04/11/2022 - 1:50
Quando nos referimos à África, é fundamental compreender que estamos falando de um continente formado por 54 estados nacionais. Esse entendimento é necessário para evitar o erro estratégico de tratar a África como uma entidade.
É importante ter a sensibilidade e a decisão de dialogar com o devido respeito às diferenças, observando os diversos fatores socioeconômicos, políticos e culturais de cada país.
Certamente, com um olhar atento aos relevantes laços que unem a África e o Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, no início de seu primeiro mandato como presidente brasileiro, decidiu priorizar as relações do País com o continente africano.
Sua decisão aconteceu a despeito de a África, àquela época, sofrer de má percepção devido à persistente narrativa da mídia de más notícias focadas em terrorismo, guerras, doenças e fome, ignorando as mudanças transformadoras positivas que acontecem no continente.
No entanto, é necessário registrar que, nos últimos anos, notadamente durante o governo do presidente Jair Bolsonaro, as relações históricas do Brasil com o continente africano foram esquecidas e houve a clara decisão (por miopia, preconceito ou ambos) de deixar a África de fora da agenda externa brasileira. Bolsonaro, durante seus quatro anos de governo, nunca visitou nenhum país da África, nem favoreceu uma agenda de entendimento multilateral com seus homólogos africanos.
Lula, agora presidente eleito pela terceira vez pelo povo brasileiro, tem a missão de reaproximar o Brasil e a África e certamente não encontrará grandes dificuldades de reestabelecer os laços de amizade e cooperação com aquele continente.
É muito importante destacar que Lula, 20 anos depois, encontrará uma África mais atraente e que tem chamado a atenção de diversos países, que veem no continente um vasto potencial de oportunidades, notadamente pelos seus indicadores econômicos e tendências futuras.
A África é o segundo maior continente em tamanho e população com 1,2 bilhão de habitantes, onde 70% das pessoas têm menos de 30 anos de idade, 60% das terras agrícolas não cultivadas do planeta e 30% dos recursos naturais restantes no mundo estão na África. O continente apresentou em 2019 um PIB de US$ 2,6 trilhões (os dados são anteriores à pandemia de Covid-19), com algumas das economias que mais crescem no mundo: Etiópia, Ruanda, Costa do Marfim, Djibuti.
Esses dados são relevantes para entendermos que a África de hoje é positivamente distinta e requer uma atenção especial para as inciativas que podem trazer benefícios para todos os lados. Isso cobra um desafio urgente de identificar as melhores capacidades brasileiras de cooperação com e na África.
É fundamental a definição de uma agenda pragmática criando um ambiente propício para acordos bem sucedidos a fim de facilitar o acesso de investidores brasileiros às vastas oportunidades disponíveis no continente africano para inúmeros setores brasileiros, especialmente agricultura e comércio, além de investimentos em serviços de infraestrutura.
Sobre a agricultura, o Brasil pode voltar a contribuir de forma solidária para melhorar e aumentar a produção agrícola, notadamente através da transferência de tecnologia e capacitação de jovens das zonas rurais com conhecimentos e competências para tornar a atividade mais sustentável e atrativa para as novas gerações. A Embrapa, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, vem espalhando o know-how e a tecnologia brasileira pela África em diversos projetos.
No tocante à agenda comercial com a África, o Brasil pode se beneficiar com a implementação recente da Área de Livre Comércio Continental Africana (AfCFTA, na sigla em inglês), um pacto comercial ambicioso para formar a maior área de livre comércio do mundo, criando um mercado único para bens e serviços, aprofundando a integração econômica da África. Além disso, a redução das barreiras regulatórias ao comércio de serviços em todo o continente pode atrair investidores no setor de serviços, o que é muito bom para o Brasil.
Em conversas com líderes de governos africanos e empresários da região, tenho ouvido apelos para o retorno das boas relações entre os dois lados. Tenho certeza que o presidente Lula mais uma vez terá a oportunidade de animar os brasileiros e africanos sobre o grande potencial para as parcerias entre os dois lados do Atlântico.
João Bosco Monte é presidente do Instituto Brasil África