Na tarde da quinta-feira 27, quando o Palácio do Planalto finalmente confirmou a nomeação de Joaquim Levy, Nelson Barbosa e Alexandre Tombini para o núcleo econômico, o ministro Guido Mantega estava bem longe de Brasília. Em uma alteração de última hora na agenda, ele decidiu ir a São Paulo, onde costuma despachar somente às sextas-feiras. Homem forte da economia durante quase nove anos, o ministro tem evitado os holofotes desde setembro, quando a presidenta Dilma Rousseff proferiu a frase “governo novo, equipe nova” na campanha eleitoral, numa espécie de demissão antecipada.

Nas próximas semanas, Mantega terá de conviver com a existência de um Ministério da Fazenda paralelo funcionando no terceiro andar do Planalto, o mesmo da presidenta Dilma. Aos 65 anos, Mantega não quer ficar parado. Assim que for cumprida sua quarentena (quatro meses), o ministro, que é licenciado da Fundação Getulio Vargas, pode retomar as atividades como professor ou ainda atuar como consultor econômico, destino da maioria dos ex-ministros. Avaliações sobre resultados da política econômica não costumam ser unânimes, mas a bem-sucedida atuação de Mantega durante a crise de 2008 é consenso entre os economistas.

O ministro comandou a resposta do Brasil à crise financeira que começou no fim de 2008 nos Estados Unidos e levou diversos países à recessão nos anos seguintes. “Fomos o último país a entrar na crise e seremos o primeiro a sair”, afirmou o ministro em 2009. A estratégia, que incluiu estímulos ao crédito e ao consumo através dos bancos públicos e da redução de impostos, levou o PIB a cair apenas 0,2% em 2009 e a crescer 7,5% no ano seguinte. Desde 2006, a economia avançou, em média, 3,1% ao ano. “Mantega sai com um saldo muito positivo”, diz o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, no governo de José Sarney, e um dos conselheiros do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“Ele foi muito importante para tirar o Brasil da crise.” Na lista de acertos, está a sensibilidade do ministro em evitar a fórmula europeia fracassada de arrocho fiscal a todo custo, defendida pela chanceler alemã Angela Merkel. O resultado foi um longo período recessivo e uma taxa média de desemprego de 12% na zona do euro, chegando a 25% em países como a Espanha e a Grécia. “Mantega teve papel fundamental no enfrentamento da crise econômica internacional, priorizando a geração de empregos e a melhoria da renda da população”, disse Dilma, em nota oficial, ao confirmar Levy como o sucessor. As glórias do passado, porém, não eram garantia de êxito no futuro.

Após a primeira eleição de Dilma, Mantega foi convidado a permanecer no cargo. E aceitou. No entanto, a sua credibilidade foi se esvaindo à medida que as contas públicas estavam se deteriorando. “Mantega tem dois períodos distintos como ministro: o primeiro foi no governo Lula, quando manteve parte das políticas que vinham sendo adotadas e agiu para conter a crise”, diz o ex-diretor do Banco Central José Márcio Camargo. “E o segundo período, sob Dilma, em que as gorduras acumuladas com Lula foram rapidamente queimadas.” Desde março de 2010, o ministro incorporou outro desafio ao seu trabalho, a presidência do conselho de administração da Petrobras.

Por um lado, o cargo lhe proporcionou os louros da bem-sucedida capitalização da empresa de R$ 120 bilhões, a maior oferta de ações já ocorrida no mundo. Por outro, o conflito de interesses entre a necessidade da estatal de reajustar o preço da gasolina e a prioridade do País no controle da inflação colocou Mantega num eterno dilema. Mas foi na macroeconomia que o seu prestígio foi diminuindo. O esgotamento da chamada “nova matriz macroeconômica”, que consiste em juros mais baixos, câmbio mais desvalorizado e um superávit primário mais flexível, levou o País a uma recessão técnica no primeiro semestre deste ano e a um leve crescimento de apenas 0,1% no terceiro trimestre, de acordo com resultado anunciado na sexta-feira 28.

Para Belluzzo, o ministro não é o responsável pelas dificuldades atuais. “Em 2012, Mantega e eu nos encontramos na França, e ele sabia que o ciclo de consumo havia desacelerado e que era preciso um novo programa econômico”, diz o economista, que responsabiliza o atraso no programa de concessões e a falta de articulação no governo pelo quadro de estagnação. Por isso mesmo, deixar-se levar pela última imagem negativa na hora de avaliar o legado de Mantega seria uma enorme injustiça. Um balanço correto e isento do trabalho feito pelo mais longevo ministro da Fazenda requer, no mínimo, serenidade e nenhuma paixão ideológica.