Ao cabo de duas semanas conturbadas na relação com o Congresso, o governo decidiu acenar uma bandeira branca. E o cachimbo da paz foi oferecido à rebelada base parlamentar pelo mais improvável dos interlocutores: o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Avesso à liturgia política de Brasília, ele convidou líderes da base para um café da manhã na sede do ministério, na quarta-feira 28, quando completou seis anos no cargo. Para a surpresa de muitos, Mantega foi direto ao ponto. Sentado à cabeceira da mesa, servida com café, suco e pão de queijo, o ministro afirmou que sua intenção é fazer dessas reuniões uma rotina mensal. 

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Desatando o nó: o ministro da Fazenda, Guido Mantega, conseguiu o apoio da base aliada

para votar os projetos de interesse do governo.

 

Ele disse aos oito líderes da Câmara presentes que pretende estreitar a relação da Fazenda com o Congresso e adiantou que uma nova leva de desonerações para o setor industrial seria anunciada na terça-feira 3. “Vamos reduzir o custo da mão de obra através da redução de tributos, sem prejudicar os trabalhadores”, adiantou Mantega à DINHEIRO (leia entrevista ao final da reportagem). Bem tratado pelos convidados, o afago ajudou a aliviar as tensões entre Executivo e Legislativo. Um passo providencial, diante da pauta econômica complexa que será debatida ao longo do ano. O gesto de Mantega ocorreu em plena viagem da presidenta Dilma Rousseff à Índia. 

 

O ministro destacou a importância de coordenar a agenda econômica do País com a atuação do Congresso, como fizera Jorge Gerdau em visita ao Senado, em 21 de março. Reunido no cafezinho da Casa, Gerdau, que preside a Câmara de Gestão ligada à Presidência da República, pediu apoio aos senadores Eunício Oliveira, Romero Jucá e Renan Calheiros (todos do PMDB), além do senador Armando Monteiro Neto (PTB-PE), ex-presidente da Confederação Nacional da Indústria, para aprovar a Resolução 72, que extingue benefícios fiscais concedidos por dez Estados a produtos importados, a chamada “guerra dos portos”. Embora tardia, a estratégia colheu resultados. A Resolução 72 deve ser votada nesta semana na Comissão de Constituição e Justiça. 

 

Na quarta-feira 28, o Senado aprovou, sem percalços, o projeto que cria o Fundo Complementar de Previdência dos Servidores Federais (Funpresp), que vai à sanção presidencial. Numa negociação tocada pelo presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), a Câmara aprovou no mesmo dia a Lei Geral da Copa, projeto fundamental para garantir os direitos das empresas patrocinadoras do torneio de 2014. “As coisas voltaram a andar e não há nenhum projeto represado”, diz o líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM). Desanuviar o ambiente se torna necessário para destravar assuntos importantes para a economia. A rejeição do petista Bernardo Figueiredo para um novo mandato à frente da Agência Nacional de Transportes Terrestres, no início de março, deixou o governo sem o responsável pelo projeto do trem-bala, cujo edital não tem data para ser lançado. 

 

Com três das cinco diretorias vagas, restou para Dilma nomear um presidente interino para garantir quórum mínimo para as decisões da autarquia. É também no Senado que serão discutidas pautas espinhosas nas relações federativas. Até 31 de dezembro, os senadores precisam definir um novo critério de rateio dos recursos do Fundo de Participação dos Estados, um bolo de R$ 48 bilhões no ano passado. O governo também deu sinal verde para discutir a renegociação das dívidas com Estados e municípios, esperando que um alívio nos pagamentos abra espaço para investimentos. “A economia precisa da política, não são dois mundos excludentes”, diz Jovair Arantes, líder do PTB na Câmara. 

 

Na corte aos congressistas, o Executivo tenta falar a língua mais entendida nas duas casas – o dinheiro – e acena com a liberação de emendas ao Orçamento. Na quinta-feira 29, a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, pediu aos líderes aliados que apontassem suas prioridades. O governo busca, assim, atenuar um dos maiores focos de insatisfação parlamentar. No ano passado, apenas 24,8% das emendas ao Orçamento foram empenhadas – jargão para o compromisso de gasto. “É um problema generalizado”, afirma Henrique Eduardo Alves, líder do PMDB na Câmara. “Há uma enorme expectativa dos prefeitos que acaba não se concretizando”, diz André Moura, líder do PSC na Câmara.

