27/03/2015 - 20:00
Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe. O ditado popular sobre o caráter transitório das boas e das más notícias encaixa-se à perfeição ao momento vivido pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Num ambiente político conturbado, de guerra declarada entre o Executivo e o Legislativo, comandado pelo PMDB, Levy conseguiu respirar aliviado na segunda-feira 23, quando a agência de classificação de risco Standard & Poor’s (S&P) anunciou a manutenção do grau de investimento na classificação da dívida brasileira, que tem nota BBB-.
A notícia foi recebida com alívio pela equipe econômica, que nas últimas semanas fez um enorme esforço para mostrar aos analistas da agência – e também aos da Fitch, que visitaram Brasília recentemente – que o governo está se empenhando para colocar suas contas em ordem e merece uma segunda chance. Pois o voto de confiança foi dado e Levy livrou-se do paredão desse Big Brother financeiro. Mas ainda terá muito jogo pela frente para garantir a aprovação, no Congresso, do ajuste que permitirá ao País fechar as contas com superávit e preparar o terreno para o crescimento nos próximos anos.
Tudo, é claro, com “espiadinhas” das agências internacionais. A sensação de alívio do ministro, no entanto, durou poucas horas. Na noite de terça-feira, enquanto Levy se reunia em São Paulo com alunos da Universidade de Chicago (leia matéria ao final da reportagem), a Câmara dos Deputados aprovava por ampla maioria um projeto obrigando o Executivo a regulamentar, em 30 dias, a redução das dívidas dos Estados e municípios. A troca do indexador foi aprovada em 2014, mas o governo vinha adiando a regulamentação para evitar o impacto fiscal neste ano. “Não podemos fazer essa despesa, não temos condições de fazer isso agora”, afirmou a presidente Dilma Rousseff.
A mudança reduz em R$ 3 bilhões ao ano os pagamentos à União. Por outro lado, permite um alívio no caixa de cidades como São Paulo, que terá sua dívida reduzida de R$ 62 bilhões para R$ 36 bilhões. No Rio de Janeiro, o prefeito Eduardo Paes conseguiu uma liminar na Justiça Federal para pagar a dívida com base nas novas regras, reduzindo o débito com a União de R$ 6 bilhões para apenas R$ 27milhões. O projeto foi colocado na pauta na última hora pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), como parte da estratégia anunciada naquele mesmo dia pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).
Os dois, numa demonstração de poder sobre o Executivo, fizeram uma “pauta expressa” de votações na Câmara e no Senado, com tramitação acelerada nas duas Casas. A novidade indigesta da Câmara obrigou Levy a colocar em campo, novamente, o seu lado articulador político – confirmando o papel cada vez menor do ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, nas negociações com os parlamentares. O café da manhã com senadores da Comissão de Assuntos Econômicos, na quarta-feira 25, que já estava marcado, ganhou uma pauta nova. Levy pediu a ajuda dos parlamentares para não colocar em risco o ajuste fiscal.
“Onde eu vou buscar esses R$ 3 bilhões”, perguntou aos senadores. Conseguiu, ao menos, que Renan adiasse a votação do projeto mudando o indexador das dívidas para a terça-feira 31. Para Renan, a interferência do Congresso nos projetos do Executivo “vai aprimorar o ajuste”. O adiamento, no entanto, não saiu de graça. O presidente da CAE, senador Delcídio do Amaral (PT-MS), quer o apoio do Executivo para negociar um “pacote” de temas de interesse dos Estados, em troca do alívio para o caixa do governo. “Queremos retomar o pacto federativo, unificar a alíquota do ICMS e a convalidação dos benefícios fiscais e do comércio eletrônico”, afirmou o senador.
