03/06/2015 - 18:53
Faz tempo que o Brasil deixou de ser idolatrado no futebol, mas nos rankings internacionais de taxa de juros, segue imbatível, com direito a um lugar de honra no coração dos especuladores de todos os matizes. Um levantamento feito pelo economista-chefe do portal MoneYou, nos últimos dez anos, mostra que governo brasileiro sempre liderou a lista dos maiores pagadores de juros reais. “Nunca deixamos de estar entre os três primeiros colocados”, diz Vieira. As medalhas, no entanto, geram um custo enorme para os cofres públicos. Em 2014, segundo o Banco Central (BC), o País gastou R$ 311,4 bilhões com juros nominais, dos quais R$ 118 bilhões foram de operações indexadas à taxa básica (Selic).
Neste ano, com o aperto monetário a pleno vapor, o quadro vai piorar ainda mais, eliminando parte do esforço fiscal. Encerradas as eleições presidenciais, em outubro do ano passado, o BC iniciou um ciclo de alta da Selic com o objetivo de controlar a inflação. Até agora, a taxa básica passou de 11% para 13,25% ao ano e deve subir ainda mais na quarta-feira 3, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) se reúne, em Brasília. Mesmo diante do encolhimento do Produto Interno Bruto (PIB), com impacto negativo no mercado de trabalho (leia reportagem AQUI), os diretores do BC seguem firmes no aperto monetário que, além de recessivo, deteriora as finanças públicas.
Se a Selic chegar a 14%, como preveem alguns analistas, o impacto direto no passivo atrelado à taxa básica de juros terá sido de R$ 30,7 bilhões, conforme cálculo feito pelo economista da Tendências Consultoria, Fabio Klein, a pedida da DINHEIRO. O custo fiscal causado pelo atual ciclo de aperto monetário representa quase a metade de todo o corte no orçamento anunciado na semana retrasada, de R$ 69,9 bilhões, e supera a tesourada de R$ 25,7 bilhões feita no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), vitrine de investimentos do governo Dilma.
Na opinião do chefe do departamento econômico da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, os integrantes do Copom não podem ignorar o custo do aperto monetário na hora de calibrar a Selic. “A alta de juros é exagerada”, diz Freitas, convencido de que o presidente Alexandre Tombini errou ao prometer publicamente atingir o centro da meta de inflação, de 4,5%, em dezembro do ano que vem. Isso, segundo Freitas, criou uma “camisa de força” que está obrigando o Copom a elevar os juros numa intensidade maior do que a necessária, por exemplo, caso o objetivo fosse buscar o centro da meta, ao longo de 2017.
Em audiência da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização do Congresso, na terça-feira 26, o presidente do BC reafirmou ser imprescindível que a política monetária se mantenha vigilante para assegurar a convergência da inflação à meta no fim de 2016. “A alta dos juros é um remédio que, infelizmente, tem de ser aplicado neste momento”, afirmou Tombini. Para Freitas, que foi diretor do BC, na década de 1980, a missão da autoridade monetária é “curar o doente e não matá-lo”. Crítico contumaz da política de juros altos, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo estima que o Estado brasileiro transferiu 125% do PIB para os detentores de títulos públicos, sob a forma de pagamento de juros reais, no período de 1995 a 2011.
“A taxa de juros continua acima da média mundial, lá na casa do capeta”, afirma Belluzzo, que foi secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, no governo Sarney, nos anos 1980. “É uma anomalia que elevará a dívida pública bruta de 60% para 70% do PIB neste ano.” Os especialistas ouvidos pela DINHEIRO avaliam que o BC está turbinando os juros para tentar recuperar a credibilidade perdida nos últimos anos, quando a autoridade monetária foi acusada de ser leniente com a inflação.
“Os erros da política fiscal e da política monetária dos últimos anos geraram incertezas no mercado”, diz Klein, da Tendências Consultoria. “E quanto maior a incerteza, maior a taxa de juros necessária para resgatar a confiança, o que aumenta o custo do ajuste.” Para Belluzzo, a estratégia é obviamente equivocada. “O governo corta R$ 69,9 bilhões e eleva os juros para 14%, corroendo o esforço fiscal. Faz sentido?”, indaga o economista.
AJUSTE FISCAL Passada a etapa do corte no orçamento, a equipe econômica focou suas energias na aprovação do pacote fiscal no Congresso Nacional. Na noite da terça-feira 26, os senadores validaram as mudanças na concessão do seguro-desemprego e do abono salarial que, na prática, dificultam o acesso aos benefícios. No dia seguinte, os parlamentares votaram as novas regras para auxílio-doença e pensão por morte, e derrubaram o fator previdenciário (leia destaque ao final da reportagem). Na quinta-feira 28, o Senado ratificou a elevação de impostos sobre produtos importados, com o objetivo de arrecadar R$ 600 milhões neste ano.
