03/03/2023 - 3:00
Nas últimas três décadas, a executiva Patricia Audi ocupou cargos de destaque em empresas privadas e em órgãos de governo. Formada em administração e especializada em gestão pública, passou por grandes bancos como Citibank e Santander, e ganhou destaque a partir de 1997, sob o governo FHC, quando assumiu o posto de Secretária do Programa Nacional de Direitos Humanos. Já nos anos 2000, ocupou a cadeira de diretora de benefícios do INSS com a missão de modernizar a Previdência Social. Foi ainda coordenadora nacional de um projeto que combatia a escravidão em território brasileiro, braço que faz parte da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Hoje no comando do RenovaBR, uma iniciativa de renovação política idealizada pelo empreendedor Eduardo Mufarej, ela diz ter encontrado uma forma diferente de contribuir para o País, num momento tão importante para a democracia. “Meu papel é ajudar com a experiência dos setores público e privado”.
DINHEIRO – O Brasil é outro depois dos ataques de 8 de janeiro?
PATRICIA AUDI – Os atos de 8 de janeiro assustaram a todos, mas o mais importante foi verificar a reação das instituições a partir desse episódio. Os Três Poderes e a sociedade civil reagiram muito bem. Nossa democracia acabou fortalecida.
A reação foi positiva, na sua visão?
Sem dúvida. A reação contundente e a não aceitação de qualquer ato de barbárie deixou o País mais forte. A união dos governadores, empresários, sociedade civil. É uma rocha.
Mas uma parcela de empresários não aceitou a derrota do ex-presidente…
Estando na sociedade civil, não consigo enxergar isso. O que vi é que tivemos um presidente eleito pela maioria. Assim como nós, os empresários têm grande expectativa com relação ao desenvolvimento do País.
Se entre os empresários não é claro esse viés bolsonarista, no Congresso ele é evidente. Isso será um obstáculo para o governo Lula aprovar temas importantes, como as reformas?
O governo Lula foi eleito exatamente por conta da falta de desenvolvimento das promessas com relação às reformas. Então, a expectativa, não só minha como da sociedade civil, é que o Congresso abrace as propostas do governo e que dialogue. A volta do diálogo é um valor muito importante para a retomada da normalidade. Tem de retomar o diálogo porque a democracia e a boa política são feitas disso. De pessoas que têm opiniões diferentes, mas que se entendem.

Mas não foi isso o que se viu nos últimos quatro anos…
A construção de um país se dá exatamente a partir da falta de consenso. A partir das opiniões é que a gente consegue encontrar pontos comuns para construir uma nação. Nesse ponto, é o que os eleitores mais esperam do novo governo. Com a volta do diálogo entre governo e Congresso poderemos discutir um projeto de país, de desenvolvimento socioeconômico e uma nação mais igual.
Lula vai conseguir seduzir apoio da maioria no Congresso?
O governo tem habilidades para construir consensos no Congresso. Acredito que o Lula terá o apoio necessário para aprovar as reformas e as pautas mais importantes para o Brasil. Não vejo isso como dificuldade.
Quais foram os erros e acertos de Bolsonaro?
Não gostaria de fazer esse tipo de avaliação num ambiente tão polarizado. Se opinar, vamos perder a neutralidade, algo que para nós é tão caro. Nossas lideranças estão se qualificando da melhor forma possível. Ideologicamente, cada um toma sua decisão dentro do plenário.
Como presidente de uma entidade criada para promover a renovação na política, como avalia o Congresso eleito, que de renovação tem pouca coisa?
O Congresso atual tem mais ou menos o mesmo percentual de renovação das últimas eleições. A renovação é baixa, na média. Mais importante do que esse índice, e nisso entra a função do Renova, é garantir a qualidade dessa renovação. Cada vez mais a gente precisa ter políticos capazes de dialogar, de argumentar e de respeitar as diferenças. E mais, temos de incentivar parlamentares a buscar consensos a partir de dados, de evidências e da ciência. Assim, poderão tomar melhores decisões e fazer as melhores votações. Isso é o que espero. Mas entendo também que essa é uma questão de amadurecimento. No Renova, também fazemos renovação política a partir do momento em que damos subsídios, fornecemos informações.
