“Seu Brandão, o senhor se considera preparado para ser o presidente do Bradesco?” “Eu estou me preparando para isso desde que comecei a trabalhar aqui, seu Aguiar.” Travada em 1981, essa breve conversa definiu a primeira sucessão no então maior banco privado nacional, o Bradesco. O autor da pergunta foi Amador Aguiar, o homem que descobriu, com seis décadas de antecedência em relação a seus pares, que atender as classes C e D era um bom negócio. Ele transformou a modesta Casa Bancária Almeida, fundada em Marília, no interior de São Paulo, em uma potência do mercado financeiro nacional. Quem respondeu foi Lázaro de Mello Brandão, vice-presidente do Bradesco, à época considerado o sucessor natural de Aguiar. 

 

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“Em retrospecto, quando olho para o Bradesco hoje, eu nunca imaginaria chegar onde cheguei”

 

Seus atributos eram inegáveis: a capacidade de trabalho, a dedicação ao banco e sua identificação com a estratégia definida por Aguiar, algo que não se alterou ao longo das últimas sete décadas de batente. “O sucesso do Bradesco deve-se ao fato de que nos mantivemos fiéis a nossos princípios e não mudamos nossa filosofia de trabalho”, diz Brandão. A biografia do atual presidente do conselho de administração se confunde com a história do Bradesco, que é, sob qualquer métrica, um império. Pelos resultados mais recentes, referentes a setembro deste ano, o banco tinha R$ 856,3 bilhões em ativos, cerca de 70 milhões de clientes e uma rede de atendimento de 8.439 pontos de venda, dos quais 4.665 agências. 

 

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Continuidade: Brandão, à direita, acompanhado de Amador Aguiar (ao centro) e de Antonio Carlos

de Almeida Braga, fundador da seguradora Atlântica Boavista (à esquerda): fidelidade total

aos princípios estabelecidos pelo criador do Bradesco

 

Isso o coloca na segunda posição entre os bancos privados e na terceira no cômputo geral, distante pouco mais de R$ 100 bilhões do arquirrival Itaú Unibanco. Essa diferença já foi maior. Em setembro de 2009, primeiro ano de resultados consolidados após a fusão entre o Itaú e o Unibanco, realizada no fim de 2008, os ativos do Bradesco correspondiam a menos de 80% da carteira do novo concorrente. Em setembro passado, a distância entre ambos havia diminuído e esse percentual aproximava-se dos 90%. Sob a liderança de Brandão, a equipe dirigida pelo presidente-executivo Luiz Carlos Trabuco Cappi caminha a passos largos para encostar no concorrente e retomar o posto de maior banco privado do País, que ocupou por mais de 60 anos. 

 

A estratégia é ampliar a base de clientes por meio de sua rede de agências. Um bom exemplo ocorreu em 2011, quando a concessão do Banco Postal passou para o Banco do Brasil. Antevendo que a competição com os Correios seria acirrada, o Bradesco discretamente comprou ou alugou espaços nas cidades com melhores perspectivas. Foi investido R$ 1,5 bilhão na abertura de 1.100 novos pontos de venda em menos de 12 meses. “Conhecíamos todas as praças do País e sabíamos onde seria interessante ter rede própria”, diz Brandão. Pela ousadia em um momento em que os sinais vitais da economia eram fracos, Brandão foi eleito EMPREENDEDOR DO ANO NAS FINANÇAS pela revista DINHEIRO. Outro trunfo do banco é sua capacitação tecnológica. 

 

Ousado, o Bradesco investiu R$ 1,5 bilhão na abertura de 1.100 postos de venda em 12 meses, em um momento de sinais vitais fracos da economia brasileira

 

O Bradesco instalou o segundo computador corporativo no Brasil, um IBM adquirido em 1962. A agilidade se mantém, mas agora voltada às transações bancárias realizadas por meio de dispositivos móveis e redes sociais. Lançadas discretamente no início deste ano, essas operações vêm crescendo a taxas próximas de 5.000% ao ano. “O Bradesco sempre se caracterizou por manter uma operação eficiente e de baixo custo”, diz Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central, hoje presidente do conselho consultivo do grupo J&F. A capacidade de tornar rentável sua enorme base de clientes tem feito as ações do banco oscilar menos do que as de seus concorrentes. 

 

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No topo e na base da pirâmide: inaugurando uma agência em uma comunidade carente (à esq.) ou fechando acordos

com empresários como Antônio Ermírio de Moraes (à dir.), o Bradesco manteve, por décadas, a liderança entre os bancos privados

 

Nos 12 meses findos em 29 de novembro, a volatilidade dos papéis do Bradesco foi de 25,5%, ante 27,7% do Itaú Unibanco, 33,3% do Banco do Brasil e 71,8% do espanhol Santander. Os papéis de bancos caíram muito nos últimos meses devido ao endurecimento do governo federal com o setor. De olho na competitividade da economia, Brasília vem forçando a redução das taxas de juros e das tarifas de serviços. Os analistas consideram que as ações do Bradesco são menos suscetíveis aos azares da política econômica, principalmente pelo peso das operações de seguros. “A seguradora é uma fonte de resultados estáveis”, diz Erivelto Rodrigues, sócio da empresa de classificação de risco Austin Ratings. 

 

Foco na tecnologia: o Bradesco comprou seu primeiro computador em 1962, e hoje

aposta nas transações por dispositivos móveis e pelas redes sociais

 

Não por acaso, o banco não manifesta a intenção, por enquanto, de separar as atividades da seguradora de seu balanço. Outra vantagem do Bradesco é o bom trânsito com o governo, algo creditado ao talento diplomático de Brandão. Graças a seus contatos, o banco da Cidade de Deus costurou um acordo operacional com o Banco do Brasil e com a Caixa Econômica Federal para lançar, em 2010, a Elo, uma bandeira de cartões de crédito. Apesar da competição ferrenha, as relações com os parceiros estatais são cordiais. “Lázaro Brandão reúne virtudes de empreendedor, de inteligência bancária e de caráter”, diz Aldemir Bendine, presidente do Banco do Brasil. 

 

“É essa síntese que o torna uma referência para todos nós, que estamos à frente de grandes bancos.” Aos 86 anos, tendo passado os últimos 70 ligado aos destinos do Bradesco, Brandão diz se considerar um homem realizado. “Em retrospecto, quando olho para o que o Bradesco é hoje, nunca imaginaria que chegaríamos onde chegamos”, diz ele. “O banco ainda tem muito espaço para crescer, acompanhando a expansão da economia brasileira e a entrada de mais pessoas no mercado consumidor.” Aposentadoria, garante Brandão, não está nos planos. “Vou fazer o que fora daqui? Eu me sentiria um peixe fora d’água.”