Na Olimpíada do Rio de Janeiro, é fácil perceber a distinção da equipe americana de basquete, o time dos sonhos. Basta olhar para o mar, no Pier Mauá, e identificar o transatlântico que hospeda a única seleção instalada sobre águas do torneio, responsável por elevar para 500 funcionários o esquema de segurança da região. Pelo menos até a semifinal, o título de dream team, sustentado desde o arrasador desempenho de 1992, foi confirmado com uma campanha invicta do time. Em Brasília, a mais de 1.000 quilômetros dali, outro grupo campeão, comandado pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, tem de suar a camisa para provar seu favoritismo na reconquista mais importante do Brasil nas últimas duas décadas: a medalha de ouro da estabilidade econômica.  O dream team de Michel Temer, por ora, ostenta uma pequena vantagem em suas atuações na arena onde as grandes disputas acontecem, o Congresso Nacional. Porém, perdeu pontos importantes em disputas recentes, nas quais teve de fazer concessões no formato do ajuste fiscal. Os recuos táticos suscitaram uma dúvida: até onde o grupo vai resistir à pressão dos políticos gastões?

Experiência, talento e força, o time de Meirelles já provou que tem. Ao lado de nomes como o de Ilan Goldfajn, presidente do Banco Central, o atleta Meirelles sabe o que tem de fazer para derrotar o adversário da inflação. No governo Lula, ele se consagrou como um grande banqueiro central e guardião do real. Naquela época, foi um dos principais nomes na vitoriosa campanha internacional que trouxe os jogos olímpicos ao Rio de Janeiro. Hoje, Meirelles está mais para um ginasta como Arthur Zanetti, medalha de prata nas argolas na Rio 2016, do que para um cestinha de basquete: precisa encontrar o equilíbrio entre a vocação econômica e as manobras políticas para torná-las viáveis. Os projetos na pauta são amargos, considerados necessários para recompor as contas públicas e afastar a desconfiança sobre desequilíbrios futuros, estimulando investimentos e uma retomada mais consistente da atividade. Em sua maioria, são temas que precisam de quórum qualificado no Congresso – três quintos dos votos –, como a reforma da Previdência e o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) que limita os gastos do governo federal.

Dado o histórico recente, a dúvida é saber se o preço a ser pago nas negociações pode comprometer a eficácia do objetivo central do governo. Na votação do projeto de renegociação das dívidas dos Estados, na quarta-feira 10, a retirada do veto a reajustes salariais e à contratação de novos servidores como contrapartida ao acordo foi considerada uma derrota da equipe econômica por alguns analistas. “O governo conduziu mal as negociações e acabou cedendo mais do que devia”, afirma o cientista político Ricardo Ribeiro, da MCM Consultores. “A agenda do ajuste é a única que o governo tem. Se abrir mão dela, não vai a lugar nenhum.” Meirelles rebateu as críticas argumentando que a limitação de gastos pelo teto traria o mesmo efeito, na prática. “A contrapartida importante é o teto”, afirmou Meirelles. “O importante é que todos cumpram o teto, seja no governo federal, nos demais poderes ou nos governos estaduais.” A mudança, porém, deixa os governadores mais sujeitos às pressões salariais do funcionalismo, levando-os a efetuar cortes de despesas em outras áreas importantes, como investimentos em infraestrutura. A esperança do governo Temer é derrubar as emendas no Senado. Até lá, terá de resolver outra frente de pressão: o pedido de governadores de Norte, Nordeste e Centro-Oeste para incluir um reforço nos repasses do Fundo de Participação dos Estados (FPE) no texto. Sentido-se prejudicado com a negociação, o grupo foi ao Senado, na terça-feira 16, para cobrar uma compensação. A  pressão remete ao episódio das negociações de reajuste dos servidores do Judiciário, em julho, quando o governo acabou cedendo e teve de arcar com o aumento de até 41% nos salários, a um custo adicional de pouco mais de R$ 50 bilhões aos cofres públicos.

Até agora, o voto de confiança do mercado vem se sustentando em promessas e intenções, mas há um limite para a tolerância. O temor é que Meirelles possa se tornar vítima de uma condição enfrentada pelo ex-ministro Joaquim Levy, que não conseguiu impor a pauta de ajuste devido à hostilidade política às medidas, inclusive do principal partido governista na ocasião, o PT. A seu favor, o atual chefe da Fazenda não enfrenta o mesmo fogo amigo e tem o apoio do presidente Temer, mas o caminho é árduo e Meirelles experimenta uma exposição perigosa em meio aos sinais de fragilidade da base aliada. Em audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), na terça-feira 16, senadores expressaram a assessores da Fazenda seu descontentamento com a desvinculação dos percentuais mínimos destinados a saúde e educação, na proposta que limita os gastos públicos. “Em vez de termos priorizado os funcionários dos três Poderes, poderíamos ter priorizado educação e saúde”, disse Ronaldo Caiado (DEM-GO).

O Palácio do Planalto também teve de agir para reforçar a mensagem de compromisso com as reformas após as cobranças feitas pelo PSDB sobre a manutenção da qualidade do ajuste fiscal. O recado foi passado em jantar com senadores tucanos na quarta-feira 17.  “O presidente Michel não tem a possibilidade de errar daqui adiante”, afirmou Aécio Neves (PSDB-MG), após o encontro, em que foi acertada uma maior participação do PSDB nas decisões econômicas. “Os sinais não podem mais ser ambíguos em direção às reformas.”

Na conta das negociações, as concessões vinham sendo avaliadas como um esforço extra pelos votos necessários ao impeachment de Dilma Rousseff. “O governo Temer está fazendo um pacote de bondades para depois enviar o pacote de maldades”, afirma Francisco Fonseca, professor da FGV.  Mesmo após a confirmação, é provável que o clima político ainda reflita uma instabilidade devido às eleições municipais, em outubro. “O PMDB é o partido que tem o maior número de prefeitos, é óbvio que o Temer vai segurar para fazer o ajuste no momento certo”, diz Bruno Lavieri, da 4E Consultoria.  Só aí começaria de fato a nova gestão.  “O que a gente espera é que a essência dos projetos seja mantida, senão, a trajetória das contas públicas se torna insustentável”, afirma Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria. A expectativa é que a PEC dos gastos seja votada até o início de 2017.

Parlamentares são mais cautelosos.Lembram que o tempo da política é o possível, nem sempre o ideal, e que as concessões são parte do jogo. “Analista vê mercado financeiro, não vê realidade”, diz o senador Waldemir Moka (PMDB-MS). “No Congresso, há momentos em que não há como avançar mais para não comprometer.” Mas é preciso cuidado. Na ginástica habilidosa de Meirelles, mais do que séries isoladas o que está em jogo é a consistência da nota final do time dos sonhos. Sem o ajuste eficiente e de longo prazo das contas públicas, não haverá medalha. Nem de lata.