Aos 28 anos, Josefa Jeane de Souza imaginava estar morando no apartamento que comprou em dezembro de 2010. Seus planos eram casar-se e sair do aluguel. O primeiro sonho foi realizado, mas o segundo vai demorar a acontecer. O imóvel no bairro do Campo Limpo, na zona sul da cidade de São Paulo, de pouco mais de 50 m2, deveria ter ficado pronto há mais de dois anos. Mas a construtora Bazze não concluiu a terceira torre, que está no 1º andar, e Josefa ficou sem a casa própria. Ela tentou fazer um acordo com a construtora para acertar o distrato do contrato de compra e venda, mas não teve sucesso.

Por isso, acionou a Bazze na Justiça para recuperar os R$ 25 mil da entrada e as parcelas mensais de R$ 700, que foram pagas ao longo de três anos. “Economizamos tudo o que pudemos para pagar as prestações”, diz a gerente administrativa-financeira. “Continuo no aluguel e sei que vou demorar a receber os meus direitos”. Josefa é uma entre milhares de pessoas que estão buscando nos tribunais o distrato com construtoras e incorporadoras. No ano passado, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) recebeu quase 4,9 mil pedidos de rescisão de contrato – uma expansão de 145% sobre 2013.

Os números deste ano ainda não foram divugados, mas os escritórios de advocacia sentem no dia a dia que a demanda aumentou. No Tapai Advogados, um dos únicos no País especializados em direito imobiliário, os casos referentes ao distrato quase dobraram em um ano. Até o início de dezembro eram 532 ações, ante 269 no ano passado. “Ninguém compra um imóvel pensando em devolver em três anos e perder dinheiro”, diz Marcelo Tapai, sócio do escritório que leva o seu nome. “A redução da renda, o risco de perder o emprego e a restrição de crédito são motivos que levam os clientes a desistir.”

As construtoras e incorporadoras podem reter entre 10% e 15% de todo o montante pago – incluindo as corretagens e taxas – pelo comprador para cobrir as despesas administrativas realizadas no período do contrato. O dinheiro deve ser devolvido integralmente, com as devidas correções do período. No caso de Josefa, que envolve atraso de mais de seis meses na entrega do imóvel, o valor a ser restituído é integral. No entanto, a crise econômica tem feito as empresas arriscarem: há desde o pagamento de apenas 40% da entrada em parcelas fixas até sugestões de devolução de cerca de 60% à vista – muito aquém do valor justo.

Essas apostas estão relacionadas à necessidade imediata de dinheiro pelos compradores e do prazo médio de um ano e meio para a conclusão de um processo desse tipo na Justiça. “Tentar um acordo é sempre a melhor saída, inclusive para manter a compra do imóvel com o pedido de prazo de carência para as prestações ou renegociação do financiamento”, diz Fábio Kurtz, sócio do setor contencioso estratégico e arbitragem do Siqueira Castro Advogados. “Não é negócio para uma incorporadora ter inadimplentes, nem imóveis sem comprador.”

A consequência dessa onda de devoluções é o aumento no número de imóveis em estoque, que neste ano chegará a 28,5 mil unidades. Por isso, os clientes devem ficar atentos aos saldões. Muitas vezes um apartamento está sendo negociado por um preço inferior ao do lançamento. Isso acontece pela readequação de preços ao valor de mercado, o que pode ser conferido em pesquisas na região.

O importante é fugir das tentações. O momento de crise é propício para quem busca um bom negócio, principalmente se o pagamento for à vista. Quem pensa em parcelar deve ter cuidado. “Não importa quanto é o seu salário, sempre o imóvel é único e vai caber no orçamento”, afirma Tapai. “Parcelas baixas durante a obra provocam um desalinhamento com o saldo devedor.” Vale tudo para que o “lar, doce lar” não se transforme no “lar, devolvido lar”.