Os partidos aliados, o próprio PT e o mercado querem mais. Reeleita, a presidenta Dilma Rousseff precisa agradar aos políticos, que buscam infatigável e vorazmente uma maior participação no governo, e aos investidores, insatisfeitos com o crescimento baixo, com a inflação alta e a fragilidade das contas públicas. Na volta ao Palácio do Planalto depois de três dias de descanso na Bahia, Dilma se reencontrou com todos esses problemas, enquanto define uma reforma ministerial. Mas ela não está sozinha nessa tarefa.

Nos bastidores, nas reuniões com aliados e na tomada de decisões, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva demonstra sua influência, dá o tom do discurso econômico e tenta, de todas as formas, emplacar nomes para o Ministério da Fazenda. Na terça-feira 4, Lula, Dilma e o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, passaram horas reunidos na Granja do Torto, residência de fim de semana da Presidência, em Brasília, mexendo no tabuleiro do segundo mandato. A decisão mais aguardada é sobre o novo comandante da Fazenda. Mais do que um nome, o anúncio dará um recado claro ao mercado sobre os rumos da política econômica.

Na dúvida sobre o que vai acontecer nos próximos anos, muitos empresários preferiram segurar investimentos. Querem saber se o novo governo Dilma será tão intervencionista quanto o primeiro, e quais são as perspectivas para o crescimento da economia. Lula indicou três nomes para o cargo. Henrique Meirelles, seu presidente do Banco Central, entre 2003 e 2010, Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco, que já sinalizou que não aceita um convite, e Nelson Barbosa, ex-secretário executivo na Fazenda. Os três são bem-vistos pelo mercado, com preferência para Trabuco e Meirelles.

Para Lula, o nome ideal, que tem trabalhado com afinco para que seja escolhido, é o do ex-presidente do BC. Falta ainda convencer a própria presidente, que reluta em oferecer a Meirelles a garantia de que não haverá interferência na condução da política econômica. Isso não significa, no entanto, que ele recuse o cargo, dadas as suas conhecidas ambições políticas. Outro forte candidato, este de consenso entre Lula e Dilma, e favorito no PT, é o economista Nelson Barbosa, que deixou o Ministério da Fazenda em maio do ano passado por discordar dos malabarismos fiscais executados pelo secretário do Tesouro, Arno Augustin.

Ele não desperta tanto entusiasmo do mercado como Meirelles, mas tem um bom relacionamento com Dilma. “A grande vantagem do Nelson Barbosa é que ele já está acostumado a ser xingado”, diz um interlocutor de Lula, referindo-se ao gênio difícil da presidente. “O problema é a Dilma conseguir alguém que aceite o seu jeito: durona, mal-humorada e mal-educada”. O novo ministro da Fazenda terá desafios difíceis pela frente, o que levou Lula a recomendar à presidente que faça o anúncio o quanto antes, para tranquilizar os investidores. Mas Dilma avisou, na quarta-feira 5, que os nomes dos novos integrantes da Esplanada dos Ministérios só virão “por partes”.

Questionada se a divulgação dos escolhidos sairia antes da reunião do G20, na Austrália, para onde embarca na noite da terça-feira 11, ela respondeu que não. Depois de eleição, o governo e o PT passaram a admitir que a economia precisa de “ajustes graduais”. As primeiras medidas foram a alta de 0,25 ponto percentual na taxa básica de juros para 11,25% ao ano, na primeira semana após a eleição, e o aumento de 3% no preço da gasolina e de 5% no diesel na quinta-feira 6. Há quem identifique as digitais de Lula nessa decisão. Em discurso durante reunião com a bancada do PSD, no Palácio do Planalto, Dilma enumerou os pontos que sintetizam sua visão para a economia.

“Aceleração do crescimento, combate à inflação, preservação da responsabilidade fiscal, continuidade da expansão do emprego e da renda, e da inclusão social”, afirmou, num discurso defendido por seu mentor político–qualquer semelhança com a Carta ao Povo Brasileiro, de 2002, não é mera coincidência. No dia seguinte, em entrevista a um grupo de jornalistas, a presidente afirmou que seu governo vai “apertar o controle da inflação”, mas sem gerar desemprego ou reduzir os níveis de investimento e o poder aquisitivo da população. “Vou manter os níveis de emprego e renda”, afirmou.