São medidas de difícil consenso, porque os Estados têm interesses diferentes, independentemente de seus senadores pertencerem a partidos do governo ou da oposição. Na avaliação do cientista político Leonardo Barreto, o Congresso não é necessariamente hostil ao ajuste, apesar da pauta impopular. O problema é que Dilma ainda não soube explicar qual modelo econômico será colocado em prática após o ajuste. “É uma indefinição talvez proposital, para dar a impressão para os movimentos sindicais e parte do PT de que se trata apenas de um freio de arrumação e que depois tudo voltará ao normal”, diz Barreto.
Em depoimento no Senado, na terça-feira 24, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, disse que um ajuste fiscal rápido tem um custo mais baixo para a sociedade, porque permite a volta do crescimento em tempo menor. “Tem de ser rápido e focado”, afirmou aos senadores da CAE. A propósito, a expectativa de que o ajuste será aprovado no Congresso foi o argumento usado pela S&P para explicar a manutenção do grau de investimento. Se o rating fosse rebaixado, como se temia, poderia haver fuga de recursos. A diretora de ratings soberanos da agência, Lisa Schineller, diz que a nota atual se mantém “apesar dos cenários político e econômico desafiadores que o País enfrenta”.
A agência também projeta uma recessão de 1% neste ano, como reflexo do aperto fiscal e monetário, da queda dos investimentos da Petrobras e de um avanço limitado das exportações. Crescimento mesmo só em 2016. O PIB de 2014, divulgado pelo IBGE na sexta-feira 27, mostrou uma economia praticamente estagnada – o crescimento foi de 0,1%. Esta é a paisagem vista pelo retrovisor. Neste caso, porém, o olhar através do para-brisas revela um cenário ainda mais desolador. Todas as previsões para este ano são de recessão, em graus variados.
O desemprego, que se manteve positivo no ano passado, já virou a curva. O índice de fevereiro, divulgado na semana passada, ficou em 5,9%, superior ao de janeiro e o maior para um mês de fevereiro desde 2011. A renda também caiu pela primeira vez desde 2011. O boletim Focus, com as estimativas de analistas do mercado, projeta uma queda de 0,83% no PIB deste ano. O cenário do próprio BC, traçado na quinta-feira 26, também não é dos mais animadores.
A autoridade monetária espera uma queda de 0,5% no PIB, com inflação de 6,9% no fim do ano. “A situação é de transição, com redução dos desequilíbrios dos preços relativos”, diz Luiz Awazu Pereira, diretor de Assuntos Internacionais e de Política Econômica do Banco Central.
O dado positivo é que 2015, ao que parece, é o fundo do poço. O BC espera uma inflação de 4,9% para o próximo ano, já livre dos esqueletos que foram tirados do armário no primeiro trimestre deste ano, como reajuste de energia e aumento de impostos. Para 2016, a expectativa é de voltar a crescer. “Vamos reequilibrar a economia para retomar os investimentos e inaugurar um novo ciclo de crescimento no próximo ano”, diz Armando Monteiro Neto, ministro do Desenvolvimento. O câmbio mais desvalorizado terá seus efeitos negativos para a inflação, mas deve contribuir para uma balança comercial superavitária.
Para a indústria, este ano também será de retração. “Esperamos uma queda de 1%, com crescimento de 1% em 2016”, diz Robson de Andrade, presidente da CNI. Na semana passada, o governo elevou de 5,5% para 6% os juros de longo prazo (TJLP), do BNDES, reduzindo o subsídio do Tesouro. Para alguns empresários, no entanto, o cenário é incerto. “A instabilidade política dificulta o ajuste econômico”, diz Guilherme Loureiro, presidente do Walmart Brasil. O presidente da Stefanini, Marco Stefanini, diz que torce para que a recuperação seja rápida.
“Porém, acredito que tanto 2015 quanto 2016 serão anos difíceis, e o crescimento só virá a partir de 2017”, afirma Stefanini. Como tem dito o ministro Levy, uma ação rápida vai permitir a volta do crescimento num prazo mais curto. O setor produtivo torce para que ele consiga colocar esse plano em prática. Paralelamente à negociação com o Congresso, Levy prepara o contingenciamento no Orçamento, que será anunciado nos próximos dias. E aí a choradeira virá dos colegas da Esplanada dos Ministérios. Livre de um paredão, o ministro terá novos desafios pela frente.
