Na quinta-feira 4, um comunicado emitido pela MPX, geradora de energia do grupo EBX, provocou um suspiro de alívio nos investidores, sócios e credores do conglomerado comandado por Eike Batista. A diretoria da alemã E.ON, maior companhia energética da Europa, com receita de € 132 bilhões em 2012, anunciava que havia assumido o controle da MPX e prometia participar do aumento de capital de R$ 800 milhões, e investir mais R$ 400 milhões na operação. O mercado reagiu bem. Na manhã seguinte, os papéis da MPX valiam R$ 7,31, alta de 16,7% em relação à véspera. A partir dessa data, Batista passou a deter 19% das ações e cedeu o comando da MPX ao norueguês Jorgen Kildahl, conselheiro da E.ON. 

 

122.jpg

Mina de ferro na Serra Azul (MG): venda de ativos da MMX ajudará a saldar dívidas com bancos

 

Diplomático, ele enalteceu o trabalho do agora sócio minoritário. “Reconhecemos a contribuição de Eike para tornar a MPX uma das líderes em energia no Brasil.” A companhia mudará de nome e de endereço. A transação marca uma guinada no estilo de Batista, que jamais cogitara ser minoritário ou abrir mão do cargo de CEO e dos assentos nos conselhos. Sua saída e a venda de partes do grupo são a solução menos dolorosa para a crise. Batista vai se tornar um investidor e sua holding EBX terá um único credor. É o Mubadala, fundo soberano de Abu Dhabi, com US$ 1,7 bilhão a receber. O fundo embolsará dividendos das empresas em que Batista permanecer minoritário, como a nova MPX. 

 

Os demais credores serão pagos com a venda dos ativos e a renegociação das dívidas. Outros negócios devem sair em breve. Além da MPX, os ativos mais importantes do grupo são a petrolífera OGX, as mineradoras MMX e CCX, o estaleiro OSX e a empresa de logística LLX. O mais vistoso deles é a MMX, que vem sendo disputada pela suíça Glencore Xstrata e pela holandesa Trafigura. Seus grandes atrativos são as reservas de minério de ferro, em Minas Gerais, e o Porto Sudeste e Sepetiba, no Rio, que têm contratos take or pay (nos quais o cliente paga, embarcando ou não a mercadoria) com diversas empresas. Estima-se que o conjunto deva render R$ 5 bilhões a Batista.

 

O mercado não duvida da qualidade desses projetos. Por isso, nos últimos dias vêm ocorrendo negociações frenéticas no prédio no centro do Rio, com vista para o Aterro do Flamengo, onde fica o QG do grupo. As tratativas envolvem acionistas e credores. A estimativa é de que as empresas de Batista devam cerca de R$ 20 bilhões aos bancos, especialmente Bradesco, Itaú, Caixa, BTG Pactual e BNDES. Na quarta-feira 3, o banco estatal de fomento informou que o crédito aprovado para o grupo chegava a R$ 10,4 bilhões, sem revelar quanto já havia sido liberado. Os sinais de que esse capital corria riscos começaram a se tornar mais evidentes no início deste ano. 

 

Para buscar uma solução e facilitar a conversa com os bancos, Batista contratou André Esteves, do BTG Pactual. O acordo com Esteves incluiu um crédito de R$ 600 milhões à MPX e previa que o BTG ganharia à medida que as ações da OGX subissem. Com a baixa das cotações, os papéis do BTG também caíram, afetando a fortuna do banqueiro, que detém 22% do capital do banco. Pelas contas da agência Bloomberg, seu patrimônio encolheu US$ 1,3 bilhão, para US$ 3,5 bilhões. Os demais banqueiros temem prejuízos semelhantes. Concorrentes, os bancos não negociam em conjunto. As tratativas com Batista são individuais. Conversas ocorrem várias vezes ao dia e quem telefona para o empresário são executivos de primeiro escalão. 

 

123.jpg

Novo comando: Jorgen Kildahl, do conselho da E.ON, foi nomeado presidente da MPX.

Elogiou Eike, anunciou a mudança da sede da MPX e a troca de sua razão social 

 

O representante do Itaú Unibanco é Cândido Bracher, presidente do Itaú BBA. O Bradesco negocia por meio de Sérgio Clemente, diretor vice-presidente-executivo responsável pelo corporate. A Caixa deixou o assunto nas mãos do experiente Márcio Percival, vice-presidente de Finanças, que negociou a solução para o PanAmericano em 2010. O valor de face da dívida é secundário. Agora, os banqueiros calculam o tamanho do prejuízo, pois estão convencidos de que Batista não será capaz de restituir tudo o que deve. “As ações caíram muito, as empresas geram pouco caixa e o mercado está fechado para novas captações. O dinheiro não será suficiente”, diz um deles. 

