25/05/2011 - 21:00
Uma campanha no estilo marketing de guerrilha, assinada pela agência We, reacendeu a discussão sobre a ética da propaganda no Brasil. A prática do vale-tudo, que há tempos parecia morta e enterrada no País, ressuscitou com a estratégia de lançamento de uma cerveja desenvolvida pela We, dos publicitários Piero Motta e Fábio Rosinholi, de São Paulo. Os “criativos” da empresa partiram de uma ideia batida, o uso de belas mulheres loiras para promover a bebida.
Porém, passaram dos limites ao inventar duas personagens – as “tchecas” Michaela e Dominika – e infiltrá-las num programa de televisão, o Pânico, da Rede TV!, como se fossem personagens reais. Sem saber da verdadeira identidade das garotas, que apareceram primeiro no microblog Twitter como se fossem turistas tchecas que iriam visitar o Brasil, o Pânico veiculou oito programas com as aventuras das beldades.
As “tchecas”: as esculturais Dominika (à esq.) e Michaela
foram contratadas para promover nova cerveja, em uma ação de marketing polêmica
Lamentavelmente, os corpos esculturais, os sorrisos doces e os seios fartos das duas loiras eram parte de uma grande emboscada, idealizada pelo sócio Jader Rosseto, que iludiu o distinto público para vender uma nova marca de cerveja. As loiras, uma eslovaca e outra britânica, nem tchecas eram. Ficou no ar a pergunta: você, empresário, entregaria o marketing de seu produto a uma agência que faz esse tipo de promoção e engana o próprio consumidor-alvo? Essa é a discussão que toma conta do mercado publicitário a partir da descoberta da farsa da We.
Ao vir à tona, a tramoia levantou uma série de questionamentos éticos no mercado. Da internet à tevê, quantos consumidores perderam tempo e foram lesados pelo ardil? “Muitos internautas podem se sentir enganados”, afirma Gabriel Rossi, dono de uma consultoria de branding digital que leva o seu nome.“Isso não é bom para a reputação da empresa.” Segundo ele, uma campanha de marketing disfarçada pode gerar o efeito contrário.
Em vez de fortalecer uma marca, pode fragilizá-la. Isso vale tanto para a agência de propaganda quanto para a fabricante da bebida. Se a campanha feita pela We passa por cima da ética, quem garante ao consumidor que o produto segue as mesmas especificações de pureza e qualidade das bebidas premium da República Tcheca, que em tese inspiraram a nova marca de cerveja? Quem enganou uma vez pode enganar outras vezes.
A We, de seu lado, apela ao cinismo ao negar suas verdadeiras intenções. “Nunca pensamos em enganar ninguém, muito menos o Pânico”, diz Jader Rosseto, candidamente. Na verdade, trata-se de um legítimo trololó, como se costuma dizer. Esse tipo de conversa não se sustenta quando se analisam os vídeos bolados pela agência para celebrar a armadilha. Neles, Michaela e Dominika comemoram o fato de terem enganado o pessoal do Pânico, dizendo que se tratava de uma espécie de “troco” ao quadro “O Impostor”, no qual um integrante do programa se infiltra em festas e eventos.
Cenas de uma farsa: Sabrina Sato (acima à dir.), a estrela do Pânico, foi uma das vítimas do trololó armado pela agência We
Humor, é bom lembrar, não se confunde com uma estratégia de marketing de mau gosto. O descontentamento geral pode parar nos tribunais. Por que exatamente o Pânico foi o alvo da estratégia da We? É que, além da audiência – o programa marca mais de dez pontos no Ibope –, o show de humor e irreverência das noites de domingo na tevê é patrocinado pela Skol, marca líder da Ambev, a cervejaria número 1 do País. No ano passado, a Ambev desembolsou R$ 1,2 bilhão em verba publicitária, de acordo com o Ibope Monitor.
Por isso mesmo, a armadilha criou um tremendo mal-estar na emissora, temerosa de que o Pânico tenha o patrocínio cancelado. Além disso, os humoristas do programa tiveram de tirar o quadro com as duas loiras do ar. A forma atrapalhada que marca o lançamento da cerveja em questão não contribui em nada para a valorização da propaganda brasileira, considerada uma das mais originais do planeta e premiadíssima nos grandes eventos da categoria, como o Festival de Cannes, na França. Tampouco ajudará no aprimoramento da relação empresa-consumidor, perseguida pelas agências de primeira linha. Definitivamente, com a campanha das “tchecas”, a agência We liberou tudo, menos a criatividade e o bom-senso.