Foi um marco. Há dois anos, os contratos de Tarcísio Meira e Glória Menezes, após 53 anos, não foram renovados pela Globo. De lá para cá, muitos outros foram reformulados no entretenimento, no esporte e no jornalismo, as três linhas de produtos da casa. Centenas de artistas deixaram de ter vínculo ou exclusividade com a emissora. Dezenas de jornalistas, alguns com décadas de serviços prestados à empresa, saíram da TV comandada pela família Marinho, fosse em comum acordo ou por rompimento das relações trabalhistas. Uma grande reformulação feita a partir de um mercado em transformação, para que a companhia volte a ser rentável.

Desde 2015, quando lucrou R$ 3 bilhões, as margens foram diminuindo até as contas fecharem no vermelho no ano passado: prejuízo de R$ 173,8 milhões. Agora, o atual processo de reestruturação ­— que antes teve a unificação da operação dos negócios do grupo em projeto chamado Uma Só Globo, a partir de 2018 ­— entra em uma nova etapa, com investimentos pesados em produção de conteúdo, em torno de R$ 6 bilhões neste ano, acima dos R$ 4,5 bilhões do ano passado, e R$ 1,2 bilhão em tecnologia, mesmo patamar de 2021. É hora de colocar o novo plano em prática e fazer valer para a própria empresa os versos da canção Um Novo Tempo, eternizada nas vinhetas de fim de ano da emissora. “Hoje é um novo dia, de um novo tempo que começou (…) Esses nossos sonhos serão verdade, o futuro já começou”, diz a música.

É o que espera Paulo Marinho, diretor-presidente do Grupo Globo, que assumiu o posto em 1º de fevereiro — antes, o neto de Roberto Marinho era diretor de canais e sua ascensão também faz parte da reformulação. “Continuamos investindo bastante na construção do futuro da Globo, para os próximos cinco, dez, 20 anos. É a prioridade”, afirmou o executivo à DINHEIRO no dia 14, logo após anunciar a Agenda ESG do grupo, em evento na sede da TV em São Paulo. “Tudo que estamos fazendo está muito bem planejado. Temos período de investimento forte, de dois ou três anos, e depois retomada importante em relação aos resultados.”

No primeiro trimestre deste ano já houve recuperação. Foram R$ 3,274 bilhões de faturamento (13% superior ao do mesmo período do ano passado), com lucro de R$ 367 milhões. Ressalte-se que entram nessa conta as receitas do Big Brother Brasil (BBB), um dos programas mais rentáveis da casa. Para José Alves Trigo, professor de Jornalismo na Universidade Mackenzie e doutor em Análise do Discurso, a reestruturação interna da Globo reforçou o que tem se chamado de “infotenimento”, neologismo da soma das palavras informação e entretenimento. “A empresa mudou a forma de contratação por questões de mercado e de leis trabalhistas. Também reformulou programas. Sem perder sua relevância.”

FIM DE CONTRATOS Estrelas como Tarcísio Meira e Glória Menezes tiveram sua relação com a empresa encerrada, depois de 53 anos. (Crédito:Divulgação)

BOLSONARO As dificuldades nos últimos anos, com queda nas margens de lucro, foram atreladas por setores do mercado de comunicação à relação conturbada com o governo Jair Bolsonaro, que desde que assumiu o Palácio do Planalto em janeiro de 2019 fez minguar peças publicitária na TV dos Marinho ­— o dinheiro de mídia federal voltou a crescer recentemente. Mas, na prática, o que se viu foi aumento das receitas. De 2018 a 2021, o faturamento passou de R$ 10 bilhões para R$ 14,1 bilhões, salto de 40%. O lucro diminuiu nesse período por causa da elevação dos custos operacionais e da dívida, que passou de R$ 3,3 bilhões quatro anos atrás para R$ 5,7 bilhões em 2021. Houve ainda problemas na venda de publicidade de eventos esportivos, como o Campeonato Brasileiro de 2020, que ficou parado em razão dos protocolos da pandemia.

No caminho, a Globo perdeu os direitos de transmissão da Libertadores da América em 2020 e 2021 para o SBT, que vem batendo recordes de audiência com a competição, o que tem deixado o sorriso de Silvio Santos mais largo. A expectativa de sucesso ainda maior é gigante com a próxima fase do torneio (quartas de final), de 2 a 11 de agosto, com a realização dos clássicos brasileiros entre Flamengo x Corinthians e Atlético-MG x Palmeiras. Mas é um ponto fora da curva. De maneira geral, as concorrentes não aproveitaram o momento instável da Vênus Platinada. A Globo, inclusive, retomou os direitos da Libertadores de 2023 a 2026.

NOVOS NEGÓCIOS A Globoplay recebe atenção especial. Segundo Paulo Marinho, “é o carro-chefe na estratégia B2C” do grupo. Produções como a série Sob Pressão, na quinta temporada, e o documentário Doutor Castor — sobre o mais famoso bicheiro brasileiro — têm angariado novos assinantes. Novelas de streaming, exclusivas para o Globoplay, é outra tendência que será acentuada. Depois de Verdades Secretas 2, a empresa estreia ainda neste ano Todas as Flores, trama que envolve uma deficiente visual maltratada pela mãe. A terceira produção nesse formato é Guerreiros do Sol, releitura da história de Lampião e Maria Bonita que deve entrar na plataforma até 2024. Com isso, a base de clientes do streaming se expande. Em 2021, houve crescimento de 74% na receita — ainda sem lucro, segundo fontes do mercado — e 35% a mais na base de assinantes — os números totais não são divulgados.

VENDAS NO B2C Novela Pantanal foi vendida para a Paramount, que irá exibi-la em países da América do Sul. (Crédito:Paulo Belote)

Em novos negócios, destaque também para a Globo Ventures, empresa criada em 2019 para investir em projetos inovadores. Já são 28 startups, nas mais diversas áreas, entre elas Alice, Buser, Enjoei, Idwall, Kovi, Olist, QuintoAndar e Stone. O professor Trigo observou que esse movimento “é uma boa saída para os players de mídia”. Segundo fontes da Globo, essa linha de atuação já traz resultados financeiros positivos. Com relação a produtos tradicionais, a novela Pantanal tem sido importante para atrair anunciantes e foi negociada com a Paramount para exibição em países da América do Sul. A produtora teria desembolsado US$ 10 milhões. Ao mesmo tempo em que aposta em inovação fora de sua estrutura e também em seu core, o grupo se desfaz de ativos que dão prejuízo. Em março foi concluída a venda da Som Livre para a Sony Music.

CONCESSÃO O plano para os próximos anos passa por um ato importante em outubro. E não falamos de eleição. É a renovação do período de concessão pelo governo federal. A companhia prepara a documentação, que será enviada ao Ministério das Comunicações. A Pasta encaminha um parecer à Presidência da República, que também analisa a solicitação. Depois, tudo é enviado para o Congresso Nacional, que define se libera ou não a concessão. Bolsonaro disse em fevereiro à Rádio Tupi, do Rio, que tem “informações de que eles [Globo] vão ter dificuldades”. À DINHEIRO, Paulo Marinho disse estar tranquilo. “A Globo é uma empresa responsável e vem se aprimorando em termos de governança ao longo do tempo. A gente não tem nenhuma questão com relação à renovação da concessão que nos preocupe.” Para um novo tempo no Grupo Globo se concretizar.