 

No pior cenário, as perdas de cada um desses quatro bancos chegarão a R$ 2,5 bilhões. Isso poderá gerar pânico? “Perder uma quantia dessas não é gostoso. Mas não vai matar ninguém”, afirma o executivo, pragmático. A disputa agora é pelas garantias oferecidas pelo grupo X. Quanto melhores, menor o calote. “Ninguém mais aceita o aval do Eike, agora todos querem ativos reais”, diz o banqueiro. Um bom exemplo são as ações da LLX Açu Operações Portuárias, empresa de capital fechado que controla o porto e da qual a LLX Logística possui 70%. Os papéis foram dados como penhor para o Itaú na quarta-feira 3. O maior problema para os investidores chama-se OGX. Endividada, ela tem US$ 4 bilhões a pagar. 

 

Batista buscou capital em maio, vendendo 40% de dois blocos de exploração no campo de Tubarão Martelo à Petronas, da Malásia, por US$ 850 milhões. Ainda resta aos malaios uma opção de compra de 5% do capital total da OGX. Não foi o único dinheiro novo que chegou naquele mês. Os alemães da E.ON trouxeram R$ 1,5 bilhão à MPX. “Esse dinheiro pagou dívidas”, diz um banqueiro. Batista queria que parte dessa bolada fosse usada para investimentos e recompra de ações, mas os bancos o demoveram. “A conversa ficou tensa, mas ninguém saiu da sala batendo a porta”, diz um banqueiro. Mesmo assim, Batista não se tornou persona non grata nos bancos. Ele é visto como uma vítima de erros gerenciais. 

 

“Eike é um empresário correto. Megalômano, mas correto”, diz o banqueiro. “Quebrou devido à alavancagem, mas ninguém acha que ele escondeu o dinheiro em algum paraíso fiscal.” A mesma visão é compartilhada pelo primeiro escalão do governo, que pouco falou de Batista ao longo da semana. Os ministros afinaram o discurso de que não haverá operação de socorro. Édison Lobão, de Minas e Energia, foi o mais enfático. Soltou um rotundo “não” quando um repórter o questionou se haveria resgate. Fernando Pimentel, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, fez questão de dizer que os cofres do BNDES estão fechados. “O BNDES já fez os empréstimos que tinha de fazer e agora está acompanhando a situação”, diz Pimentel. 

 

124.jpg

Uma mar de problemas: com passivo estimado em US$ 4 bilhões,

a petroleira OGX é apontada como a origem da crise.

Hoje, vale menos de US$ 2 bilhões

 

Para ele, a situação de Batista não deve contaminar o setor privado. “O empresário tem ativos valiosos que está vendendo para suprir a lacuna financeira de suas empresas.” A equipe da presidenta Dilma Rousseff avalia que a imagem do governo seria mais danificada por uma operação de salvamento do que pela eventual quebra de Batista. Há uma exceção: o porto de Açu. Interlocutores da presidenta, que visitou o canteiro de obras em 2012, dizem que ela considera o projeto uma alternativa importante ao porto de Santos. “O projeto continua, com ou sem Eike”, diz uma fonte do Planalto. No início do ano, quando os problemas cresceram, Graça Foster, presidenta da Petrobras, confirmou o interesse da estatal no projeto. 

 

Açu não é importante apenas para a logística portuária brasileira. A paralisação das obras do complexo que abriga o estaleiro OSX vai afetar a população de São João da Barra. A pequena cidade do noroeste do Estado do Rio, famosa por seu conhaque de alcatrão, vê na obra a chance de se igualar aos municípios de Campos e Macaé, bases para exploração de petróleo. “Fomos surpreendidos”, afirma Júlio Cesar Nunes Barbosa, secretário municipal da Fazenda. O ritmo frenético de obras da OSX teve um impacto forte na arrecadação local. Em janeiro, o ISS bateu R$ 6 milhões. Caiu à metade no mês passado. 

 

“O clima é de apreensão, mas temos recursos suficientes para continuarmos prestando serviços de qualidade à população”, diz Barbosa. A exemplo do que foi feito na MPX, outras empresas estão em processo de venda de ativos. “Os projetos são viáveis e muito importantes para o País”, afirmou um executivo de uma multinacional que tem negócios com a EBX. “O único erro de Batista foi ter entrado em vários empreendimentos de uma vez, o que acabou lhe tirando o foco.” A mesma fonte destaca que os problemas do mundo X não devem mudar a percepção dos investidores internacionais em relação ao Brasil. “O País continua sendo visto como uma excelente aposta na área de infraestrutura, especialmente petróleo e gás.” Procurados, Bradesco, Itaú, Caixa, BTG e não concederam entrevista.

 

125.jpg