Logo em seu primeiro dia como prefeito de São Paulo, o petista Fernando Haddad deixou claro que a sua prioridade é tocar obras. “Temos de recuperar urgentemente nossa capacidade de investimento”, afirmou na terça-feira 1º. O difícil, no entanto, será encontrar recursos para executar seus projetos. Com um orçamento carimbado de R$ 42 bilhões, quase totalmente comprometido por gastos correntes e pelo pagamento anual de R$ 4 bilhões de juros da dívida municipal, Haddad aposta todas as suas fichas na renegociação do débito de R$ 59 bilhões com a União. “Temos uma dívida literalmente insustentável, e isso tem que ser dito com todas as letras”, afirmou o petista, sob aplausos, durante a sua posse.

 

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Solução fiscal: o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, é aplaudido em cerimônia de posse,

na qual defendeu a renegociação da dívida com a União

 

A repactuação da dívida é uma obsessão de Haddad e pode beneficiar outros prefeitos e governadores ávidos por ampliar os investimentos, num ano em que a meta do governo da presidenta Dilma Rousseff é fazer um “pibão”. Líder dessa cruzada, o prefeito de São Paulo já se reuniu duas vezes no Ministério da Fazenda, desde a sua vitória nas urnas – um terceiro encontro estava previsto para os próximos dias. Embora tenha recebido o sinal verde da presidenta, o novo acordo não é simples de ser feito, pois pode gerar reivindicações em cascata de norte a sul do País. “A renegociação tem de valer para todos os 180 municípios que têm dívida com a União”, afirma Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). 

 

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Guido Mantega, Ministro da Fazenda: ”A renegociação das dívidas

é um presente de Natal para os governantes”

 

“Ou vale para todo mundo ou não vale para ninguém.” Os governadores de Estados devedores também estão de olho no acordo. A CNM calcula que o débito total das prefeituras e dos Estados com o governo federal é de quase R$ 440 bilhões. O alívio já começou. No dia 19 de dezembro, em coletiva à imprensa, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, apresentou a nova fórmula de cálculo da correção das dívidas. Sai o IGP-DI mais 6% ou 9% ao ano, e entra o IPCA mais 4% ao ano. O novo indexador, segundo o ministro, fará com que as dívidas deixem de crescer mais de R$ 20 bilhões por ano. “Será um presente de Natal para os governantes”, disse Mantega, na ocasião. Nenhuma palavra, no entanto, foi proferida sobre o ponto mais importante da renegociação para São Paulo. 

 

Trata-se da redução de 13% para 9% do teto da receita líquida que o município paga anualmente para a União. Se aceita pelo governo federal, Haddad teria pelo menos R$ 1 bilhão a mais para investir já em 2013. “O governo federal não pode abrir mão de nenhuma arrecadação, pois ele mal consegue cumprir o superávit primário”, diz o economista Amir Kahir, titular da secretaria de Finanças de São Paulo, na gestão da prefeita Luiza Erundina, nos anos 1990. “Do ponto de vista das finanças públicas, a União cometeria um grande erro.” Para ele, não faz sentido o governo federal aumentar a dívida da União para aliviar o caixa de algumas prefeituras.

 

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ACM Neto, prefeito de Salvador: “Muitas despesas

foram contraídas irresponsavelmente”

 

O Rio de Janeiro também tem interesse em renegociar sua dívida, embora o seu indexador (IGP-DI mais 6% ao ano) seja mais vantajoso do que o de São Paulo. Além disso, para aumentar a capacidade de investimento da cidade, o prefeito Eduardo Paes publicou 40 decretos logo na primeira edição do Diário Oficial de 2013. São medidas que visam enxugar os gastos públicos em R$ 1,5 bilhão, o que poderá engordar a estimativa de quase R$ 4 bilhões em investimentos neste ano. “Há cortes na própria carne”, afirmou Paes ao tomar posse no dia 1o de janeiro. “Os governos acumulam gordura e eu quero que todos os secretários tenham um olhar crítico para o que podemos avançar.” 

 

Segundo Kahir, os prefeitos deveriam selecionar os maiores contratos do município e os submeter a um pente-fino, logo no início de seu mandato. Até mesmo o ex-prefeito Gilberto Kassab, do PSD, que entregou a cadeira a Haddad, sugeriu que seu sucessor reveja todos os acordos. Em Salvador, o prefeito ACM Neto, do DEM, está seguindo a cartilha à risca. Na quarta-feira 2, ele determinou a suspensão temporária do pagamento de R$ 305 milhões em dívidas com fornecedores, enquanto os contratos são revistos. “Muitas despesas foram contraídas irresponsavelmente”, afirmou ACM Neto. Para piorar, o novo prefeito da capital baiana terá de lidar com um orçamento “irreal”. “As despesas estão subestimadas e as receitas, superestimadas.” Sem um esforço fiscal, fica impossível alavancar os investimentos.

 

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Colaborou: Cristiano Zaia