21/02/2014 - 21:00
No filme brasileiro Até que a sorte nos separe 2, em cartaz, o personagem representado pelo comediante Leandro Hassum passava por dificuldades financeiras quando recebeu uma inesperada herança de R$ 100 milhões, deixada pelo milionário tio de sua mulher. A situação lembra o momento atual do mercado nacional de cinema nacional. Distribuidoras e produtoras de filmes brasileiros também estão com a sensação de que acabaram de tirar a sorte grande, como o personagem de Hassum. A película, produzida pela paulistana Gullane Filmes e distribuída em parceria entre a também paulistana Paris Filmes e a carioca Downtown, já foi assistida por mais de 3,5 milhões de pessoas desde a sua estreia, no dia 28 de dezembro.
No estúdio: a Paris Filmes, de Fraccaroli e Adamiu, é a maior distribuidora
do País e passou a produzir filmes
O resultado supera a primeira parte da franquia, o filme nacional mais visto de 2012. Até que a sorte nos separe 2, no entanto, não é um fenômeno isolado. É apenas o último exemplo de uma sequência de comédias bem-sucedidas comercialmente, que ajudaram o cinema brasileiro a dar um rápido e surpreendente salto de negócios nos últimos anos e bater, em 2013, o recorde de audiência das últimas duas décadas. No ano passado, 27,8 milhões de ingressos foram vendidos para obras nacionais. Isso significa um crescimento de público de 77,4%, em relação a 2012, num período em que os filmes estrangeiros sofreram queda de espectadores de 7%.
Já em renda, a expansão foi ainda maior, de 87,7%. Juntos, os filmes brasileiros arrecadaram R$ 296,7 milhões no ano passado, o que representa cerca de 19% do R$ 1,6 bilhão da receita total .“Saímos de um nível de vendas de oito milhões a dez milhões de ingressos por ano, que era excedido apenas quando aparecia um blockbuster isolado, como Tropa de elite 2, e agora chegamos a um novo patamar”, diz Márcio Fraccaroli, controlador e diretor-geral da distribuidora Paris Filmes. “Nesse ritmo, vamos chegar a 40 milhões de ingressos, em 2015.” O interesse maior dos espectadores por histórias locais se traduziu no aumento dos lançamentos, que atingiram 127 filmes.
Reis do riso: a comédia com Leandro Hassum (à esq.) Até que a sorte nos separe 2, em cartaz,
superou os 3,5 milhões de espectadores e conta até com a participação do lendário humorista
americano Jerry Lewis
Mas o feito que melhor representa a ascensão dessa nova era dourada é o fato de que, no ano passado, dez filmes superaram a marca de um milhão de espectadores. Nos últimos anos, em média, apenas cinco filmes ultrapassavam esse patamar. Também foi ampliada a faixa de filmes com mais de 100 mil ingressos vendidos, que aumentou de 17, em 2012, para 24, em 2013. Ou seja, o cinema brasileiro parece não precisar mais de fenômenos inesperados para ter bons resultados. “Antes os sucessos eram pontuais, dependíamos dos novos projetos de diretores como Walter Salles, Hector Babenco ou Bruno Barreto.
Agora tudo está mais estruturado”, diz Fabiano Gullane, sócio da Gullane, que produz até cinco filmes por ano. “Conquistamos um ritmo de produção importante e estamos num caminho forte e sem volta de conquista do povo.” Para atingir essa nova realidade, no entanto, foi preciso redescobrir um filão que historicamente atraía a população: as comédias. Oito das dez maiores bilheterias nacionais de 2013 foram de filmes cômicos. O mais bem-sucedido, Minha mãe é uma peça, protagonizado pelo humorista Paulo Gustavo, levou 4,6 milhões de pessoas aos cinemas e rendeu R$ 49,6 milhões.
O filme foi seguido por De pernas pro ar 2 (3,8 milhões de espectadores), com Ingrid Guimarães, e Meu passado me condena (3,1 milhões), com Fábio Porchat, estrela do site Porta dos Fundos. Se agora esse gênero parece uma aposta certa, há poucos anos isso não era verdade. “Fui procurada em 2009 com o projeto de De pernas pro ar”, diz Mariza Leão, sócia da carioca Morena Filmes, que produz filmes desde 1975. “Eu estudei, pensei, me amedrontei, pois nunca havia feito uma comédia, e decidi arriscar. Não tinha a menor ideia de que seria esse sucesso todo.” Mas o maior destaque de 2013 coube a uma empresa com pouco tempo de vida, a Migdal Filmes, do Rio de Janeiro, criada em 2010 pela produtora Iafa Britz.