Para acreditar nessas palavras, no entanto, empresários e investidores querem antes saber quem comandará a Fazenda. O espaço de articulação do ex-presidente não se limita apenas à equipe econômica, e nem se restringe ao Executivo. Lula também está articulando com os congressistas do PT para conter a atuação do PSDB na Câmara e, especialmente no Senado, que estará fortalecido com o apertado resultado das urnas e uma bancada mais experiente. Na quinta-feira 6, dois dias depois da viagem de Lula a Brasília, o assunto foi discutido com um grupo de 15 senadores petistas atuais e eleitos, que se deslocaram para São Paulo para se encontrar com o ex-presidente num hotel na Zona Sul.

Durante quase quatro horas, discutiram o novo cenário no Congresso, fizeram um balanço da eleição e traçaram estratégias. “Calculamos que há 39 senadores que claramente fazem parte da base aliada, outros 20 que são com certeza oposição e outros 22 que estão cá e lá e com quem precisamos dialogar”, disse o senador Eduardo Suplicy, depois de participar da reunião. A preocupação é procedente. Em seu primeiro discurso no Congresso Nacional após as eleições, o senador Aécio Neves (PSDB) deu o tom a ser seguido pela oposição no segundo mandato.

“Enxerguem em cada gesto dos parlamentares da oposição a voz estridente de mais de 51 milhões de brasileiros, que não aguentam mais ver o Brasil capturado por um partido e por um projeto de poder”, disse. Nos últimos anos, congressistas do PT e da base aliada reclamaram com Lula da falta de espaço e de diálogo com o Planalto e atribuem à presidente a culpa pelas dificuldades do governo no Congresso. Mas acreditam que isso pode mudar. “Dilma já disse que quer ampliar o diálogo e está fazendo vários gestos”, diz Humberto Costa, líder do PT no Senado.

Para evitar que a oposição se aproveite de divergências na base aliada, como o PMDB, o PP e o PDT, Lula já começou a procurar os senadores de outras legendas, como o vice-presidente e senador do PMDB, Valdir Raupp. Lula e o PT avaliam que será preciso coordenar as ações do partido para dialogar com todos os senadores e impedir que a oposição ganhe espaço no Congresso. O maior risco está na Câmara dos Deputados, onde o líder do PMDB, Eduardo Cunha, quer romper o acordo de alternância na presidência da Casa firmado entre PT e PMDB, os dois partidos com maiores bancadas.

Embora integre a base aliada, por diversas vezes Cunha se comportou como líder da oposição durante o primeiro mandato, o que pode ajudá-lo a conseguir votos do PSDB na disputa pela presidência da Câmara. Enquanto negociava com Dilma e os partidos aliados em favor de seus apadrinhados, Lula pôde comemorar, na semana passada, o sucesso de outro afilhado, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. Com a renegociação da dívida dos Estados e municípios aprovada no Senado, Haddad ganha um fôlego nas contas e a possibilidade de colocar em prática os investimentos que prometeu na campanha.

A dívida de R$ 11,3 bilhões em 2000 passou para R$ 57 bilhões. Sem a troca do indexador, chegaria a R$ 150 bilhões em 2030. Com a mudança, Haddad diz que o débito será zerado em 2030. “A cidade estava sem horizonte e sem capacidade de crescimento”, afirmou o prefeito. Com a derrota de Dilma e do candidato de Lula a governador, Alexandre Padilha, em São Paulo, o PT precisa muito de um bom desempenho de Haddad para ter alguma chance nas próximas eleições municipais, em 2016.

Já de olho mais adiante, em 2018, – embora negue que pretenda ser candidato – Lula sabe que precisa de uma economia nos trilhos para manter as conquistas sociais que garantiram a vitória apertada nas urnas. Com o mesmo pragmatismo que o levou a dar carta branca ao médico Antonio Palocci, em 2003, para executar um ajuste ortodoxo, o ex-presidente resolveu assumir o papel de piloto da economia – e pressiona nos bastidores. Se Dilma deixar, Lula emplaca Meirelles na Fazenda e Barbosa no Planejamento. Seria o fim dos malabarismos fiscais e um verdadeiro chá de camomila para o mercado financeiro.