Mas os presidentes da Câmara, Artur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, continuam os mesmos. Isso é bom?
A liderança deles foi importante no passado. E acredito que vai ser agora, de novo. A aprovação dessas pautas de unificação e daquilo que o governo entende como prioritário passa pelo diálogo deles com o governo. Essa é a boa política. Espero que a liderança deles continue produzindo esses efeitos positivos.
De que forma?
Dar instrumentos para que os políticos que já estão lá no Congresso também possam tomar as melhores decisões. Isso inclui debates de informações daqueles que tenham conhecimento das pautas que vão estar na agenda nacional e que vão ser relevantes no País.
Quando se fala em eficiência na gestão pública, logo se pensa em redução do Estado, mas essa não é uma bandeira de Lula. Qual sua visão?
Não posso dizer que o que Lula defende é um Estado maior e menos ineficiente. Não vejo isso. O Estado eficiente e a boa gestão pública precisam ser capazes de atender as demandas da sociedade. Não importa se é maior ou menor. Vejo que uma boa máquina pública precisa buscar essa eficiência. A gente viu muito pouco do novo governo. Não dá para avaliar. Alguns movimentos iniciais vi como positivos, entre eles a recriação de um Ministério do Planejamento.
Recriar ministério resolve?
Entendo que isso tem a ver com uma busca pela eficiência. Por isso não gostaria de entrar nesse debate do Estado maior ou menor. O Estado tem que servir à necessidade de desenvolvimento de uma sociedade e suas políticas públicas.
Na sua opinião, quais são os maiores desafios do governo Lula?
Um desafio importante é a pacificação do País em busca de pautas comuns. Mas a gente não tem como não citar a questão da educação e de uma política ambiental que recoloque o País na projeção internacional que merece. Temos um ativo econômico fundamental, que é a Amazônia. E temos o desafio de melhorar o ambiente de negócios, o acesso à saúde, diminuir a desigualdade e, principalmente, combater a pobreza e a fome. Tudo isso passa, obrigatoriamente, por construir consensos.

A guinada do Brasil na política externa, com um realinhamento com governos desafetos de Bolsonaro, pode resultar em benefícios no curto prazo?
Vai trazer benefícios sociais e econômicos no médio e longo prazo. Antes disso, o Brasil vai precisar retomar a posição, a cooperação, o diálogo e o protagonismo internacional que sempre teve. Mas não sei se existe um alinhamento político. Existem interesses comerciais e um alinhamento da América Latina com relação ao estabelecimento de relações que foram importantes no Brasil. Não vejo nisso um alinhamento ideológico ou político. O Brasil como país tem o dever de conversar e receber todos os países.
Como diretora de uma escola de formação política, quais são as novidades da sua gestão?
A ideia não é mudar o que vinha sendo feito, mas amadurecer. A gente vai aprendendo, errando e fazendo… É essa nova fase do Renova. Existe um amadurecimento daquilo que a gente pode contribuir para a boa política. O objetivo é estimular a entrada de pessoas que nunca estiveram na política. Então, nosso trabalho é oferecer cursos para que essas pessoas possam se candidatar.
Mas o Renova também está ajudando políticos da ativa?
Sem dúvida, estamos fornecendo formação continuada àqueles políticos que têm interesse em se aperfeiçoar e ter mais conhecimento com relação a uma pauta específica. A Reforma Tributária, tão falada nos últimos anos, é um exemplo dessa demanda. A assistência pode ser com formação continuada para políticos que já se elegeram. A ideia é apoiar os alunos que exercem seus mandatos naquilo que eles entendem, contribuindo com informações fundadas, com pesquisas e com estudos.