O empresário Ronaldo Sodré Santoro surpreendeu o mercado de leilões há pouco mais de duas décadas, ao trocar o trabalho na tradicional Casa Sodré Santoro, da sua família, por um projeto de pregões na internet. À época, chegou a ser desacreditado por outros profissionais do setor. Com apoio financeiro do Unibanco, no ano 2000 ele fundou o Superbid, que veio a se tornar um dos maiores portais do segmento na América Latina.
Passados 18 anos, ele deixou a Superbid para desenvolver uma rede colaborativa de leilões, a Bom Valor. Com investimento inicial de R$ 8 milhões, a plataforma se apresenta como a maior disrupção do setor, por aplicar a tecnologia blockchain, a mesma usada nas criptomoedas, com códigos gerados digitalmente para tornar a transações seguras, rastreáveis e transparentes. “Com o crescimento da plataforma, nossa meta é, em cinco anos, atingir R$ 100 bilhões em transações de mercadorias entre bens móveis e imóveis provenientes de alienação judicial, fiduciária ou patrimônio, sendo público ou privado”, disse Santoro.

Na Bom Valor, todo o processo para a realização do leilão é ambarcado na plataforma, que controla desde a etapa de identificação do vendedor e do produto até o arremate final e o pagamento por parte do comprador. “É como se fosse um grande cartório de registro com a fé pública do leiloeiro para documentar as transações”, disse Santoro. Segundo ele, todos conseguem visualizar cada etapa. “Isso passa mais segurança aos envolvidos.”

“NÃO FUI EU” Santoro afirmou que uma das primeiras iniciativas após o lançamento da plataforma foi a criação de uma identidade digital blockchain (ID Bom Valor) que pode ser baixada no celular pelo consumidor, pelo leiloeiro e pelos demais envolvidos no processo. Todos são obrigados a utilizar a identidade do celular para entrar no sistema. “Essa identidade é um algoritmo único. Consigo comprovar a sua entrada no sistema. Isso garante a segurança das operações. Não dá para dizer ‘não fui eu’”.

Inicialmente, o empresário pretende agregar ao projeto os cerca de 1,6 mil leiloeiros oficiais no Brasil, mas estima que o número possa “crescer bastante”. Cerca de 50 deles já estão inseridos na Bom Valor e devem movimentar cerca de R$ 4 bilhões em negócios em três anos — em 2020, já foram R$ 700 milhões. “É transacionado cerca de R$ 1 bilhão por ano com o leilão de aproximadamente 60 mil itens”, disse Santoro, que mira transformar a profissão do leiloeiro. “Eles terão mais força e poderão alcançar níveis nunca atingidos.”

Para Vicente de Paulo Albuquerque, bacharel em direito e leiloeiro oficial há 25 anos, o uso da nova tecnologia é positivo para o setor. “Vejo com bons olhos a iniciativa da Rede Bom Valor. Traz segurança ao processo e inovação ao segmento”, disse Albuquerque, que preside a Associação da Leiloaria Oficial do Brasil (Aleibras). Dados da entidade revelam que, desde o início da pandemia, houve um aumento expressivo das transações por meio de leilão. Apenas no segmento automotivo, as transações saltaram 50% no número nos últimos meses. “Nunca se vendeu tanto carro como agora. O objetivo é garantir liquidez”, afirmou, revelando que, em alguns casos, os veículos têm sido comercializados a preços até superiores aos praticados no mercado. “Normalmente, se o carro está em bom estado de conservação, o valor praticado corresponde a 80% da tabela da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Mas há casos em que foram pagos valores acima da tabela.”

O leilão de veículos movimenta cerca de R$ 15 bilhões por ano, segundo o executivo. Devido aos protocolos de segurança adotados em decorrência da Covid-19, muitas pessoas que utilizavam transporte por aplicativo optaram pela compra do primeiro ou até do segundo carro. Apesar da procura em alta, Albuquerque afirmou que o número de aquisições de veículos em leilões no Brasil é muito baixo em comparação a outros países, como os Estados Unidos. “Lá, 95% dos carros usados circulam por leilões. No Brasil, esse índice é de 6%.” Segundo o presidente da Aleibras, a pandemia não prejudicou o setor, que há dez anos já estava digitalizado. “Mesmo antes do coronavírus, 95% dos leilões já aconteciam on-line e apenas 5% de maneira presencial.” Nesse cenário digital, a Bom Valor pode definir o futuro dos leilões.