12/11/2021 - 11:30
Paulo Guedes, depois da vitória de Jair Bolsonaro, em 30 de outubro de 2018: “O Mercosul não é prioridade. Não, não é prioridade. Tá certo? É isso que você quer ouvir? Queria ouvir isso? Você tá vendo que tem um estilo que combina com o do presidente, não é? Porque a gente fala a verdade, a gente não tá preocupado em agradar.” O mesmo Guedes, há quase três anos completos como ministro da Economia, com inflação galopante, em 8 de novembro de 2021: “Criamos o Mercosul como uma ferramenta. Tivemos uma visão antecipatória e criamos uma belíssima ferramenta para auxiliar a integração competitiva da nossa região na economia global. É justamente essa oportunidade que transforma nosso mercado em extraordinariamente atraente e, ao mesmo tempo, moderno, para que sigamos no projeto de integração global.” O que mudou entre uma fala e outra? A inflação. Em outubro de 2018, segundo o IBGE, houve alta de 0,45% nos preços e avanço 4,56% em 12 meses. Três anos depois, o mesmo indicador apontou incremento mensal de 1,25%, batendo em 12 meses estrondosos 10,67%.
Sem ter controle das decisões do Banco Central, evitando interferir nos preços da Petrobras e com São Pedro ajudando pouco com as chuvas, restaram poucas ferramentas para o governo para contenção dos preços administrados medidos pelo IPCA. Então a estratégia de Guedes foi olhar para o bloco que tantas vezes desdenhou nos últimos anos. Na sexta-feira (5), o primeiro passo foi dado. O governo brasileiro anunciou a redução em 10% das tarifas de importação de aproximadamente 87% dos bens importados. E os membros do Mercosul são grandes produtores de insumos como trigo, arroz, leite e carne — alguns dos maiores vilões da inflação. A decisão do Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (Camex) tem validade até o dia 31 de dezembro de 2022. Em nota conjunta, os Ministérios da Economia e das Relações Exteriores, informaram que “a medida se justifica pela situação de urgência trazida pela pandemia de Covid-19 e pela necessidade de poder contar, de forma imediata, com um instrumento que possa contribuir para aliviar seus efeitos negativos sobre a vida e a saúde da população brasileira”.
Se for verdade, a decisão chegou com atraso. A pandemia já corrói a atividade econômica há quase dois anos e a inflação está descontrolada e alojada na economia há mais tempo do que a Covid-19. Mesmo assim, Guedes diz haver tempo hábil. “Gostaríamos de dar um choque de oferta, facilitar a entrada de importações para dar uma moderação nos reajustes de preços. É o momento ideal para fazer uma abertura, ainda que tímida, da economia”, afirmou, na Conferência de Comércio Internacional e Serviços do Mercosul, promovida pelo Conselho de Câmaras de Comércio do bloco.

Com a decisão, um produto que paga 12% para entrar no Brasil pagará 10,8%. Segundo o Ministério da Economia, a Tarifa Externa Comum (TEC) média do Mercosul está em 13%, contra a média de 4% e 5% registrada no restante do mundo. Por ser uma união aduaneira, o Mercosul taxa a maioria dos produtos de fora do bloco de forma igual por meio da TEC, eliminando as tarifas internas na circulação desses bens entre os países do bloco. Além de produtos com tratamento especial, cada país pode estabelecer uma lista com até 100 exceções.
POUCO EFEITO Além de fora do timing, a decisão do governo não deve surtir efeitos práticos na economia porque a inflação não tem sido alimentada pela falta de oferta, mas pela questão do câmbio. Para a economista-chefe do banco Ourinvest, Fernanda Consorte, o problema está na má gestão. “Claramente, essa volatilidade se dá pela má administração do País”, disse. “Dólar a R$ 5,50 é um patamar muito alto.”
Para André Braz, pesquisador do Ibre-FGV, a medida pode ter um impacto oposto do pretendido por Guedes. Um exemplo seria na colheita do feijão, em que o pequeno produtor teve aumento de despesas com fertilizantes e frete, precificados em dólar, e não consegue reduzir o preço. Ele diz que a chegada de um importado mais barato pode inviabilizar o negócio desse produtor, o que reduziria a oferta e elevaria os preços. Além disso, o pesquisador explica que, se de um lado a redução dos impostos beneficia alguns segmentos, por outro pode abrir um buraco que vai gerar maior incerteza na economia. “E essa própria incerteza alimenta o câmbio, que aumenta a inflação”, disse Braz. Nesse cenário, o Mercosul que era um problema para Guedes, depois virou aliado no combate à inflação, pode se tornar uma pedra ainda maior no sapato.