18/12/2014 - 6:45
A executiva Rose Del Col, vice-presidente de pré-pagos da American Express, teve suas férias perturbadas no fim de 2013. Em plena calmaria do Meio-oeste americano, Rose levou um susto ao ler as notícias na internet e descobrir que o Ministério da Fazenda brasileiro havia desferido um golpe mortal em um dos principais produtos da Amex. O Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) que incidia sobre os cartões pré-pagos denominados em outras moedas, os chamados cartões de viagem, subira 1.600% sem aviso prévio, avançando de 0,38% para 6,38%.
“Nós, assim como nossos clientes, fomos pegos de surpresa, pois o mercado não esperava isso”, diz Rose. Ela passou o restante das férias planejando como tranquilizar os mais de um milhão de clientes, entre turistas e estudantes que dependiam das recargas nos cartões para pagar suas despesas fora do Brasil. O movimento do mercado dos cartões de viagem mostra o impacto de mudanças inesperadas na tributação. Lançados no Brasil na década de 1990, esses cartões ganharam popularidade com o aumento da presença de turistas e estudantes brasileiros no exterior.
Na prática, foram os únicos pré-pagos que se tornaram relevantes no mercado local, por oferecerem duas vantagens ao usuário: um imposto camarada, de 0,38% sobre os valores carregados, e a eliminação do risco de ter de carregar dinheiro vivo, em dólares. Em 2013, segundo o Banco Central (BC), cerca de 1,6 milhão de cartões de viagem ativos movimentaram US$ 3,3 bilhões, um crescimento de 338,2% ante 2012. No final daquele ano, porém, uma decisão do ministro Guido Mantega equiparou a tributação dos cartões de viagem à dos de crédito.
Segundo Mantega, a justificativa foi garantir a isonomia tributária das operações com o câmbio, de modo a não privilegiar um ou outro meio. Com o aumento do imposto, essa cifra desabou para meros US$ 747,3 milhões, até novembro de 2014, uma queda de 77,4%. Agora, passado o susto, as bandeiras e os bancos estão investindo pesado para manter vivo o produto. Rose, por exemplo, vai passar a acumular milhas aéreas, a partir de janeiro. Ela vai dedicar boa parte do seu tempo a visitar algumas das cinco mil corretoras de câmbio e agências bancárias – em especial as do Banco do Brasil – que comercializam o plástico da American Express, no País.
Seu desafio é aumentar a base de clientes, que fazem recargas médias de US$ 1.000 por viagem. A Visa, por sua vez, está lançando um novo cartão que vai atender a um nicho específico e muito importante para o segmento: o de estudantes. “Com isso, vamos fortalecer nossa presença em uma categoria de cliente que já é estratégico e que continua usando o cartão como antes”, diz Olivia Aki, diretora de pré-pagos da Visa. De acordo com a executiva, para lançar o novo produto a companhia fez uma pesquisa identificando que o potencial do mercado brasileiro em pré-pagos é de US$ 8,9 bilhões até 2023, sendo que 20% desse volume será movimentado por estudantes brasileiros.
“O estudante é o cliente que menos sentiu o baque do aumento do IOF, porque ter um cartão em que a família possa mandar dinheiro é muito importante para eles.” O novo produto será identificado como um cartão portado por um estudante, garantindo descontos e promoções. Já a Cotação, corretora de câmbio do Banco Rendimento, vai inovar na estratégia de distribuição e recarga. “Lançaremos uma nova plataforma para que o usuário possa fazer o crédito nos cartões”, diz Alexandre Fialho, diretor da Cotação.
O objetivo também será de aumentar o número de lojas e agências que vendem o plástico. No final de 2013, o cartão pré-pago representava 55% do total de vendas da corretora, que movimentou US$ 10,1 bilhões, no acumulado até novembro. Após o aumento do IOF, a participação do pré-pago caiu para 30% , mas o objetivo é recuperar esse mercado. “Para a corretora, o cartão é muito mais interessante em todos os aspectos, o papel moeda custa pelo transporte e também pela segurança”, diz Fialho. A americana Western Union, especializada em transferência de valores e que ainda engatinha nesse negócio, sentiu o baque.
Em março de 2013, quando incluiu o cartão pré-pago em seu portfólio após uma fusão com a corretora de câmbio Fitta, os cartões representavam 50% das transações com câmbio. Atualmente, esse percentual desabou para 10%. Luiz Eduardo Citro, diretor de desenvolvimento de Negócios para a América Latina da Western Union, diz que o produto é estratégico e será um foco da empresa em 2015. “Temos metas agressivas para esse produto no próximo ano e vamos aumentar nossas campanhas de incentivo para que os clientes entendam o benefício desse cartão.” A Western Union possui 12 mil pontos de venda entre Bradesco e Banco do Brasil e agora vai explorar esse produto nas 23 lojas próprias.
O Bradesco, que é parceiro da maioria das corretoras, mas também emite seus plásticos próprios, viu a movimentação nesse produto cair 30% em relação ao ano passado. Segundo Bruno Boetger, diretor de câmbio do Bradesco, o pior já passou. “O cartão começa a se estabelecer como mais uma opção de compras para o turista e nós entendemos que o pré-pago ainda continua atrativo.” O negócio é promissor. Com ou sem impostos, os brasileiros vêm gastando animadamente lá fora. Segundo o BC, os gastos entre janeiro e outubro foram de US$ 21,8 bilhões, crescimento de 4% ante os US$ 20,9 bilhões do mesmo período de 2013.
A primeira medida dos clientes após a alta do imposto foi reduzir drasticamente os valores carregados nos cartões de viagem. Mesmo assim, os produtos ainda são largamente usados. Em 2014, 48% dos usuários do cartão de viagem usaram-no para pagar compras, seguido por 31% para entretenimento, 30% para alimentação e 23% em acomodação. Um levantamento da American Express identificou que os brasileiros já se acostumaram a levar dinheiro em espécie e cartões de crédito e débito na bagagem, para não correrem o risco de ficar sem dinheiro no exterior. Pensando nisso, e com as previsões de alta do dólar até R$ 2,70 no fim de 2015, as administradoras vão se esforçar para manter esse produto vivo.