24/11/2014 - 10:00
À espera de notícias sobre os resultados financeiros da Petrobras, que deveriam ter sido divulgados no dia 14, analistas foram convocados a participar de uma teleconferência com a presidente da estatal, Graça Foster, na segunda-feira 17. Em vez de anunciar os números da companhia, a engenheira comunicou a criação de uma diretoria de governança corporativa e compliance (respeito às normas), em resposta às denúncias da Operação Lava Jato e à recusa da empresa de auditoria PwC de assinar os demonstrativos financeiros do terceiro trimestre.
Foster disse ainda que precisará de mais tempo para divulgar as informações referentes ao balanço do terceiro trimestre. A incerteza frustrou os investidores. “Ninguém compra ação porque gosta de comprar e, sim, para ter retorno. Não publicar o balanço nessa altura do campeonato é gravíssimo e afeta diretamente a confiança do mercado”, diz Fábio Galdino, analista da Guide Investimentos. É da natureza da bolsa ganhar dinheiro comprando ações na baixa para vender na alta. As ações da Petrobras estão em liquidação. Caíram 9,4% na semana passada, até a quarta-feira 19, e amargam um recuo de 20,4% no ano, no caso das preferenciais, a R$ 12,78.
Há quem recomende o investimento nos papéis, como o Deutsche Bank. Em seu primeiro relatório de análise sobre o setor de óleo e gás na América Latina, o banco alemão colocou a estatal como a preferida do segmento e recomendou a compra dos papéis. O motivo é a expectativa de que o crescimento da produção seja o mais rápido dentre as grandes petroleiras. O preço-alvo definido para as ações preferenciais em 12 meses é de R$ 19,10, uma alta de 49,5%, em relação à cotação da quarta-feira. No entanto, o risco é muito alto e pode haver quedas acentuadas nos próximos meses.
Na avaliação de especialistas consultados pela DINHEIRO, o melhor é não arriscar. Ninguém no mercado duvida que a companhia seja capaz de produzir grandes quantidades de petróleo de qualidade com a exploração das jazidas do pré-sal, mas os prognósticos financeiros ainda são incertos. Para Christopher Bannon, analista de investimentos da gestora suíça Pictet, que tem US$ 421 bilhões em ativos sob gestão no mundo, a estatal enfrenta uma autêntica sinuca. Para voltar a ser atraente aos investidores, ela precisa aumentar sua produção sem elevar seu endividamento de mais de R$ 300 bilhões, segundo o balanço encerrado em 30 de junho.
A conta é tão expressiva que a agência de classificação de riscos Moody’s reduziu a nota da companhia em 21 de outubro passado. Desde então, a classificação de risco da Petrobras é Baa2, apenas um degrau acima do Baa3, limite mínimo do grau de investimento. Ao baixar a nota, a Moody’s manteve a perspectiva negativa, o que significa que uma nova piora na classificação é mais provável do que uma melhora. Isso caiu como uma bomba no mercado. Além da baixa nas ações, os títulos de renda fixa também sofreram. Os compradores escassearam e os investidores têm tido dificuldade em sair de suas posições.
Ainda não há sinais de inadimplência no radar, mas os credores estão preocupados. “Nosso escritório já recebeu consultas de detentores de papéis da Petrobras perguntando o que fazer se ela não honrar os pagamentos”, diz um renomado advogado. Como resultado, o mercado refaz suas contas. “Eu temo que a história de prometer demais e entregar pouco vai continuar, a tal ponto que será necessário mais capital para dar prosseguimento ao plano de negócios”, afirma Bannon. “Essa captação provavelmente terá de ser feita via mercado de ações.”
O problema é como fazer uma emissão em um momento em que há enorme receio de que as ações ainda não tenham chegado ao fundo do poço. “O mercado está às cegas, porque ninguém sabe ao certo o tamanho do problema”, diz um gestor de um fundo internacional que preferiu não se identificar. “Enquanto isso, as ações continuam derretendo, afinal, a empresa não está tomando qualquer medida e não tem condições de captar recursos, apesar de ter se comprometido a fazer investimentos de US$ 220,6 bilhões até 2018. Por isso, está todo mundo vendido no papel e isso tem destruído seu valor.”
