14/11/2012 - 21:00
Na semana passada, a executiva Isabel Moises, vice-presidente de recursos humanos da Heineken no Brasil, seguiu a recomendação da empresa para alterar seu trajeto diário pelas ruas de São Paulo, evitando, com isso, situações de risco, diante da escalada de violência que assolou a capital paulista. A guerra declarada entre a Polícia Militar e o crime organizado já matou mais de 150 pessoas, nas últimas semanas, número superior ao total de vítimas do furacão Sandy nos Estados Unidos, no começo de novembro, que matou 70 americanos. O assassinato de policiais e civis, e de integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC), repetiu-se diariamente, trazendo uma sensação de medo e impotência, que mudou tanto a rotina dos moradores da cidade, a exemplo de Isabel, assim como a de muitas empresas.
Violência desenfreada: a guerra entre a polícia militar e o crime organizado
já matou mais que o furacão Sandy, nos Estados Unidos
No dia 31 de outubro, por exemplo, as faculdades Estácio de Sá e Unip, na zona leste, que tem sido palco de tiroteios frequentes, liberaram seus alunos dos cursos noturnos, depois dos boatos de ataques na região. Poucos dias antes, os diretores de uma das maiores multinacionais do setor de serviços, instalada em Alphaville, na Grande São Paulo, viram-se obrigados a liberar 300 funcionários, por volta das oito da noite, depois de um aviso de toque de recolher. “O pânico tomou conta do ambiente e a equipe foi liberada duas horas antes do fim do expediente”, diz um dos coordenadores do grupo dispensado, que preferiu não se identificar. “A empresa teve de arcar com o prejuízo, mas tínhamos de zelar pela vida das pessoas.”
Trata-se de uma triste equação. O descontrole do crime na cidade mais rica do País afeta a realidade financeira tanto da multinacional de Alphaville, como a do taxista Carlos Catani. Com medo, Catani se viu obrigado a reduzir a jornada de trabalho. “Quando começa a escurecer já vou para casa”, afirma. Em busca de soluções imediatas, o governador Geraldo Alckmin e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, se reuniram em São Paulo, na terça 6. De prático, a decisão de transferir chefes do PCC para presídios federais, a promessa de uma maior vigilância nas fronteiras, além da criação de uma agência integrada de inteligência para melhorar a gestão da segurança pública.
Zhang Dongxiang, do Banco da China: ”O Brasil recebe muitos investimentos
chineses, mas poderia receber mais”
A taxa de homicídios em São Paulo é de 10,9 vítimas a cada 100 mil habitantes, metade da média nacional. Porém, o crime organizado obriga empresários de alta visibilidade, como Abilio Diniz e Michel Klein, sócios da Via Varejo, a investir numa estrutura extremamente pesada e cara para circular com certa tranquilidade. No grupo Pão de Açúcar, controlador da Via Varejo, os gastos com segurança dos empresários são muito elevados. Diniz, que viveu um traumático sequestro, em 1989, investiria R$ 23 milhões por ano com um aparato de segurança, e a família Klein, R$ 75 milhões anuais. Numa década, seria R$ 1 bilhão subtraído dos resultados do grupo.
A violência torna-se, portanto, mais um item do chamado custo Brasil, expressão criada para definir distorções que não são encontradas em outros países, e que encarecem os negócios feitos aqui. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 2009, concluiu que o Brasil gasta, em média, 5% do PIB com gastos em segurança, na esfera pública e privada – nada menos do que R$ 200 bilhões em números de dezembro de 2011. “Esse valor pode chegar a 10% do PIB, segundo o Banco Mundial”, afirma o especialista em segurança José Vicente da Silva Filho, de São Paulo. Sob o olhar internacional, o custo da violência nos negócios coloca o País na 122ª posição entre 144 nações pesquisadas pelo World Economic Forum.
A portuguesa Isabel Moises: “Na Europa, não se oferece
carro blindado para os executivos”
Na prática, essa estatística intimida novos investimentos estrangeiros, principalmente daqueles países que recém estão descobrindo o País. Muitos empresários chineses, por exemplo, colocam a falta de segurança como um fator de impedimento para vir para cá. “O Brasil recebe muitos investimentos chineses, mas poderia receber muito mais”, disse à DINHEIRO o presidente do Banco da China no Brasil, Zhang Dongxiang. “Nunca vi um país em que se explodem tantos caixas eletrônicos.” Não é à toa que executivos estrangeiros que vêm trabalhar no Brasil ganham compulsoriamente um pacote de “benefícios” que incluem itens como escolta e carros blindados. “Na Europa, não há esse tipo de oferta”, diz a portuguesa Isabel Moises, da Heineken.
Em âmbito nacional, a taxa de homicídios para cada 100 mil habitantes aumentou de 22,1 para 22,2, entre 2010 e 2011, segundo dados divulgados no dia 6, pelo Fórum Nacional de Segurança (leia o quadro abaixo). É intrigante notar que o crescimento médio da renda da população brasileira nos últimos anos não tenha se traduzido em queda da violência. “O fator fundamental é a impunidade”, diz José Alexandre Scheinkman, professor da Universidade Princeton, em Nova Jersey, e um estudioso do assunto. Radicado nos Estados Unidos desde a década de 1970, Scheinkman acompanhou de perto a luta contra a criminalidade em Nova York. “Aqui, atualmente, o bandido sabe que se for pego será julgado, condenado e cumprirá a pena”, afirma. “No Brasil, não.”
Colaborou: Marina Rossi