As manifestações começaram tímidas, na esteira da revolução de jasmim que levou à queda do ex-presidente da Tunísia, Zine El Abidine Ben Ali. Mas foram ganhando corpo e até a quinta-feira 3, a Organização das Nações Unidas estimava que havia pelo menos 300 mortos e cerca de três mil feridos no Egito nos confrontos entre a polícia e os manifestantes que exigem a saída do ditador Hosni Mubarak. A praga que tomou conta do Egito moderno e já chegou a outros países da região, como Jordânia, Argélia, Mauritânia, Sudão, Iêmen, Omã, encontrou inspiração na Tunísia, mas tem raízes na insatisfação da população egípcia com o aumento da pobreza, do desemprego e do custo de vida. 

 

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Onda de protestos: manifestante em Alexandria rasga foto de Hosni Mubarak, presidente do Egito.

Mais de um milhão já foram às ruas pedir a renúncia do ditador

 

No ano passado, o preço dos alimentos subiu 25%. Dos 80 milhões de habitantes, 70% têm menos de 30 anos. Entre os jovens, o desemprego chega a 90% e a pobreza absoluta atinge 40% da população. 

 

“Não é um movimento pela democracia, como alguns pensam. São movimentos pela mudança de governo e pela melhoria de vida”, disse à DINHEIRO o cientista político Günter Rudzit, professor de relações internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap). 

 

Um relatório do banco Goldman Sachs também credita a insatisfação da população à alta do custo de vida, especialmente do preço dos alimentos, e alerta para os riscos de os protestos se estenderem ao Irã, onde os preços também estão subindo. 

 

Os confrontos já paralisaram a economia do Egito, país mais importante da região. Em dez dias de manifestações, até a quinta-feira 3, US$ 10 bilhões saíram do país através da bolsa de valores, ordens de pagamento suspensas e investimentos cancelados. É muito dinheiro para um Produto Interno Bruto de US$ 180 bilhões. 

 

O turismo, a principal atividade econômica do Egito, movimenta US$ 20 bilhões por ano. Os investimentos estrangeiros, que no ano passado somaram US$ 7 bilhões, também devem ser afetados. 

 

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Clima de guerra: sapatos erguidos para ofender o presidente, que colocou os tanques na rua

 

“Isso deve cair violentamente agora”, diz o embaixador brasileiro no Cairo, Cesário Melantonio Neto. “Empresas que planejavam investir nos próximos anos devem rever seus planos.”

 

Várias empresas de fora paralisaram suas atividades e mandaram os funcionários  estrangeiros de volta ao seu país de origem. Entre  elas, as brasileiras Marcopolo, que opera uma joint venture com uma empresa egípcia para a produção de ônibus, a Votorantim, de cimento, e a Embraer, que já vendeu 12 aviões ao país e tem uma associação com uma empresa para manutenção das aeronaves.

 

O restante do mundo teme as consequências do aumento do preço de petróleo, pela proximidade com grandes produtores, e a possibilidade de fechamento do Canal de Suez, que ainda não foi afetado. 

 

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Fora de controle: cavalos, jatos d’água e até camelos são usados nos confrontos nas ruas

 

Na quinta 3, o preço do barril chegou a US$ 103, o maior valor em dois anos e meio. Pelo canal, que liga a Ásia à Europa, passam 14% das mercadorias transportadas em todo o mundo e 10% do petróleo que vai para o Ocidente. 

 

O maior temor é que os confrontos se espalhem para os outros países do Golfo Pérsico, afetando o mercado do produto. Mas há quem acredite que tudo não passa de especulação. “O preço do petróleo não tem nada a ver com Suez, mas com o pânico dos traders. 

 

É como eles ganham dinheiro”, disse à DINHEIRO Nadim Shehadi, especialista em Oriente Médio do think tank britânico Chatham House. “No momento, não devemos nos preocupar com eles.”  

 

Em outras palavras: embora numa economia globalizada seja praticamente impossível uma blindagem total, dificilmente os problemas no Egito terão uma carga suficiente para desviar do rumo o crescimento sustentável de economias como a brasileira, que já deu mostras de resistência durante a crise de 2008.

 

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O comércio com o Brasil, que se intensificou nos últimos anos, não deve sofrer, na avaliação do presidente da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, Salim Shahin. “O Brasil não está sendo afetado diretamente, mas se atingir a economia mundial é claro que acaba tendo um impacto”, disse o embaixador brasileiro no Cairo, Cesário Melantonio Neto. 

 

No ano passado, o Brasil exportou US$ 12,57 bilhões para os países árabes, e importou US$ 6,9 bilhões. Com o Egito, as vendas somaram US$ 1,96 bilhão e as compras apenas US$ 176 milhões. O Brasil exporta basicamente carne, bovina e de frango, e açúcar. E compra combustíveis, ceras e óleos minerais e fertilizantes. No mercado de petróleo, como o Brasil não depende de importações da região, o impacto só viria no caso de uma crise global.