28/08/2015 - 20:00
Quem circulou pela rua Boa Vista, no antigo centro financeiro de São Paulo, na tarde da terça-feira 25, deve ter ficado estupefato com um painel de LED, de quase dois metros de altura por cinco metros de largura, que marcava uma cifra com 11 zeros, sem contar os centavos: R$ 1.300.000.000.000,00. Apelidado de Impostômetro, o painel registra em tempo real o total de recursos arrecadados por todas as esferas de governo. A cada ano que passa, a arrecadação aumenta para suprir os gastos públicos, que não param de crescer. Por trás dessa cifra trilionária, está uma carga tributária enorme que onera e tira a competitividade das empresas, encarecendo os produtos vendidos aos consumidores. Diante da grave crise fiscal, o Impostômetro deve continuar quebrando recorde em 2016, pois o governo prepara uma proposta de Orçamento que prevê um absurdo aumento de impostos. Uma das ideias é ressuscitar a famigerada CPMF.
Desde o início do ano, o desempenho fiscal da União tem sido desastroso, deixando o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, claramente incomodado com a situação. A meta inicial de superávit primário (receitas menos despesas, excluindo o pagamento de juros) de 1,13% do PIB, que equivalia a R$ 66,3 bilhões, foi reduzida, em julho, para 0,15% , num total de R$ 8,7 bilhões. Como pode abater até R$ 26,4 bilhões da meta, na prática, o governo está autorizado a entregar um déficit primário de R$ 17,7 bilhões e, ainda assim, dizer que cumpriu sua missão. Levy tem sido uma voz destoante e quase isolada no governo em defesa da austeridade fiscal. Ao enfrentar uma crise política que atiça uma nada confiável base governista no Congresso Nacional, o ministro vem colhendo diversas derrotas que dificultam a execução do ajuste fiscal. Na terça-feira 25, por exemplo, o Senado aprovou um reajuste de 41% para os servidores do Ministério Público Federal, parcelado ao longo de quatro anos. No mesmo dia, a presidente Dilma Rousseff ignorou os apelos da equipe econômica e anunciou a antecipação de 50% do décimo terceiro salário dos aposentados e pensionistas do INSS para o mês de setembro, apesar do caixa do governo estar vazio. E para acalmar os aliados insatisfeitos, liberou R$ 500 milhões em emendas parlamentares, que viabilizam obras em seus redutos eleitorais. O ministro da Secretaria de Aviação Civil, Eliseu Padilha, que tem auxiliado nas articulações políticas, foi quem negociou a liberação da verba com Levy. “Não houve queda de braço”, afirma Padilha. “O que houve foi dissintonia entre os tempos da política e o tempo da burocracia.”
A mais difícil das batalhas de Levy, no entanto, se dá na elaboração do Orçamento de 2016. A Fazenda defende que o equilíbrio das contas públicas decorra principalmente do corte de gastos, enquanto áreas políticas do governo pregam o aumento de impostos. A pressão é tanta que já há um pacote de maldades pronto para ser anunciado, com aumento de tributos. “A Fazenda se pronunciará sobre isso, se, e quando for necessário”, afirmou, na semana passada, Nelson Barbosa, ministro do Planejamento, para desespero do empresariado. Na quinta-feira 27, Levy não descartou nem confirmou a elevação de tributos. “Ou o ministro Levy muda a política econômica ou a presidente Dilma que mude o ministro Levy”, afirmou Paulo Skaf, presidente da Fiesp, que recepcionou dezenas de empresários para um jantar com o vice-presidente Michel Temer, na noite da quinta-feira 27.
Nos planos da equipe econômica, está uma reforma “neutra” do PIS/Cofins, que tem o mérito de simplificar o modelo ao adotar uma alíquota única. No entanto, os empresários temem que o governo arrecade ainda mais. Cerca de 30 entidades, lideradas pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), vão encaminhar ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), um documento contrário à proposta, mostrando que a arrecadação do governo pode crescer R$ 50 bilhões apenas com o PIS/Cofins. “Esse custo será repassado ao preço final das mercadorias e serviços”, afirma Gilberto Luiz do Amaral, presidente do conselho superior do IBPT. “Alguns segmentos vão ter um aumento de imposto bastante significativo, como os profissionais liberais.”
