Em 2012, o Brasil ainda era o “queridinho do mercado” quando o governo federal lançou um vasto programa de investimentos em logística, que previa a construção e a recuperação de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. A meta era atrair investimentos de mais de R$ 216 bilhões, a maior parte através de concessões. Dois anos e meio depois, a infraestrutura brasileira continua precária e a imagem do País foi severamente abalada pelos escândalos de corrupção envolvendo a Petrobras e grandes empreiteiras, alvos da operação Lava Jato, da Polícia Federal.

Até hoje, poucos projetos saíram do papel – apenas seis aeroportos e alguns trechos de rodovias – e os empresários continuam arcando com elevados custos de transporte de mercadorias, que reduz a produtividade industrial e penaliza até o bem sucedido setor do agronegócio. Disposto a mudar esse quadro, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, embarcou na terça-feira 14 para os Estados Unidos, com uma bagagem reforçada de ternos e gravatas, suficiente para seis dias de intensas reuniões com representantes do capital estrangeiro.

Em meio aos eventos de primavera do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, e encontros com ministros do G-20 e dos BRICS, em Washington, Levy abriu espaço na sua agenda, na quinta-feira 16, para conversar com estrangeiros interessados em projetos de infraestrutura. No fim de semana, a embaixada do Brasil na capital americana também seria palco de uma recepção para investidores e banqueiros, e na segunda-feira 20, o road show continuaria em Nova York. O portfólio levado por Levy é extenso e inclui, além dos modais de transportes, projetos de usinas hidrelétricas e outras fontes de energia.

Nas próximas semanas, o governo deve lançar o edital das concessões dos aeroportos de Porto Alegre, Florianópolis e Salvador. A tarefa de “vender” o Brasil para os estrangeiros, no entanto, ficou mais difícil na atual conjuntura. “O Brasil está sendo questionado pelos investidores estrangeiros”, diz Rafael Guedes, diretor-executivo da Fitch Ratings, referindo-se à operação encabeçada pelo Juiz Federal Sérgio Moro, de Curitiba (leia entrevista ao final da reportagem). O pano de fundo macroeconômico contempla a queda na arrecadação, a inflação acima do teto da meta, o aumento do desemprego e a estagnação da renda real.

Levy não havia nem desembarcado em Washington quando, na terça-feira 14, o FMI divulgou o relatório intitulado “Panorama da Economia Mundial”, que projeta um crescimento de 3,5% para a economia mundial. Em relação ao Brasil, a expectativa foi revista de uma alta de 0,3% para uma retração de 1%. A novidade positiva que agrada os investidores é que a nova equipe econômica não maltrata os números, como ocorreu no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. O próprio governo traçou um cenário realista no projeto de lei de diretrizes orçamentárias, enviado ao Congresso, na semana passada.

O texto traz como parâmetros uma recessão de 0,9% neste ano e uma expansão de 1,3% em 2016, com inflação de 8,2% e 5,6%, respectivamente. “O relatório do FMI chama a atenção para que a gente conclua o ajuste fiscal o mais rápido possível e tenhamos confiança para voltar a crescer”, afirma Levy, que tem como prioridade, desde o primeiro dia no cargo, a manutenção do grau de investimento do País (selo de bom pagador concedido pelas agências de classificação de risco). Para os investidores, entretanto, a crise pode ser sinônimo de oportunidade. “O investidor estratégico, que olha o longo prazo, tem apetite pelo Brasil”, diz Marcelo Martins, vice-presidente de Finanças do Grupo Cosan, que investe em energia e infraestrutura.

No entanto, o leque de oportunidades em logística tem obstáculos que estão além dos domínios do Palácio do Planalto. Há um ano, o Tribunal de Contas da União (TCU) analisa os editais para arrendamento de 29 áreas nos portos de Santos e do Pará, que ampliariam a capacidade de movimentação de cargas e atrairiam investimentos da ordem de R$ 4,7 bilhões. Na quarta-feira 15, o TCU apreciou o assunto e um ministro fez novo pedido de vista, adiando a autorização para a publicação dos editais. “É compreensível o zelo do TCU ao analisar este assunto, mas lembro que há um ano e meio temos investimentos represados”, afirma Edinho Araújo, ministro da Secretaria de Portos. Ciente das dificuldades, a presidente Dilma Rousseff reconhece que os investimentos estão rareando, mas acredita que a crise é temporária.

“Vamos diminuir alguns ritmos da política social e da infraestrutura, mas esperamos que haja recuperação a partir do final do ano”, disse Dilma, na terça-feira 14. Outro ponto que preocupa os investidores é o financiamento dos projetos. Em meio a um rigoroso ajuste fiscal, a equipe econômica reduziu os repasses do Tesouro Nacional aos bancos públicos. O problema é que, na primeira leva de concessões, a maior parte dos investimentos foi financiada pelo BNDES, com juros subsidiados. Como terá um papel mais tímido, o banco de fomento elaborou, em conjunto com a Associação Brasileira de Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima), um projeto para incentivar a participação do setor privado nos financiamentos de longo prazo.

Para captar recursos do BNDES com juros subsidiados, a empresa terá de emitir debêntures com valor equivalente (leia reportagem aqui). O mais difícil, porém, é convencer os investidores a trocar os juros altos pagos pelos títulos públicos por papeis atrelados à infraestrutura. “Somente um cenário macroeconômico com juros baixos e a volta da confiança no Brasil vão conseguir tirar o investidor da condição confortável de aplicar no CDI”, afirma Patrícia Pimenta, executiva da Bradesco Asset Management. É nesse cenário desfavorável que Levy está passando o chapéu.

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“O Brasil está sendo questionado pelos investidores”

O diretor-executivo da Fitch Ratings, Rafael Guedes, falou à DINHEIRO, na quarta-feira 15, sobre o impacto dos escândalos de corrupção na imagem do País

Os investidores estrangeiros estão assustados com a operação Lava Jato?
O Brasil está, sem dúvida nenhuma, sendo questionado pelos investidores estrangeiros. Eles querem saber o que está acontecendo, qual a nossa opinião e quais são as perspectivas.

O ajuste fiscal melhora essas perspectivas?
As medidas que foram tomadas pela equipe econômica, revertendo uma série de coisas que foram feitas no passado, têm sido bem interpretadas. Isso dá ânimo ao investidor.

E a alta do dólar?
O câmbio tem ajudado muito, pois todos os ativos que pareciam estar caros, no passado, ficaram atrativos.

A nomeação do vice-presidente da República, Michel Temer, para negociar com a base aliada reduziu a crise política?
Sem dúvida, a indicação do vice-presidente para a articulação política é muito positiva, pois ele é uma pessoa do ramo e comanda o partido mais forte do Brasil.

Ele tem alguma carta na manga?
Toda a nomeação do segundo e do terceiro escalão ainda não foi feita. Isso é um poder enorme que está sendo colocado à mesa. É o óleo nas engrenagens…