vital para que o País pudesse minimizar os efeitos da crise econômica global, que eclodiu em setembro de 2008. Esse foi o embrião da nova política industrial que está sendo implantada no País e cujos desdobramentos veremos ao longo do governo Dilma.

 

No front externo ficou clara sua obsessão pela abertura de novos mercados, especialmente nos países da comunidade árabe?

Sem dúvida. Para se ter uma ideia, em 15 de novembro, quando já estava prestes a deixar o governo, liderei uma missão comercial para os Emirados Árabes e outros países da região. Essas viagens renderam bons frutos para o Brasil. Tanto que as vendas para a comunidade árabe cresceram de US$ 8 bilhões, em 2004, para US$ 20 bilhões no final do ano passado.

 

O sr. volta ao setor automotivo em uma situação totalmente diversa da década de 1990, marcada pela abertura do mercado.

Aquela época foi um período difícil para a indústria. A abertura do mercado foi feita de forma atabalhoada, sem que o Brasil colhesse qualquer dividendo no cenário internacional. De qualquer forma, o processo forçou a modernização do setor. Demos um salto inimaginável em termos globais e hoje somos um dos maiores mercados do mundo. 

 

Hoje, as indústrias automotivas estão mais bem preparadas para a concorrência?

Desde que ela aconteça em bases de mercado, sem dúvida.

 

Como assim?

Estou falando dos carros vindos da China. O país não se comporta como uma economia de mercado e ainda pratica o dumping social. Os salários são aviltantes e as exportações ainda são subsidiadas. É por isso que eles conseguem praticar preços tão baixos. As indústrias e os sindicatos devem ficar atentos a isso. Na Europa você não vê carros chineses. 

 

Este seria o único problema?

Não, tem ainda a questão estrutural. A mobilidade no Brasil ainda é bastante prejudicada pela infraestrutura deficiente, por falta de planejamento. Fala-se que existem muitos automóveis, mas o problema é que faltam vias de acesso. Tente andar de metrô em São Paulo na hora do rush, é quase impossível e não dá para dizer que tem muitas pessoas. O que temos é metrô em quantidade insuficiente. São Paulo é uma cidade estrangulada porque a prefeitura não faz as obras necessárias.

 

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