 

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“A economia sempre precisa de algum estímulo”

 

Na quarta-feira 28, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, completou seis anos no cargo e, fiel ao seu estilo, trabalhou normalmente no gabinete no quinto andar do ministério, em Brasília. A grande comemoração, segundo ele, ocorrerá na terça-feira 3, quando será anunciado um amplo pacote de incentivos à indústria. Nesta entrevista exclusiva ao colunista Guilherme Barros, concedida por telefone na quinta-feira 29, Mantega afirma que a prioridade é dar mais competitividade ao setor produtivo através da desoneração da folha salarial para diversos setores. 

 

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DINHEIRO – A situação da economia brasileira é preocupante?

GUIDO MANTEGA – A economia sempre precisa de algum estímulo, algum reparo. Nós estamos sofrendo agora uma recaída da crise de 2008 nos países avançados. Embora tenham equacionado o problema financeiro, os europeus ainda estão em processo de desaceleração e alguns caminham para a recessão. A economia chinesa está em desaceleração e o processo de recuperação dos Estados Unidos ainda é lento, com um crescimento na faixa de 1,8% a 2%. Esse baixo desempenho causa problemas nos emergentes, apesar de terem se saído melhor nessa crise.  

 

DINHEIRO – Quais são as perspectivas para o Brasil em 2012?

MANTEGA – O cenário para a economia mundial em 2012 é difícil, mas o Brasil vai registrar avanço pelo dinamismo do mercado interno, pela produtividade da nossa agricultura e do setor de commodities, e pelo avanço do setor de serviços. Podemos ter um desempenho diferenciado. A maioria dos países vai ter retração em 2012. O Brasil vai ter aumento do crescimento. Para isso, precisamos continuar dando competitividade à economia. E isso significa reduzir custos, aumentar a produtividade – diminuindo os custos tributários e os custos de infraestrutura, que são elevados – e, ao mesmo tempo, promover um grande programa de investimento. 

 

DINHEIRO – Investimento é a palavra de ordem no governo?

MANTEGA – O investimento tem que ser o carro-chefe da economia. Nós já temos um amplo programa de investimento em curso nas áreas de geração de energia – temos os maiores projetos do mundo nas áreas de energia e logística – e também estamos fazendo investimentos em portos, concessão de aeroportos, Copa e Olimpíada. Sem falar dos programas da Petrobras e da Eletrobras, que somam mais de R$ 100 bilhões em 2012. 

 

DINHEIRO – O que mais precisa ser feito neste momento de crise internacional?

MANTEGA – O Brasil tem que fazer ajustes no câmbio e nas condições financeiras. Dar condições para a indústria brasileira sofrer menos. A indústria está sendo muito afetada por diversas razões. Primeiro com a retração dos mercados externos. Depois, com a concorrência do mercado interno. Por isso, a indústria requer ajuda, medidas que lhe deem competitividade.  

 

DINHEIRO – Quais medidas o governo federal irá anunciar?

MANTEGA – Uma das medidas, por exemplo, é a desoneração da folha salarial, que está sendo negociada com vários setores da indústria. Esses setores terão redução de custo e mais competitividade. Com a contração em suas economias, os países avançados promoveram redução de salários e dos benefícios dos trabalhadores. No Brasil, vivemos uma situação de quase pleno emprego. Não vamos fazer em cima dos trabalhadores, mas através das alíquotas sobre os tributos cobrados na folha salarial.


DINHEIRO – Como o sr. analisa seus seis anos de governo?

MANTEGA – Em seis anos, a economia brasileira mudou bastante, se tornou respeitável e dinâmica. É claro que esse processo começou há mais tempo, mas se acentuou nesse período. Tivemos uma taxa média de crescimento de 4,5% entre 2007 e 2010, um dos quadriênios de maior crescimento da economia brasileira. Isso, apesar da crise de 2008. A população brasileira praticamente não percebeu a existência dessa crise. Mesmo em 2009, a economia brasileira gerou emprego e aumentou a massa salarial. Dá para acreditar?

 

DINHEIRO – Qual foi o momento mais difícil no Ministério da Fazenda?

MANTEGA – Foi muito difícil quando o Senado, por uma pequena margem, não aprovou a proposta de prorrogação da CPMF. Tínhamos aprovado na Câmara. A culpa recaiu em mim, embora não fosse eu quem estivesse negociando com o Congresso. Outro momento muito difícil foi quando estourou a crise de 2008. Do limão, conseguimos fazer uma limonada.