O ímpeto arrecadador do governo irritou ainda mais o setor produtivo quando técnicos e assessores, em Brasília, vazaram a informação de que está em estudo a recriação da CPMF, popularmente conhecida como imposto do cheque, que foi extinta em 2007. “É um absurdo, mais um imposto para a sociedade pagar”, afirma Robson Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI). “O caminho ideal seria o governo reduzir gastos públicos para deixar a economia se recuperar.” Ciente de que o clima político inviabilizaria a aprovação de qualquer aumento de carga tributária no Congresso, o Planalto estuda uma forma de repartir o montante arrecadado com Estados e municípios. Dessa forma, os governadores e os prefeitos, que também sofrem com a queda na arrecadação, se empenhariam a convencer suas bancadas de parlamentares a aprovar a volta da CPMF, que pode gerar cerca de R$ 70 bilhões por ano, se a alíquota for de 0,38%.
A má notícia surge no momento em que o governo busca uma reaproximação com os empresários. Na noite da terça-feira 25, a presidente Dilma recebeu, no Palácio da Alvorada, pesos-pesados da economia para um jantar, num compromisso que não constava da agenda oficial. Estavam no encontro Luiz Carlos Trabuco (Bradesco), Cledorvino Belini (Fiat), Benjamin Steinbruch (CSN), Joesley Batista (JBS), Rubens Ometto (Cosan), Edson Bueno (Dasa) e Josué Gomes da Silva (Coteminas), além dos ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil) e Armando Monteiro (Desenvolvimento), que resumiu o tema do encontro: “Existem dificuldades reais, mas nós temos de sair todos juntos e todos têm de ajudar.” Segundo relatos dos participantes, há uma enorme disposição dos empresários de garantir a governabilidade da presidente. No entanto, Dilma não mencionou, em nenhum momento, a ideia de ressuscitar a CPMF.
Governo mais enxuto? Para amenizar as críticas de que só pensa em arrecadar mais, o governo anunciou, na semana passada, um esboço de Reforma Administrativa. O objetivo é mostrar que há uma tentativa concreta de tornar a máquina pública mais eficiente. Segundo o ministro Barbosa, há cinco diretrizes: cortar 10 ministérios; enxugar secretarias e órgãos dentro dos ministérios; reduzir os cargos comissionados; diminuir os gastos de custeio, como água e energia elétrica; e vender imóveis da União. Os especialistas em contas públicas elogiam as medidas, mas ressaltam que a economia será pequena diante das necessidades do País. No caso dos ministérios, por exemplo, ainda não há definição de quais pastas serão cortadas, o que deve ocorrer até o fim de setembro (leia quadro ao lado). Se alguns órgãos, como o Banco Central e a Controladoria-Geral da União, perderem o status de ministério, não haverá nenhuma redução de gastos. Há Ministérios e Secretarias, porém, que poderão ser incorporados por outras pastas, enxugando parcialmente seus custos. “A medida é positiva, porque sinaliza ajuste na carne”, diz o consultor Raul Velloso. “Mas se não tiver impacto nos gastos, fica inócua.”
Um levantamento feito por outro especialista em finanças públicas, Mansueto Almeida, mostra que, na melhor das hipóteses, a economia com os cortes nos ministérios será de apenas R$ 970 milhões por ano. Para isso, o governo teria de fechar sete secretarias, os ministérios do Desenvolvimento Agrário, da Pesca e do Turismo. “A gestão pode melhorar com menos ministérios, mas a economia de gastos é muito pequena”, diz Almeida. “É preciso lembrar que os funcionários que prestaram concurso público terão de ser alocados para outras áreas.”
Desde 2002, o número de cargos comissionados no governo aumentou 23%, totalizando 22.594. Embora a maior parte (74%) seja ocupada por servidores concursados, há 5.807 pessoas indicadas que ganham salários de até R$ 13.974,20 por mês e que, em tese, podem ser demitidas a qualquer momento. Se o governo cortar cerca de 1.200 cargos comissionados, como já sinalizou, a economia será inferior a R$ 100 milhões. Já a venda de 139 imóveis que pertencem à União pode gerar uma arrecadação de R$ 1,8 bilhão. São cifras modestas diante da meta de superávit primário de 0,7% do PIB (R$ 41,3 bilhões) prevista para o ano que vem. Dada a dificuldade para que seja atingido o equilíbrio das contas, o grande receio dos empresários é que a criatividade tributária do governo continue a toda.