25/04/2012 - 21:00
Em 1872, o Departamento Geral de Estatísticas, criado durante o império de Dom Pedro II, levantou a informação de que os Estados Unidos do Brasil somavam quase dez milhões de habitantes, em sua maioria concentrada nas províncias do Distrito Federal (274 mil habitantes) e Salvador (129 mil). São Paulo contava, então, com 31 mil moradores. Naquela época, os recenseadores assinalavam, ainda, em suas pranchetas quantos escravos havia em cada residência ou propriedade, no País, realidade que sobreviveu até a assinatura da Lei Áurea, em 1888. O Departamento foi o embrião do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que seria fundado oficialmente em 1938, durante o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945).
De lá para cá, o IBGE foi testemunha das intensas transformações vividas ao longo de quase um século de história no Brasil: a mudança de sociedade rural para urbana, o aumento de expectativa de vida e a explosão demográfica no País. De 650 municípios passamos para 5.550 municípios, e, em 2010, a população superou os 190 milhões de pessoas. Com o advento da tecnologia e a expansão da atividade econômica a partir dos anos 1990, a metamorfose social brasileira foi ficando ainda mais evidente. Agora, o IBGE corre para acompanhar, em ‘tempo real’, os novos hábitos e se reiventar . “A mudança da realidade nos obriga a transformar nossas estatísticas”, diz Wasmália Bívar, presidente do instituto. Desde setembro do ano passado no cargo, Wasmália é mais um indicador de que o País vive novos tempos: natural de Manaus, ela é a primeira mulher no comando do órgão, no qual ingressou há 25 anos.
Cabe a ela liderar a atualização de pesquisas tradicionais, como o Censo populacional, que desde 1890 era realizado de dez em dez anos. Uma nova metodologia começou a ser testada, para que algumas informações do estudo sejam atualizadas por amostragem, anualmente, em pelo menos 20% do território nacional. A pesquisa completa, de qualquer forma, passará a ser atualizada a cada cinco anos, reduzindo o intervalo anterior, de modo a acompanhar mais de perto as transformações na sociedade brasileira. “Antes tudo mudava mais lentamente”, afirma Wasmália. “Hoje, as tecnologias mudam e alteram os hábitos numa velocidade muito grande.” Basta observar como alguns bens duráveis foram praticamente aposentados, como o freezer, vedete na época da inflação galopante dos anos 1980 e 1990, quando as famílias eram obrigadas a estocar alimentos para defender-se da corrosão do seu dinheiro.
Ou, mais recentemente, o aparelho de DVD, que perdeu espaço para a tevê a cabo. Outro levantamento que se adapta aos novos tempos brasileiros é a Pesquisa Mensal de Emprego, que passa a mapear o mercado de trabalho em todos os Estados, em vez das seis maiores regiões metropolitanas do País, como foi praxe desde o ano da sua criação, em 1980. Há três meses, pesquisadores começaram a testar uma nova metodologia, que será empregada em 3.328 municípios de todos os Estados, de modo a ter um quadro mais fiel da atividade econômica a partir de 2013. “Nosso grande desafio é garantir os meios de levantar com mais frequência as informações deste país, em que 75% dos municípios têm até 20 mil habitantes”, diz Wasmália.
Wasmália, do IBGE: “A mudança da realidade nos obriga a transformar nossas estatísticas”.
A base para a mudança é a Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar (Pnad), que já incluía informações do mercado de trabalho, e agora vai ajudar a refinar a qualidade do estudo. A administração do tempo, por exemplo, passará a ser monitorada, de modo a conhecer ainda mais os hábitos dos brasileiros. “Queremos saber quantas horas estamos dedicando a nossas crianças, aos idosos, a atividades de lazer, assim como o tempo gasto com o deslocamento para o trabalho”, diz Wasmália. Com mais de 200 pesquisas divulgadas por ano, a presidente do IBGE reconhece a responsabilidade de balizar políticas públicas e, por tabela, fornecer elementos para a estratégia de negócios das empresas privadas, ao detalhar os hábitos da sociedade. A constatação do crescimento da obesidade na população, nos últimos anos, é um exemplo claro.
Pesquisas do instituto mostraram que, entre 1989 e 2009, o sobrepeso triplicou entre as crianças de 5 a 9 anos, atingindo um terço dessa população. O diagnóstico motivou uma política conjunta do Ministério da Educação e da Saúde para ações de conscientização na rede pública de ensino ao longo deste ano. “Temos um papel importante na correção de rota de comportamento”, afirma Wasmália. Um dos focos de atenção, atualmente, é a mudança da estrutura social para os próximos anos, quando a população jovem começa a perder espaço para os mais velhos, gerando o chamado fim do bônus demográfico – o contigente de idosos deverá superar a população mais jovem nas próximas décadas. Dessa forma, os brasileiros que vieram ao mundo entre 2006 e 2012, representarão 13,27% da sociedade, em 2030, estrato menor do que o grupo que terá mais de 65 anos nesse ano (13,33%).
Hoje a proporção de brasileiros na faixa dos 18 a 24 anos é de 17,4%, e os mais velhos somam 6,83%. “Isso deve mudar a natureza dos serviços públicos”, afirma Wasmália. “Precisaremos de menos escolas infantis, por exemplo, e de mais projetos urbanos de acessibilidade.” Em 2050, a diferença entre os dois grupos será ainda mais expressiva: o número de idosos será o dobro do de jovens. Outra preocupação latente é a preservação de recursos naturais, como a água, que tendem a ser mais disputados num futuro próximo. Essa perspectiva levou o IBGE, por exemplo, a produzir estatísticas para criar a Conta Nacional da Água, um inventário ambiental do País.“ A água é um bem que ficará cada vez mais escasso” diz Wasmália. “Por isso, precisamos monitorar essa conta.”