Responsável por sucessos como Se eu fosse você, Iafa desenvolveu a adaptação do teatro para as telas de Minha mãe é uma peça, ao mesmo tempo em que captava recursos para filmar. “Foi muito rápido. Levei um ano e meio para levantar o dinheiro”, diz. A segunda parte já está prevista para 2015. O desafio está em transformar o processo todo em uma espécie de linha de montagem, em que várias obras sejam feitas simultaneamente. Dessa forma, as empresas não dependerão do sucesso de cada filme para ter capacidade financeira de completar o próximo. “Retira a pressão, em especial sobre a produtora, para fazer um blockbuster”, afirma Iafa.
Com isso, os fracassos, tão comuns na sétima arte, serão mais bem aceitos. Essa segurança também será apoiada pelo aumento da rede de cinemas. De 2009 a 2013, o número de salas em funcionamento aumentou de 2.110 para 2.679. Trata-se de uma reversão do processo que ocorria desde o começo da década de 1980, época em que havia mais de quatro mil salas em operação. “Com o fechamento dos cinemas de ruas, em zonas populares, foi reduzido o circuito exibidor, principalmente o público das classes B e C, que mais frequentava os filmes nacionais”, diz Mariza Leão, da Morena Filmes. A tendência atual recupera esse espectador, sobretudo nas regiões menos privilegiadas economicamente.
No Nordeste e Centro-Oeste, o incremento de salas foi de 14,3% e 13,1%, respectivamente, em 2013. Entre as empresas mais beneficiadas por esse cenário, estão as distribuidoras, que passaram de coadjuvantes a protagonistas na criação de filmes. A Paris Filmes, sediada no bairro do Pacaembu, em São Paulo, é o melhor exemplo desse movimento. A empresa se tornou, em 2012, a maior distribuidora do País, rompendo com décadas de domínio das gigantes estrangeiras. Em 2013, ela repetiu o feito, respondendo por 20% do público de cinema, superando a Disney, que tem em seu portfólio produtos poderosos, como as animações da Pixar e os filmes de super-heróis da Marvel.
Em conjunto com a sua parceira Downtown, a Paris Filmes distribuiu nove das 20 maiores bilheterias nacionais do ano. Mas nem sempre foi assim. A estratégia de apostar em filmes nacionais foi definida há três anos. Antes disso, a distribuidora paulista dependia muito de sucessos internacionais, como a saga do bruxinho Harry Potter e a dos vampiros teen de Crepúsculo. Em quatro anos, a participação do cinema brasileiro entre os espectadores da empresa aumentou de 10% para 50%. Agora, a Paris percebeu que pode dar um passo além. Ela está se transformando em um miniestúdio de cinema, ajudando até a iniciar projetos de filmes e a burilar roteiros de produtores independentes, para que turbinem seu potencial de renda.
“Tenho passado o dia inteiro lendo roteiros e pensando nos atores e diretores certos para cada projeto”, diz Sandi Adamiu, diretor de marketing e neto do imigrante romeno homônimo que fundou a distribuidora. Para reforçar o faturamento, a Paris desenvolveu em 2013 uma nova e promissora frente de negócios: a de inserção de marcas patrocinadoras nos filmes, conceito conhecido como “product placement”, um primo próximo do merchandising da televisão. Para colocar em prática esse negócio, a empresa de Adamiu abriu uma subsidiária da suíça Propaganda GEM, especializada nesse tipo de ação.
Entre os primeiros projetos da Propaganda GEM brasileira, figura a inclusão de roupas de camas da marca de luxo Trousseau em Até que a sorte nos separe. O mesmo filme contou com um personagem que trabalha na corretora XP Investimentos, outra patrocinadora. “Nos EUA, o ‘product placement’ é a cereja do bolo da receita de um filme, mas aqui pode até se tornar uma fonte essencial de financiamento”, afirma o suíço Lorenzo de Miranda, diretor-geral da Propaganda GEM no País. A aposta na sofisticação dos negócios indica que um sonho antigo dos empreendedores do setor está virando realidade. “O cinema brasileiro virou indústria”, diz Fraccaroli, da Paris. Cabe às empresas continuar oferecendo filmes que o público deseja ver, e correr para embolsar os lucros.