Nesse cenário, o melhor a fazer é ter cautela, por mais que as ações pareçam muito baratas. “Não compre nem venda, a situação pode ser muito pior do que se imagina”, afirma Galdino, da Guide. O motivo é a combinação entre acusações de corrupção, aparelhamento, ingerências políticas – como o represamento dos reajustes da gasolina para conter a inflação – e uma queda nos preços internacionais do petróleo, fatos que lançam incertezas sobre a sustentabilidade financeira. O estrago nas ações, que caíram aos menores níveis em mais de dez anos, afeta negativamente o restante da bolsa brasileira, já que a petroleira é a terceira empresa de maior peso no Ibovespa.
Nas últimas divulgações de resultados, a empresa vinha demonstrando ter grande dificuldade de gerar caixa. Metade desse problema decorre da interferência governamental no preço dos combustíveis. “O que deixa o mercado mais incomodado é a falta de uma política transparente em relação a esse tema”, diz Galdino. “Um aumento de 3%, 5% ou 7% poderia até ter uma reação mais positiva, mas isso não se perpetuaria e a empresa continuaria refém da política do governo.” A outra metade vem da queda dos preços do petróleo no mercado internacional. As cotações, que se mantiveram por vários anos acima de US$ 100 por barril, caíram quase 20% em 12 meses. No dia 19, o barril do óleo tipo Brent fechou a US$ 74,58 em Nova York.
“Não há sinais de recuperação dos preços no curto prazo”, diz Fábio Lemos, sócio da gestora São Paulo Investments. “A oferta internacional vem superando a demanda em 1,4 milhão de barris por dia, graças à volta da Líbia ao mercado.” A maior dificuldade decorrente da queda do preço do petróleo é que ela muda o equilíbrio do mercado. A manutenção das cotações acima de US$ 100 por um período longo estimulou várias mudanças estruturais, como a prospecção de jazidas que antes não eram viáveis na Argentina e no Paquistão, e a busca por fontes alternativas de energia, como o gás de xisto nos Estados Unidos. “O preço elevado também estimulou a prospecção de petróleo nas águas ultraprofundas do pré-sal brasileiro”, diz.
A baixa nas cotações não chega a tornar inviável a exploração dessas reservas, mas as torna menos competitivas. “O mercado esperava que a demanda sustentasse um crescimento robusto da produção brasileira até 2020, mas agora está refazendo suas contas.” O que esperar no longo prazo, depois do fim das investigações e das mudanças na companhia? Os prognósticos são ruins no curto prazo e incertos em períodos mais longos. A empresa não está imune à má gestão. “Por isso, é necessário que os pilotos da Petrobras retomem o manche, pois, se isso não ocorrer, veremos a queda de um Boeing”, diz Herbert Steinberg, sócio fundador da consultoria Mesa Corporate. A má gestão, o populismo e o abuso dos governantes afundaram a petroleira da Venezuela, a PDVSA, nos últimos anos. Espera-se que a Petrobras não siga esse triste caminho.
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Lupa nos números
Panassol, sócio da PwC: analisando mais transações
Às dificuldades enfrentadas pela Petrobras no âmbito da operação Lava Jato veio somar-se mais um problema. No dia 13 de novembro, a estatal informou que não publicaria seus resultados do terceiro trimestre no dia seguinte, como estava previsto. O motivo foi a recusa da empresa de auditoria PriceWaterhouseCoopers, mais conhecida pelas iniciais PwC, em chancelar as demonstrações financeiras. Marcos Donizete Panassol, líder da área de Óleo e Gás da PwC e responsável pela equipe de seis sócios e quase três dezenas de profissionais que analisam os números da estatal, decidiu que as denúncias justificavam olhar os números com lupa.
Os auditores não quiseram validar o balanço como forma de se proteger da legislação americana, que proíbe casos de corrupção envolvendo empresas com ações listadas na Bolsa de Nova York. Devido às novas exigências da PwC, a estimativa é que a divulgação ocorra apenas em meados de dezembro. A verificação mais apurada poderá levar até republicação dos balanços. O recálculo de uma compra superfaturada, por exemplo, vai elevar os custos e reduzir os lucros da empresa naquela transação específica. Se a auditoria mais apurada encontrar vários casos de lançamentos fraudulentos, o novo cálculo terá impactos sobre o total de impostos a pagar, os dividendos e a contabilização dos ativos. O recálculo poderá fazer emergir uma Petrobras menor que a que existe nos livros contábeis. Procurada, a PwC recusou-se a comentar o caso.