Lula é um político brilhante. Numa Nação tão brutalmente desigual e de elites medonhas, ele conseguiu sair da miséria para a Presidência. Três vezes. No voto. Sem utilizar o modelo ‘papai-quis’ indefectível das dinastias político-judiciárias brasileiras. Sofreu ainda um afastamento tendencioso e ilegal por meio de 580 dias de prisão, período que o tirou da disputa presidencial de 2018 e levou Jair Bolsonaro a uma cadeira que nunca soube ocupar, por falta de modos e civilidade. Sobre a prisão de Lula, aliás, vale uma explicação aos analfabetos factuais: em 2021, o petista teve as condenações na Lava-Jato anuladas. É como gol anulado: não vale para a artilharia, não vale para o placar do jogo, não vale para pontuar no campeonato. Puft! Deixa de existir. E se uma condenação deixa de existir ela transforma o condenado em não condenado. Como diz a Constituição: “Art. 5º/LVII – Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença”. Agora, de forma legendada: inocente até existir condenação (que não existe até aqui). Por tudo isso o presidente tem o dever, com ele mesmo, de cuidar bem melhor de um ativo tão valioso quanto essa biografia rara.

Não é o que ele tem feito.

Em especial quando se mete na economia, na qual mostra ignorância ­— deliberada ou orgânica. Talvez valesse a pena ao senhor presidente lembrar de sua própria história. E que ao assumir o cargo pela primeira vez, em janeiro de 2003, herdou um país em ordem institucionalmente com Estado devidamente minimizado. Se Fernando Henrique Cardoso cometeu uma grande estupidez (e cometeu) foi fazer nascer um dejeto chamado reeleição. Mesmo assim, te entregou um lugar de inflação arredia, mas hiperinflação domada. O senhor soube não estragar o presente. E colocou, para desespero de muitos petistas, o tucano recém-eleito deputado federal por Goiás Henrique Meirelles à frente do BC. Golaço. Na primeira reunião do Copom sob seu governo, com 20 dias de mandato, o que o fizeram com a Selic? Aumentaram. De 25% para 25,5%. E um mês depois? Aumentaram de novo, para 26,5%. Anda esquecido ou é só má-fé no discurso, senhor presidente Lula? Durante seu primeiro mandato inteiro a Selic só ficou perto da atual bem no finalzinho, após quase quatro anos, em outubro de 2006, quando a taxa foi para… 13,75%. A mesmíssima Selic de hoje (Deus é mesmo ironia pura!).

Esse patamar elevado levou ao recuo da inflação e, uia!, à queda de juros. Fez aparecer o crescimento em seus governos e derrubou a desocupação. Pois é, Lula. Domar a inflação é basilar. Porque ela é o mais feroz imposto sobre os pobres. Em seu segundo governo, o índice macabro dos juros oscilou entre 8,75% e 13,75%. Não era pouco. Mas decisivo em matéria de IPCA, que caiu ano a ano: de 9,30% (2003) a 3,14% (2006). No segundo mandato, manteve-se comportado e não passou de 5,91% (2010). Quem operou o desastre foi sua sucessora-poste Dilma Rousseff: começou com 6,50% (2011), finalizou com a tragédia de 10,67% (2015), quebrando a barreira de dois dígitos, o que não acontecia desde 2002. No impeachment, em agosto de 2016, o índice em 12 meses acumulava quase 9% — filho da recessão criada a partir de 2014.

Muitos do que comandavam essa jornada rumo ao fundo estão aí, nos seus ministérios. Em especial na Fazenda. Pode-se contar a história como quiser, presidente. Mas ser jornalista me ensinou algo: As-Coisas-São-O-Que-São. A turma que te aplaude vai dizer que a culpa não foi de Dilma, mas do cenário internacional. Se for verdade, é bom que o senhor diga, em nome da coerência narrativa e da lógica interna que deve mover os discursos, que em seu governo foi fruto, então, de um mundo que vivia o auge do preço das commodities. Ou foi o planeta que conspirou para seu governo ser positivo e o dela negativo, ou o mesmo planeta ficou na dele e o senhor mandou bem e ela mandou mal.

Por isso tudo, qualquer um que olhe atentamente sabe que o senhor não briga com Roberto Campos Neto. Briga com os fatos. Ou é burrice (e duvido), ou é cortina de fumaça — para desviar o foco dos verdadeiros inimigos, dos ministros já encrencados, ou desculpa para um ano duríssimo. Fórmula errada, com 20 anos de atraso. Faz zero sentido se tornar o melhor amigo de Arthur Lira e brigar com Campos Neto. Cuidado, presidente. Se imaginar esperto para sempre é prólogo de queda. O senhor já foi enganado pelo bonzinho Obama, que te chamava de ‘O Cara’ enquanto te traía boicotando o acordo nuclear costurado com a Turquia para o Irã. Hoje, esse traidor está mais perto, não está na economia e carrega junto metade de um país que te odeia.

Edson Rossi é redator-chefe da DINHEIRO.