A postura irredutível do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que tem negociado pessoalmente com os parlamentares, vem recebendo severas críticas das centrais sindicais e das entidades patronais. “Ele já teve R$ 70 bilhões de corte. O que quer mais?”, questiona Robson Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI). “Quer nosso pescoço agora?” Levy não esconde a sua preocupação com o esvaziamento dos cofres públicos. Na segunda-feira 25, quando ainda repercutia a sua ausência na divulgação dos cortes no orçamento, Levy foi taxativo, em Brasília.
“Nos últimos anos, a arrecadação sistematicamente não tem atendido às necessidades do governo”, afirmou. Três dias depois, o Tesouro Nacional anunciou que a economia do governo federal foi de R$ 10,1 bilhões em abril, uma queda de 39% em relação ao ano anterior. No acumulado do ano, o superávit fiscal é de R$ 14,6 bilhões, metade do valor registrado em 2014, ano em que as contas públicas tiveram um déficit inédito. “Estamos satisfeitos com o superávit primário alcançado”, disse Marcelo Saintive, secretário do Tesouro. “Dentro do possível, parece que estamos caminhando bem.”
Para cumprir a meta cheia de superávit primário deste ano, no total de R$ 66,3 bilhões (1,1% do PIB), a equipe econômica conta com a ajuda dos demais entes da federação, que terão de economizar R$ 11,1 bilhões. Porém, na noite da quinta-feira 28, o Senado autorizou os Estados e os municípios que tiveram perdas com royalties de petróleo, gás natural, energia elétrica e mineração, em 2013 a 2014, a antecipar receitas para socorrer seus caixas através de empréstimos. Isso, é claro, ignorando qualquer limite de endividamento. Para desconsolo de Levy, é mais um jeitinho que pode dificultar o cumprimento da meta fiscal.
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O nó da Previdência
O senado derrubou o fator previdênciário, criado em 1999. o impacto fiscal é de R$ 300 bilhões
Por Gabriel Baldocchi
O governo teria motivos de sobra para comemorar a aprovação na quarta-feira 27, no Senado, da Medida Provisória (MP) que corrige distorções em benefícios da Previdência, uma das principais propostas do ajuste fiscal conduzido pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Não fosse, é claro, a rebeldia dos deputados, que inseriram uma emenda para acabar com a fórmula do fator previdenciário, mecanismo criado no governo Fernando Henrique Cardoso, em 1999, para desestimular a aposentadoria precoce. Bastaria, agora, a sanção presidencial para que a nova fórmula das aposentadorias passasse a valer, mas isso não deve acontecer.
O impacto potencial da alteração nos gastos públicos é estimado em até R$ 300 bilhões em vinte anos, uma conta que preocupa o governo. Caberá à presidente Dilma Rousseff o constrangimento de vetar o trecho que trata do tema, contrariando um pleito histórico das centrais sindicais, e apresentar, a toque de caixa, uma proposta alternativa. A emenda inserida na MP institui a fórmula 85/95, números que correspondem à soma do tempo de contribuição e idade (50+35, por exemplo), para mulheres e homens, respectivamente, como mínimo necessário para requerer a aposentadoria integral.
Um exemplo usado pelo economista Fabio Giambiagi, especialista em Previdência, ilustra a mudança, na prática. Uma mulher que começou a contribuir aos 18 anos, recolhendo, na média, R$ 2.000, teria, aos 48 anos, uma aposentadoria de R$ 1.100 devido ao fator previdenciário. Com a nova regra, poderia esperar mais três anos e passar a ganhar o benefício mensal de R$ 2.000, a partir de 51 anos. Essa diferença é o que cria o gasto adicional. Pelos cálculos de Marcelo Caetano, especialista no tema do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), só em 2015, o fator previdenciário ajudará o governo a economizar cerca de R$ 30 bilhões. “Falar que isso não é grande coisa, não está certo”, afirma Caetano.
Cerca de 30% das aposentadorias aprovadas atualmente são por tempo de contribuição. Estimativas do governo, sem considerar a alteração, apontam uma elevação dos gastos com a Previdência Social de 0,7 ponto percentual do PIB até 2018 – alcançariam o equivalente a 7,87% do PIB, com um déficit estimado em R$ 88 bilhões. Em 2050, a conta negativa alcançaria cerca de R$ 3 trilhões. Por isso, a mudança que cria o gasto adicional passou a ser considerada uma contra-reforma por especialistas no tema, que demandaria um aumento ainda maior na carga tributária brasileira.