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“Cresceremos em 2016”
Por Paula Bezerra
O presidente do Conselho da Câmara Americana de Comércio (Amcham), Hélio Magalhães, tomou posse para mais um mandato, na quinta-feira 26. Ele falou à DINHEIRO.
O ajuste fiscal está no rumo certo?
O ministro Levy tem um plano correto para atacar os problemas econômicos, com uma implementação bastante adequada. Notamos isso pelo reconhecimento da agência Standard & Poor’s, ao não rebaixar a nota do País. Demonstra que o Brasil reconhece os problemas e está trabalhando para resolvê-los.
A instabilidade política pode atrapalhar o ajuste?
Comenta-se bastante sobre a aprovação do plano pelo Congresso. No entanto, do plano todo, apenas 20% precisa do aval de “terceiros”, o que possibilita ao ministro um espaço grande de trabalho dos outros 80%. Acredito que os partidos irão compreender a sua importância, mas não aprovarão 100%.
O que poderá ser barrado?
Há uma discussão sobre os programas sociais. Nenhum partido, sem uma análise mais profunda, vai concordar com mudanças em programas que possam afetar diretamente a população. Isso é óbvio.
Na sua avaliação, o Brasil está chegando ao fundo do poço em 2015?
Não usaria o termo fundo do poço, porque, na verdade, vejo o cenário atual como um momento temporário. Difícil, porém, temporário. Podemos sair dessa situação e com o plano apresentado pelo ministro, não tenho dúvida que este ano será difícil, em troca de um 2016 melhor. Talvez não com o potencial que o Brasil possui, que seria crescimento em torno de 2% a 2,5%. Porém, cresceremos em 2016.
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Chicago boys
Alunos e ex-alunos da Universidade de Chicago se reúnem em São Paulo para ouvir o ministro da fazenda, Joaquim Levy, Ph.D pela instituição americana
Por Paula Bezerra
Na noite da terça-feira 24, ao som de uma banda de jazz, cerca de 100 convidados, entre executivos, empresários e acadêmicos, cumprimentavam-se no lobby do renomado hotel Tivoli, no bairro dos Jardins, em São Paulo. Era a confraternização anual de alunos e ex-alunos da tradicional Universidade de Chicago, que teve como atração uma palestra do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, Ph.D em economia pela instituição na turma de 1993. Fundada em 1892, a universidade é conhecida por seu viés liberal e por abrigar nomes de peso, como o do monetarista Milton Friedman.
O termo “Chicago Boys” foi criado no anos 1970, no Chile, para classificar um grupo de economistas que adotaram medidas neoliberais na ditadura de Augusto Pinochet. Desde a sua confirmação como ministro, Levy, que é chamado de “Chicago Boy”, tem o seu rosto estampado na página principal do site do Departamento de Economia da Universidade de Chicago. Alguns integrantes da plateia falaram à DINHEIRO sobre o trabalho do ex-aluno ilustre no comando da economia brasileira.
“Conseguir que a S&P não rebaixasse o rating do Brasil foi uma vitória pessoal de Levy” - Odélio Arouca, administrador (turma de 2009)
“Esse nível de confiança que o mercado tem nele vai fazer muito bem para o Brasil” - Sofia Garrido, economista (turma de 2009)
“O direcionamento que Levy está dando para a economia é correto. O problema é se irão aceitar” – Rodrigo Medeiros, administrador (turma de 2003)
“Dadas as enormes restrições, Levy está fazendo um bom trabalho, mas é algo de longo prazo” - Ricardo Tiezzi, MBA em economia (turma de 2014)
“Os ajustes fiscais trazem uma luz mais liberal para um governo que tem sido visto como muito intervencionista” - Geraldo Gimenez, MBA em administração (cursando)