14/09/2013 - 7:00
Ao entrar em uma reunião na Cielo, empresa de transações eletrônicas e dona das famosas maquininhas de cartão de crédito, pode ser que você seja convidado a deixar o celular na cabeceira da mesa. A medida é imposta pelo presidente da companhia, Rômulo Dias, sempre que o assunto da reunião é importante. “Tem hora que você precisa se concentrar”, afirma Dias. “Às vezes eu falava e o pessoal ficava só de olho no celular.” Ao contrário do que essa prática possa dar a entender, Dias não é um executivo desconectado, também conhecido como ludista por sua aversão à tecnologia. Ele afirma que os smart-phones trouxeram muito mais produtividade e flexibilidade.
Sempre alerta: O CEO da Cielo, (último à dir.), com seus funcionários na foto, diz não resistir
à tentação de ler as mensagens do trabalho, não importa a hora
E, apesar de suas exigências nas reuniões, Dias admite que sofre de uma espécie de crise de abstinência quando fica longe de seu celular. “Tem horas que a luzinha vermelha do BlackBerry (sinal de nova mensagem) é irresistível.” O presidente da Cielo é um exemplo da relação ambígua que os executivos têm com a tecnologia, conforme mostra a pesquisa da consultoria britânica de recursos humanos Hays, realizada com exclusividade para a DINHEIRO. De acordo com o estudo, que ouviu 1.054 pessoas, fica claro que, embora os executivos se sintam mais produtivos desde o advento dos celulares com acesso à internet, eles reconhecem (e reclamam) que trabalham mais, até mesmo nas férias (veja gráfico ao final da reportagem).
Isso motiva até mesmo queixas familiares, na maioria dos casos. “Minha mulher, felizmente, é tranquila, mas ela sabe que divide a cama comigo e com o meu celular”, afirma Dias. Por mais que o executivo tenha falado em tom de brincadeira, pesquisas comprovam que o celular vicia ao ponto de as pessoas o quererem sempre por perto, como se fosse o precioso anel de O Senhor dos Anéis. “As pessoas olham e tocam o celular inutilmente diversas vezes no dia”, afirma a professora e pesquisadora da FGV Ana Paula Borges, que é autora de uma tese de doutorado sobre celulares na vida dos executivos. “Essa relação só eleva o nível de ansiedade.”
Limites: Michel Mertens, da Basf, admite que precisaria ter mais disciplina
para separar o lado profissional do pessoal
O americano Nicholas Carr, autor do livro O que a Internet Está Fazendo Com Nossos Cérebros, vai além. Num artigo publicado no site Edge.org ele afirmou estar preocupado com a sensação de aceleração do tempo feita pela tecnologia. “Estou ciente de que minha própria percepção de tempo foi alterada pela tecnologia”, escreveu Carr. “Se eu usar um computador ou conexão web um pouco mais lentos que os meus, mesmo que por questão de segundos, acho a espera quase intolerável.” O imediatismo da comunicação em tempo real atinge em cheio os profissionais em cargos de chefia, que devem tomar diversas decisões ao longo do dia. “É quase obrigatório responder quando se recebe algo importante da empresa”, diz Alberto Toni, vice-presidente de finanças da cervejaria holandesa Heineken no Brasil.
“Não existe mais sábado, domingo ou noite, tudo é para ontem.” Ele trabalha com dois celulares: um BlackBerry para os e-mails e um iPhone para usar aplicativos. “A tecnologia hoje é parte integrante da nossa vida”, afirma Toni. “É inútil se opor.” Pesquisa global obtida com exclusividade pela DINHEIRO, da americana Progress Software, especializada em programas de gestão e finanças, mostra que Toni tem razão. Há uma tendência global de as empresas pensarem uma estratégia à mobilidade. Pratica-mente um terço (29%) das empresas já começou um projeto de mobilidade e 42% pretendem começar em 2014. Para Marcos Primo, diretor da Progress Software no Brasil, o crescimento do uso de celulares de forma estratégica é um caminho natural.
Senso de urgência: Alberto Toni, vice-presidente da Heineken, tem dois celulares
e a sensação de que é tudo para “ontem”
“Aplicações móveis têm um ciclo de vida mais rápido de implementação, o que permite maior adaptabilidade com os dinâmicos requisitos de negócios.” Outra consequência dessa onda irrefreável é o fim da delimitação entre casa e escritório. Os mesmos aparelhos usados para trocar mensagens com os chefes, colegas e subalternos são usados para tirar fotos do aniversário dos filhos. “Hoje é normal responder e-mails da empresa pelo celular enquanto espero um filme começar”, afirma Ana Paula. Essa mistura de horários fica ainda mais acentuada no caso das multinacionais. “Com pessoas em outros fusos, você pode ser chamado a qualquer momento, de dia ou de madrugada”, afirma Michel Mertens, vice-presidente de produtos de performance e construção para a América do Sul da empresa alemã Basf.
Para ele, a solução seria estabelecer mais regras para separar os campos, mas ele reconhece ser missão quase impossível. “Infelizmente, a única disciplina que tenho é nas férias e quando vou dormir, momentos em que consigo desligar tudo”, diz. A psicóloga e mestre em administração de empresas Meiry Kamia aponta que a solução para esse problema é o executivo acostumar sua equipe a somente solicitar atenção quando realmente necessário. “É igual educar criança.” Além dos smartphones e, em parte, por causa deles, outra tendência irrefreável são as redes sociais. O LinkedIn, especializado em contatos profissionais, parece ser o favorito, com 93,8% dos entrevistados dizendo acessà-lo uma vez por dia.
Porém, o Facebook, cuja vocação varia do político a fotos de gatinhos, vem logo em seguida, com 76,5%. Um dos que dizem manter um perfil ativo no site é Marcello Lauer, diretor-superintendente da fabricante de suplementos alimentares Nutrilatina, de Curitiba. “É uma ótima ferramenta de contato”, diz Lauer, que mantém o chat do site desligado. Para o escritor e professor Marcus Garcia de Almeida, autor do livro Pedagogia Empresarial – Saberes, Práticas e Referências, os executivos ainda estão penando em se adaptar ao mundo pós-Facebook. “A maioria já entendeu a importância de se mostrar conectado, porém muitos passam a tarefa de atualizar o perfil para a secretária”, afirma Almeida. “A massificação do uso da tecnologia vai forçar que eles repensem a própria dinâmica do cotidiano, tanto pessoal quanto profissional.”